100 dias de Governo Witzel: Mobilidade, mobilização e monitoramento

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Texto por
Comunicação Casa
Data
9 de maio de 2019

Por Vitor Mihessen, João Pedro Martins e Thábara Garcia*

O presente artigo traz o embate entre Agenda Rio 2030 – conjunto de propostas de políticas públicas construídas coletivamente pela rede de organizações da sociedade civil que compõem a Casa – e as promessas do executivo estadual para o setor de transportes. A ideia é analisar os primeiros 100 dias de mandato de Wilson Witzel, especialmente na área de transporte e mobilidade urbana, tema que a instituição tem se dedicado há alguns anos, através de pesquisas de monitoramento e ações de incidência. Os pontos de partidas são o Plano de governo e o Plano de diretrizes[1]*, além de declarações à imprensa e reuniões com os gestores e agentes implicados no tema.

Para além de olhar para os 100 dias na atual gestão, buscamos contrastar nossa visão sobre a mobilidade urbana do Rio com a visão do mandato eleito, a partir de três lentes/momentos: 1) Movimento Rio Por Inteiro x campanha eleitoral; 2) Agenda Rio 2030 x Plano de Governo; 3) Painel Agenda Rio 2030 x Plano de Diretrizes.

Os 3T’s da mobilidade urbana metropolitana do Rio: Transporte, Tarifa e Transparência

Impulsionadas pelas manifestações de junho de 2013, que tiveram a redução das tarifas dos transportes como mote de origem, diversas entidades espalhadas pelas metrópoles do país conseguiram se mobilizar para aprovar a emenda constitucional 90/2015. Ela garante o transporte como um direito social básico, dando novas possibilidades e prioridades para o setor. 

A importância de falar do direito ao transporte passa pelo custo que ele tem para as pessoas:  no Rio, as tarifas do transporte público comprometem cerca de 20% da renda dos trabalhadores que recebem em torno de um salário mínimo, deixando de fora também aqueles que não podem arcar com o alto valor das passagens, especialmente mulheres negras, que possuem a menor renda mensal média entre os recortes de raça e gênero. Isso sem falar no assédio e na falta de segurança, conforto e pontualidade. Ou seja, pagamos muito caro para um serviço sem qualidade e com pouco controle sobre sua operação e seu financiamento. 

Portanto, falar de mobilidade urbana a partir daí é ir além dos transportes, da engenharia de tráfego: é pensar em planejamento urbano, gestão, transparência e participação. É pensar na metrópole como um todo, reduzir desigualdades e ampliar as oportunidades de emprego, estudo, lazer e serviços nos diversos territórios, especialmente a partir do fortalecimento das centralidades das periferias. Mobilizar, monitorar e incidir nas políticas públicas nesta perspectiva, é tarefa árdua, mas necessária. 

Dito isso, vamos às propostas e às promessas para a mobilidade urbana do Rio.

1) Movimento Rio Por Inteiro x Campanha Eleitoral

Desde sua fundação, a Casa Fluminense realiza campanhas com a cidadania para influenciar o debate eleitoral, nos meses anteriores ao registro das candidaturas. Em 2018, além da Agenda Rio, o caderno de propostas da rede, foram criadas duas outras frentes de informação e interação: a plataforma de sugestões e compromissos, www.rioporinteiro.org.br, em parceria com a Fundação Cidadania Inteligente e a série de entrevistas-sabatinas com os candidatos ao governo do estado do Rio de Janeiro, em parceria com o Conselho de Arquitetura, CAU/RJ. Em todo o processo tivemos a participação de seis das onze candidaturas homologadas, contudo, o governador eleito não participou de nenhuma das iniciativas.

Naquele momento, em entrevista durante a campanha, Wilson Witzel alegou que conversou com engenheiros sobre levar para a FETRANSPOR, a Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro, a proposta de substituição dos BRTs por VLTs, através de parceria público-privada. Esta ideia voltou à tona recentemente, mas dessa vez para substituição dos BRTs por Monotrilhos, com nova declaração do governador, apesar do projeto não ter sido discutido na Câmara Metropolitana, instância estadual de coordenação de projetos estruturais consorciados, e por isso não consta no Plano Estratégico de Desenvolvimento Urbano Integrado (PDUI). Importante salientar que o PDUI vem sendo discutido com diversas instâncias de poder, universidades, organizações da sociedade civil e outras entidades, há pelo menos 4 anos com o amparo do Estatuto da Metrópole, lei 13.089/15

A governança metropolitana era a proposta 1.1 da Agenda Rio 2030 e foi aprovada em dezembro de 2018, depois de muito esforço coletivo. Materializa-se como uma agência vinculada à secretaria de governo, sendo responsável pela orientação do desenvolvimento da Região Metropolitana e a priorização de projetos estruturais que impactem a vida dos moradores dos 22 municípios. Trata-se, portanto, de um espaço para implementação e costura de projetos consorciados e que pode plenamente ser utilizado para a tão sonhada “estruturação de um sistema integrado de mobilidade”, que tem no trem, que corta 12 municípios, um de seus maiores símbolos.

Na plataforma Rio por Inteiro, a sugestão mais clicada do eixo de mobilidade urbana, com 108 candidaturas comprometidas (no executivo e legislativo) e 116 apoios de entidades civis foi a de “conferir aos trens metropolitanos a qualidade de serviço do metrô”. Em seguida, “estruturar o sistema integrado de transportes” e “licitar o bilhete único e tornar as tarifas transparentes”. Em outras palavras, a maioria das organizações sociais da metrópole que participaram do movimento Rio por Inteiro concordaram que a ação prioritária no setor de transportes de passageiros deveria ser o investimento nos trens metropolitanos. Qualificar a prestação do serviço para alcançar o nível que a lei de concessões estabelece e que é mais facilmente encontrado nos metrôs da cidade do Rio. 

Apesar do sistema ferroviário ser priorizado na narrativa do governador, a ótica de expandir a malha sem melhorar a qualidade da operação atual não pode ser preferida. Para exemplificar, segundo dados das concessionárias, entre 2007 e 2017 foram investidos R$1,2 bilhões de recurso público na qualificação dos ramais da Supervia, onde se deslocam 600 mil passageiros diariamente, oriundos de 12 municípios diferentes. Por outro lado, no mesmo período, foram investidos 7 vezes mais: R$ 8,5 bi na expansão do metrô para a Barra, que não transporta 100 mil pessoas/dia. Há de se avaliar em toda política pública, a priorização do uso do orçamento público de forma territorializada, mirando a redução das desigualdades estruturais da metrópole como um todo.

2) Agenda Rio 2030 x Plano de Governo

A síntese da visão e das propostas de políticas públicas levantadas pela rede de organizações parceiras da Casa Fluminense, é chamado por nós de Agenda Rio 2030. O documento é atualizado a cada eleição e entregue para todas as candidaturas que se identificarem com seu propósito. Entre as 40 propostas, elencamos cinco sugestões para a administração eleita orientar sua atuação em prol de uma mobilidade urbana sustentável, que promova mais acesso para seus cidadãos metropolitanos e reduza nossas desigualdades territoriais, sociais e econômicas, raciais e de gênero. Três das cinco propostas já foram citadas na seção anterior, pois foram as mais votadas na plataforma online. Além delas, “priorizar os transportes ativos frente aos individuais motorizados” e “expandir a rede de transporte de média e alta capacidade” completam o eixo.

Muitos candidatos e candidatas se valeram dos conteúdos da Agenda Rio para redigirem suas diretrizes programáticas, inclusive o governador Wilson Witzel. Assim, em nossa análise pós-eleições, identificamos cinco convergências e cinco divergências para com o plano de governo da sua coligação, intitulada “Mais ordem, mais progresso”. As principais divergências, como bem apontadas pelo artigo de abertura da série sobre os 100 dias do governo Witzel, assinado pelo Fórum Grita Baixada, são reveladas já no início do programa. Elas aparecem, sobretudo, nos equivocados (pré)conceitos e caminhos sugeridos para a “segurança pública” do Rio perseguir, segundo o mandato – inspirado também na eleição nacional. São temerários os apontamentos feitos ali e já surtem efeitos catastróficos na conduta da população civil e dos militares residentes no estado (e no país), como no episódio trágico dos 80 tiros disparados no carro de uma família que se dirigia para uma festa em Guadalupe, Zona Norte do Rio, culminando no assassinato do músico Evaldo dos Santos e do reciclador Luciano Macedo.

Por outro lado, é na narrativa do ex-juiz sobre o “enfrentamento da máfia dos ônibus” que encontramos uma convergência importante, contraditoriamente, para preservar o direito de ir e vir dos fluminenses: “combate ao alto preço da tarifa”. Os trechos são redigidos nas páginas 39 e 41 do plano de governo, o qual apresenta a seguinte proposta-síntese: “Assumir o controle do Bilhete Único, dando mais transparência ao sistema de tarifação e destinando corretamente o recurso pelos serviços prestados pelas empresas.”

3) Painel Agenda Rio x Plano de Diretrizes 

Completos 100 dias do novo governo e uma vez constituída a nova assembleia legislativa do Rio de Janeiro, a Casa realizou o lançamento do Painel da Agenda Rio 2030, para o monitoramento das políticas públicas na metrópole. O Painel é parte do programa de monitoramento da Agenda, que busca informar e atualizar constantemente os principais desafios encontrados para que as propostas se concretizem, elucidando do que se trata cada uma, em que pé ela está e o que ainda precisa ser feito. Como extração do conteúdo do Painel, lançamos no dia 03/04, na Central do Brasil, o segundo Boletim da Agenda Rio 2030, intitulado “Transporte bom e barato é possível”, que mostra como a passagem pesa no bolso e como há pouca transparência no setor. Em formato de jornalzinho, trata-se de uma experiência de monitoramento cidadão que usa uma linguagem simples e direta para a mobilização em torno de temas prioritários. 

Usando as mais diversas mídias, nossa intenção é de reverberar a visão da rede da Casa no debate público e fazer incidência a partir dela, buscando soluções para os desafios fluminenses. A principal defesa deste Boletim perante ao governo do estado é a realização da licitação do sistema de bilhetagem eletrônica intermunicipal, tendo como um dos principais objetivos o de tornar transparentes as tarifas e, claro, baratear o serviço. Assim, imediatamente após a ação de lançamento nos reunimos com a Secretaria de Transportes, SETRANS, que havia recebido algumas importantes demandas para serem cumpridas até os 100 primeiros dias, segundo o Plano de Diretrizes e nenhuma delas tinha sido a preparação do edital de licitação do BU. 

Para os 3 primeiros meses da Secretaria estavam designadas 4 atribuições de caráter de pesquisa e planejamento, listadas abaixo, com o respectivo andamento das mesmas, segundo o documento de Resultados do Governo, publicado na ocasião dos 100 dias.

  1. Estruturar um grupo de trabalho para viabilizar uma solução técnico-jurídica para a questão da linha 4 do metrô (Gávea).  –  100%, concluído
  1. Analisar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos entre o estado e a empresa concessionária CCR Barcas para garantir a continuidade do serviço das barcas na Baía de Guanabara.  – 74% em andamento
  1. Revisar o contrato vigente e o edital de licitação da concessão do serviço de ônibus intermunicipais.  – 45%, em andamento
  1. Realizar estudos técnicos para o aperfeiçoamento da malha férrea do estado do RJ com empréstimos do Banco Mundial. – 75% em andamento

Em resumo, os 100 dias serviriam para reavaliar as concessões e seus contratos: Linha 4, Barcas, Ônibus Intermunicipais e Trens. Além dos percentuais de cumprimento, não temos muitas informações sobre a execução dos estudos, mas sim da complexidade dos temas: 

  1. Linha 4 – A extensão do metrô linha 1 novamente entra como prioridade e já tem designado seu Grupo de Trabalho. Este GT precisa ter as perspectivas de estruturação de rede (e não somente expansão da linha) e de resolução do imbróglio que se mantém desde as disputas sobre o traçado da linha numa das áreas mais “nobres” da cidade, até os fortes indícios de corrupção nas obras milionárias, que seguem abertas.
  1. Barcas – A licitação das Barcas, por sua vez, tem como grande desafio tornar factível a operação, haja vista a pouca discussão sobre o modelo de financiamento dos sistemas de transporte como um todo e a necessidade de viabilizar a tarifa social, em debate há anos na ALERJ. Charitas, em Niterói, teve sua linha social aprovada pela lei 8.037/2018 e sua implementação é parte da demanda da SETRANS, juntamente com a viabilização das Barcas para São Gonçalo.
  1. Ônibus Intermunicipais – Sobre a licitação dos ônibus intermunicipais, cuja entrega é parte do Regime de Recuperação Fiscal do Rio de Janeiro, deveria ter sido realizado em setembro de 2018. A gestão atual tenta firmar acordos de cooperação técnica para revisão da proposta do governo anterior, que tem o papel de aprimorar os contratos para melhorar a prestação dos serviços rodoviários, com tarifas menores. Segundo o acompanhamento do próprio governo esse processo tem menos da metade do caminho de consolidado.
  1. Trens – Há dois anos, em 24 abril de 2017, Joana Bonifácio, jovem estudante de Belford Roxo teve sua perna presa no vão entre o trem e a plataforma, perdendo sua vida nos trilhos. Em março de 2019, uma nova colisão resultou na morte do maquinista Rodrigo Assumpção. Outras 66 famílias, somente no ano de 2017, também perderam seus entes queridos em atropelamento nos trilhos da Supervia segundo levantamento da Casa Fluminense. Como janela de oportunidade para implementar de fato os prometidos “aperfeiçoamentos”, que podem evitar tragédias deste tipo, o consórcio japonês liderado pela empresa Mitsui, que já tem participação na Supervia desde 2015, irá assumir 90% do controle acionário a partir de 2019 e  precisa executar melhorias para estações e ramais, como redução do vão entre o trem e a plataforma, a instalação de sensores nas portas e painéis eletrônicos (lei 5.274/2008 ) como dito na proposta 3.2 da Agenda Rio 2030. 

Para a atual pasta na administração estadual, que herdou esse cenário, foi nomeado como secretário o Brigadeiro Robson Ramos, quem montou uma equipe com membros da aeronáutica, engenheiros e professores universitários. Como dito, nas reuniões com os atuais gestores não obtivemos o resultado do cumprimento das exigências assumidas de planejamento e pesquisas, somente a visualização dos obstáculos. Neste sentido, inclusive, a principal bandeira de hoje para a Casa Fluminense, a licitação da bilhetagem eletrônica, segue em vias de judicialização, dados o poder e o sigilo ainda praticados pela Fetranspor. 

No encerramento da legislatura passada da ALERJ, deputados aprovaram o relatório final da CPI dos Transportes, que defende o fim da Fetranspor e medidas para a publicização das informações da bilhetagem eletrônica. Como dito, o governador registrou em seu Plano de Governo a promessa de “assumir o controle do Bilhete Único, dando mais transparência ao sistema de tarifação e destinando corretamente o recurso pelos serviços prestados pelas empresas”. Durante o andamento da CPI, a Defensoria e o Ministério Público Estadual estabeleceram em 1º de novembro de 2017, através de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), o prazo de 540 dias para a conclusão do edital de licitação que escolheria o operador do sistema BU. Firmado com o secretário anterior, este prazo se esgotou no dia 24/04/2019. Neste mesmo dia houve reunião entre DP e MP na qual ficou estabelecido o ajuizamento de uma execução coletiva para o TAC, dado o não cumprimento da exigência. No Plano de diretrizes há “Análise do Banco de Dados do Bilhete Único Intermunicipal (BUI)”, atribuída ao PRODERJ – Centro de Tecnologia de Informação e Comunicação do Rio de Janeiro, mas no prazo de 180 dias. 

As ideias de como ampliar a transparência, combater a corrupção e baratear o preço da passagem vêm ganhando força, uma vez que têm sido implementadas maneiras alternativas de custear o sistema de transportes, gerando tarifas reduzidas, em algumas cidades do país e do mundo. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, cerca de cinco milhões de consumidores utilizam o Bilhete Único. Contudo, a bilhetagem eletrônica nunca foi alvo de licitação. O processo licitatório é obrigatório para a escolha de empresas concessionárias, contratadas para prestar serviços públicos, devendo garantir ao Estado e à sociedade, transparência e controle. Neste sentido, seguiremos acompanhando a partir do Painel Agenda Rio 2030, informando e construindo ações de mobilização para que as propostas sejam encaminhadas e que os transportes no Rio sejam socialmente justos, economicamente equitativos e ambientalmente sustentáveis.

[1] O Plano de Diretrizes foi retirado do site oficial do Governo do Estado. Disponibilizamos aqui o arquivo para acesso.

Autores: Vitor Mihessen – coordenador de informação da Casa Fluminense; João Pedro Martins – assessor de informação da Casa Fluminense; Thábara Garcia – pesquisadora do Painel Agenda Rio 2030

<\> O artigo foi publicado originalmente na site do Fórum Grita Baixada em 29 de abril de 2019, e integra a série de artigos de monitoramento sobre os 100 dias de Governo Witzel.

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