Monitoramento de políticas públicas como tática de mobilização e incidência

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Texto por
Comunicação Casa
Data
12 de dezembro de 2019

Por Thábara Garcia*

A produção de dados e narrativas por parte do poder público têm sido cada vez mais questionada em sua capacidade de interpretação da realidade social. Porém, eles têm sido importantes ferramentas para a luta de movimentos sociais para a implementação de políticas públicas e sociais, ao longo da história  do Brasil. No campo da produção de dados sobre políticas públicas, pode-se dizer que há um efeito muito perverso, sobretudo, para as populações residentes nas favelas e periferias – uma vez que legitimam discursos sobre os territórios e seus moradores, que são, historicamente, estigmatizados pela lógica da imagem de violência e miserabilidade. Os “diagnósticos” oficiais sobre esses “territórios- problema” subsidiou ações do Estado, através de políticas, sejam com vistas a garantia de direitos ou, até mesmo, ao controle  (como, por exemplo, as políticas de segurança, cujos dados podem servir para fortalecer lógicas discriminatórias e punitivas e, por vezes, justificar a violação do direito à vida das populações mais pobres). Logo, a produção de dados e narrativas oficiais não dão mais conta para uma sociedade que, cada dia mais, mediante a tantos desafios, se mobiliza para mudar a realidade dos territórios onde vivem. 

Em 2012, entrou em vigor, durante o governo Dilma Rousseff, a Lei de Acesso à Informação (LAI). A Lei nº 12.527/2011 completou 7 anos em 2019 e,  teoricamente, serve para garantir o acesso à dados públicos a qualquer cidadão. Além disso, a LAI também regulamenta a transparência na gestão pública. Porém, são recorrentes as dificuldades para acessar os dados via LAI: a falta de sistemas eletrônicos de acesso à informação, pouca capacitação dos funcionários públicos para lidar com esse tipo de demanda, irregularidades nas respostas aos pedidos de informação, ausência de fiscalização, negação de informações em função do suposto “sigilo” (como no campo da segurança pública), dentre outros entraves, são as dificuldades encontradas pelos cidadãos para ter  acesso aos dados públicos e monitorar o que acontece com o orçamento, por exemplo, de seu município. Afinal, por que a creche prometida na eleição não ficou pronta? Cadê a água da torneira? E o hospital que não tem vaga para atender o familiar querido? Ou seja, mesmo prevista na lei, a dificuldade de acesso à informação é uma grande pedra no caminho de quem se interessa pela gestão pública. Ao passo dessa necessidade, a Casa Fluminense, em seu exercício de monitoramento, criou o Painel Agenda Rio 2030 e o Boletim Agenda Rio, para que essa informação esteja ao alcance de mais gente. 

O portal de monitoramento da Agenda Rio 2030, se propõe a ser um parâmetro sobre cada proposta da Agenda, em seus oito eixos programáticos. O Painel, com sua metodologia, inicialmente, apresenta um diagnóstico da proposição, aponta seu status atual, no que tange ao legislativo e ao executivo, e, por fim, iniciativas da sociedade civil, ilustrando os caminhos que queremos e precisamos trilhar para o uma região metropolitana integrada, sustentável e inclusiva, é um espaço para o acompanhamento das políticas públicas territoriais da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O canal apresenta a sistematização de dados quantitativos ou qualitativos, informações e narrativas sobre cada proposta da Agenda, sendo um espaço reflexivo para pesquisadores, jornalistas, ativistas e sociedade civil, em geral. 

Nele sistematizamos dados sobre as violências que os fluminenses acompanham todos os dias nos noticiários e em suas rotinas. Infelizmente, ainda precisamos escrever sobre as mortes dos jovens negros na Baixada, sob a tutela de uma política genocida do Estado que insiste no confronto, podendo adotar a inteligência, o que reduziria a morte de inocentes. Afinal, o assassinato de crianças não é a narrativa  que queremos contar no próximo painel. 

Assim como na segurança pública, outras áreas também não vão bem no Rio. Não podemos esquecer dos altos índices de desemprego, resultando num número alto de profissionais fora do mercado formal de trabalho  e que se viram como podem, na informalidade, vendendo produtos no varejo pelos trens, praças e calçadas das grandes cidades. O desemprego tira o sono e a saúde do nosso povo. E o nosso Rio continua estagnado, desindustrializado e com a pouca oferta de trabalho concentrada no grande centro da capital. 

Na Saúde e na Educação, temos alguns mesmos dados: as duas áreas sofrem com as faltas. Faltam vagas em creches, na Zona Oeste e na Baixada Fluminense. Postos de saúde de pronto atendimento de baixa complexidade foram fechados. Os Centros de Atenção Psicossocial não paga em dia os salários dos psicólogos e assistentes sociais. As escolas na Maré perderam mais de 30 dias de aula, em 2018, por conta das operações policiais, deixando crianças fora da escola. Nossa nota no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) não cresce.

A política de habitação não dá conta do nosso gargalo. O Rio de Janeiro desponta como uma das cidades mais caras para se viver no mundo e cresce o número de pessoas em situação de rua. Os aluguéis são altos e não tem casa segura para todos. As favelas seguem sem urbanização e sofrendo com doenças medievais. 

No transporte público, temos que lidar com tragédias diárias na SuperVia. Os ônibus não têm ar condicionado e estão infestados de baratas. As obras do BRT só encarecem e não terminam. Alguns acham até que o BRT pode acabar. E o preço das tarifas que comem 20% da renda do trabalhador? A estação da Gávea na superfaturada Linha 4 do metrô, que levaria poucos gatos pingados para a Zona Sul do Rio, tem mais importância que a linha que levaria centenas de milhares até São Gonçalo. Ou por que não um investimento maciço nos trens dando a qualidade de metrô a eles? Quantos “acidentes” precisarão existir para que o usuário do trem tenha dignidade?

Ação de lançamento do Boletim da Agenda Rio Transporte Bom e Barato É Possível, na Central sobre tarifa e qualidade nos transportes. Foto: Kati Tortorelli/Chama

E a nossa Baía de Guanabara que sofre até hoje com recebimento de milhares de litros de esgoto não tratados por dia? E a falta de água na Baixada Fluminense? E as enchentes que, todo ano, deixam várias vítimas e a certeza de que é preciso obras de contenção de encostas e drenagem urgente nas nossas cidades. 

Contudo, o exercício de monitorar não consiste apenas em acompanhar as legislações em tramitação, os decretos e propostas, mas também de observar o que acontece nas ruas e o que faz da cidade um espaço melhor. Monitorar tem como sinônimo os verbos “considerar” e “acompanhar”. Nessa trilha, encontramos a experiência da índia Niara do Sol, que ao ser removida da Aldeia Maracanã criou uma horta em um condomínio do Minha Casa, Minha Vida, no centro do Rio, no que conhecemos, hoje, como “Aldeia Vertical”.  Sua horta comunitária é um exemplo de como é possível se adaptar às dificuldades, em meio a tantos desafios. Por que não podemos dizer que a horta da Niara não é um exemplo de agricultura familiar, economia solidária, prevenção à doenças, manutenção da memória dos povos tradicionais, entre outras coisas mais que só uma visita ao “Zé Keti” podem nos ensinar?  Também, ao longo dessa caminhada de observação conheci a Fátima, a Jovelita e outras mulheres fortes de Jardim Gramacho que estão até hoje, sete anos depois do fechamento do aterro sanitário, lutando pelos direitos dos catadores e dos 27 mil moradores do bairro.

Essas histórias também nos lembram a do pessoal de Realengo, do projeto Lata Doida,  que há anos vêm lutando para a realização do Parque Verde, no bairro, e que criou um mutirão para que eles mesmos fizessem o parque do jeito que fosse possível.  Em minha visita no dia do mutirão, conheci a dona Cida, moradora há 85 anos e que nos contou como a fábrica de pólvora funcionava em sua infância e como a construção de um condomínio pode afetar a memória do bairro, produzindo mais desigualdade, além de poluição.  Na Maré, tem o “CocoZap”. A iniciativa parte do Data_Labe para mapear com os moradores, a falta de saneamento básico na Nova Holanda, através do aplicativo WhatsApp. Não é bonito ver as pessoas se mobilizando e colocando a mão na massa?  

Ocupação artística e socioambiental do projeto Lata Doida em defesa do Parque Verde de Realengo. Foto: Larissa Amorim

Nesse espaço, por fim, temos uma leitura  de como a administração pública e a sociedade civil lidam com uma agenda global que se coloca como um ponto de partida para o desenvolvimento social e territorial.  Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da ONU são um parâmetro para o desenvolvimento pleno das potencialidades dos indivíduos e para a (re) construção de comunidades sustentáveis.

Com isso, encerro com o convite para que a gente reforce nos nossos bairros, nos nossos territórios de atuação, nas faculdades, nos podcasts e nos bares, a importância  do exercício de monitoramento de temas que impactam diretamente a vida das pessoas, fortalecendo uma cultura de transparência, fomentando um debate qualificado sobre as pautas de interesse público, além de promover um exercício de cobrança, principalmente àqueles em que confiamos o nosso voto. E que o Painel Agenda Rio 2030 sirva para qualificar os tomadores de decisão, os pesquisadores, os ativistas e toda a sociedade, para interferir e orientar o debate  da gestão pública. 

Acompanhe!

*Thábara Garcia, pesquisadora associada da Casa Fluminense

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