Blog Norteando: “Quem é dono dessa rua?”, por Ana Claudia Souza

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Texto por
Ana Claudia Souza
Data
16 de março de 2015

A ideia desse blog é o do papo descontraído como aqueles que a gente tem ao botar a cadeira na calçada, quando o sol baixa e uma brisa corre, aliviando o calor, especialmente no verão. A imagem que se faz na cabeça, ao se pensar na cena, é das mais bucólicas associadas ao subúrbio do Rio – e de fato ainda é muito presente em vários bairros da cidade. Mas num específico, cadeira e calçada estão passando por um momento de grande dificuldade: o clima tenso pode até permitir que se fique no portão, mas é bom estar arisco porque a qualquer momento pode ser necessário entrar correndo. A chapa está quente para os lados de…

A conversa por aqui ia seguir nesse diapasão – do medo –, mas eis que chega na área o amigo Victor Hugo Rodrigues, agitador do Honório Gurgel Coletivo, com uma notícia para lá de boa: saiu o resultado do edital de Ações Locais, promovido pela Prefeitura, através da Secretaria Municipal de Cultura.

E o projeto Viva Honório! (com exclamação e tudo) é um dos selecionados – ao todo, foram contempladas 85 iniciativas, sendo 65 propostas por pessoa física e 20 por microempreendedores individuais, entre mais de 800 inscritos. É um feito e tanto para uma iniciativa tão jovem, que insiste em promover eventos culturais e propor novas narrativas numa região bastante habituada à imagem depreciada de si mesma.

Mais que tudo, o Edital é um prêmio de reconhecimento a ações que já acontecem na cidade e, agora, passam a ser reconhecidas pela Prefeitura, dada a importância que têm para o Rio. É ao menos uma tentativa de um olhar mais amplo sobre a cidade, para além do Centro e das periferias mais conhecidas.

Numa entrevista recente ao jornalista Luiz Felipe Reis, do jornal O Globo, o novo secretário municipal de Cultura, Marcelo Calero, acenando com a transformação do edital numa “política pública perene”, cita o Ações Locais como uma ferramenta que “amplia a atuação da SMC na cidade” e admite que o edital surgiu da “necessidade de trabalhar a noção de pertencimento do carioca à cidade”.

Não qualquer carioca, mas especialmente o carioca que vive em regiões não centrais da cidade. “Temos uma dívida histórica com as zonas Norte e Oeste, e caminharemos nesse sentido, com ações e a criação de equipamentos culturais nessas áreas”, promete (leia a integra da entrevista aqui).

Continuidade, permanência, constância e manutenção de políticas públicas em todas as esferas não é o forte das administrações – e a área da cultura é uma das que mais o efeito desastroso que a descontinuidade de iniciativas provoca. Não se tem garantia alguma da continuidade deste edital, com avaliação e aprimoramento para as próximas edições, mas para muitos projetos, a maioria deles tocado por jovens, a existência de uma ação assim é um feito e tanto.

Em sua coluna também no Globo, sob o título Antes que morram, Marcus Faustini faz uma análise da violência contra jovens em bairros populares, as iniciativas que existem nesses mesmos espaços propondo novas formas de vida, e o papel de editais como este para ações como aquelas.

No caso do Honório Coletivo, a própria inscrição no Edital ajudou a reflexão sobre o que estava sendo feito no bairro e o que ainda se deseja fazer pela frente. E desejo é algo poderoso. Tanto que é capaz de mobilizar para ações, projetos e realizações que vão na contramão do mal estar que insiste em se instalar entre nós e que é facilmente percebido ao se acompanhar o noticiário policial – o mal estar que quase dominou esse post, aliás.

Conversei com o Victor Hugo sobre isso, chamando atenção para o silêncio que se abateu sobre mim – e um pouco sobre as ações do Coletivo, e muito sobre este blog recém-nascido – à medida que as notícias sobre uma rotina de violência e medo aumentavam, com relatos alarmantes e, mais que tudo, tristes, de vítimas variadas, muitas delas naquela região, alcançadas por balas a esmo, algumas vezes disparadas não se sabe exatamente por quem, nem dirigidas a que alvo, muitas versões insustentáveis, muita intimidação por todos os lados… É o conhecido e temido roteiro do medo – não infundado – se desenrolando. É uma conversa recorrente esta.

No Sarau de novembro, havia o temor de o clima ficar pesado e inseguro justo no dia em que estávamos programados para a festa – a tentativa do Honório Coletivo é que haja ao menos um evento cultural por mês, por enquanto apenas no Conjunto do Antigo IAPI, e sempre usando os equipamentos culturais do bairro, ou seja, os bares, a praça, o jardim, o que se tem.

Na ocasião, perguntei ao Victor se ele estava disposto a manter o evento. “Eu vou deixar de viver?”, foi a resposta. Diariamente, um contingente enorme de jovens se lança a esse desafio simples e complexo, que é não deixar de viver no Rio de Janeiro. Mantivemos a programação e aquela edição de Um Tal de Sarau foi linda – como sempre costuma ser, aliás.

Um dos avaliadores da banca em que tivemos que defender ao vivo o projeto Viva Honório, na etapa de seleção do Ações Locais, Luiz Antonio Simas escreveu um belíssimo texto em seu blog, em que trata das mudanças da cidade, dos riscos que vêm com as mudanças pelas quais a cidade está passando e a energia vital que vem das ruas, especialmente dos subúrbios, através de projetos variados tocados por essa moçada.

Diz ele: “As ruas estão de fato ocupadas por movimentos com uma vitalidade cultural que me surpreende e que estão sabendo dialogar com o poder público municipal e a iniciativa privada de forma soberana e cada vez mais amadurecida. Quando tomo conhecimento do trabalho do Leão Etíope, do Norte Comum, do Boi de Lucas, da Roda Cultural do Méier, do Fuzuê de Aruanda, do Samba de Benfica, do Viva Honório!, do Rap na Reta, do Guerreiros da Guia, do Loucura Suburbana, do Cidadania Black, do Lobo Guará (dentre tantos outros); lanço sobre a minha cidade um olhar esperançoso. O Rio de Janeiro tem uma dívida enorme com os seus subúrbios; as Zonas Norte e Oeste: a potência criadora da cidade hoje pulsa vigorosamente por essas bandas”.

Este processo de reconhecimento de ações – muitas delas bastante invisíveis – abre uma enorme porta de diálogo com a cidade, com gente que transita por ela, frequentando lugares fora do circuito manjado, sem medo de ir ao bairro onde mora o amigo, sem temer a rua. Esse Rio é uma beleza. E diariamente, com a máxima alegria e disposição possíveis, bota a cara para fora, encarando como pode o medo, para que ele não mate essa alma carioca que pulsa forte em inúmeras esquinas e calçadas de toda a cidade.

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