Em um ano de trabalho, um mês de vida é passado no trânsito

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Texto por
Associado Casa
Data
22 de novembro de 2013

Por Vítor Mihessen*

A conta é simples, mas seu resultado revela um drama assustador: para uma pessoa que gasta uma hora e meia no caminho de casa ao trabalho, são três horas perdidas diariamente que representam 66 horas em um mês de 22 dias úteis.  Em outras palavras, são quase três dias inteiros passados no trânsito a cada mês. Para um ano de labuta, contabilizando-se um mês de férias, são perdidos 2,75 dias a cada um dos 11 meses. Multiplicando, temos o valor aproximado de 30 dias por ano (!) perdidos no deslocamento pendular.

É óbvio que são minutos preciosos e poderiam ser melhor empregados em qualquer outra atividade produtiva ou de lazer. Reduzir o tempo gasto no deslocamento não apenas traria ganhos de produtividade ao trabalhador, mas também traria ganhos incomensuráveis em termos de qualidade de vida. O stress do dia-dia urbano se veria diminuído e o tempo livre para diversão, família, amigos e estudos seria, assim, ampliado. Não é à toa que as mulheres com filhos pequenos em casa são aquelas que menos oferecem sua força de trabalho no mercado formal, em empregos de maior qualidade, já que essas oportunidades em geral pressupõem jornadas mais rígidas e percursos mais longos, uma vez que se concentram nos núcleos das metrópoles.

Para continuar a refletir sobre essas questões, é importante considerar três variáveis de análise que, inter-relacionadas, inserem-se no badalado tema da mobilidade urbana: a participação no mercado de trabalho, ou a taxa de atividade, em economês; a rigidez das jornadas de trabalho; e, finalmente, a descentralização da atividade econômica.

No quesito participação no mercado de trabalho, os custos de oportunidade dos jovens, mais particularmente das jovens mães, são mais expressivos e simbólicos. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, por exemplo, uma a cada quatro jovens de 15 a 24 anos já têm filho e 43% destas são “nem-nem-nem”: meninas que não estudam, não trabalham e nem buscam emprego; quase a metade desta população, segundo dados do Censo de 2010.  Na média da Região, o perfil de aparente ociosidade aproxima-se de 17% dos fluminenses nesta faixa; são jovens que cuidam das tarefas domésticas e fazem um “bico” aqui ou um cursinho acolá.

Não se trata de definir que o custo monetário da busca por emprego ou o custo do tempo passado longe de casa sejam os únicos motivos para a inatividade, mas certamente contribuem de forma significativa para a explicação deste fenômeno e podem ser proibitivos para muitos. Nega-se assim o direito à locomoção e à cidade, através da “imobilidade” de alguns perfis da população. Neste contexto, a política de universalização de creches, mostra-se um investimento imprescindível, por exemplo, para inserção no mercado de trabalho dos chefes de família com filhos pequenos em casa. Além de garantir uma educação de melhor qualidade das crianças, futuros jovens, oferece principalmente às mães a possibilidade de ingressar no mercado de trabalho, se assim desejarem.

Paralelamente ao que já é realidade, a inflexibilidade da oferta e contratação de mão-de-obra, é tema, dentre outros autores, do italiano Domenico de Masi, que faz apontamentos simples e revolucionários. Masi indaga primeiro se, com o aparato tecnológico que temos hoje em dia, muitas profissões não poderiam ser exercidas dentro de casa ou ainda através de ambientes compartilhados, situados próximo às residências, como são os hubs, timidamente implementados no Brasil. Indo além, a implantação de novos regimes de trabalho, que possam incluir jornadas reduzidas e remanejamento de horários, não impediria a realização de reuniões no ambiente interno das empresas nem traria impactos para o desenvolvimento local do entorno, poderia aliviar as horas de pico do tráfego e, quem sabe, elevar a ‘produtividade do trabalho’, tão almejada em nosso país.

Este ideário recebe críticas quanto à influência do fator cultural, que nos impede de adotar regimes tão alternativos. Mas seria eficaz no sentido de reduzir o “comportamento de manada” que se observa nos dias úteis das metrópoles e sobre os quais todos temos alguma reclamação a fazer. Em especial os residentes no Rio de Janeiro, consagrado campeão brasileiro em tempo de deslocamento casa-trabalho e que, no mundo, só perde para a área metropolitana de Xangai, de acordo com dados do IPEA.

Aqui, o intenso fluxo de pessoas que saem da periferia, seja de municípios próximos (ou não tão próximos), seja das Zona Norte e Oeste da cidade, adensa o centro da capital nas horas tradicionais de trabalho e condiciona todo o tráfego de forma unidirecional, culminando nos árduos congestionamentos e excessos de demanda dos modais sob trilhos e das barcas. Neste sentido, o Paradoxo de Braess para a rede rodoviária se aplica também ao transporte público quando pensarmos que qualquer tentativa de melhoria isolada, seja estrutural ou operacional, do sistema de transportes rapidamente se deteriora em função de sua sobreutilização posterior. Políticas conjuntas certamente trarão melhores resultados.

O enunciado do matemático Dietrich Braess defende que uma via construída para dar mais fluidez aos automóveis pode piorar o desempenho global do trânsito. Tal constatação pode ser pensada também no âmbito da pouco conhecida e pouco aplicada Lei da Mobilidade Urbana, a lei federal 12.587, de janeiro de 2012. De um modo geral, a legislação visa priorizar o transporte público em detrimento dos carros, estabelecendo dentre outras, normas para uso racional dos veículos particulares. Tem como diretriz a integração das políticas de desenvolvimento urbano e respectivas políticas setoriais de habitação, saneamento básico, planejamento e gestão do uso do solo no âmbito dos entes federativos.

Neste último ponto se faz a conexão com a questão do desenvolvimento econômico regional e urbano das periferias e a ideia de descentralizar atividades. A distribuição geográfica da população não mais acompanha a dinâmica da oferta de empregos na medida em que a população mais pobre que não pôde arcar com a elevada valorização dos terrenos hoje ocupa áreas irregulares dos morros cariocas ou foi expulsa para áreas afastadas, tão carentes e marginalizadas quanto as favelas. A segregação socioespacial então se estabelece pela forma de ocupação do solo, através da qual uma política habitacional consonante com a especulação imobiliária não permite que os antigos moradores fruam dos benefícios de uma melhoria de infraestrutura, principalmente em termos de mobilidade.

Sendo assim, o que se defende neste texto não é o espraiamento da cidade e sim, o uso misto do solo em toda parte. Levar o emprego e novas formas de inserção no mercado de trabalho para áreas periféricas majoritariamente residenciais pode reduzir o passivo da mobilidade urbana, sem é claro, reprimir os esforços que visam à supressão do ônus do deslocamento, já presente na vida dos trabalhadores. A proposta é que a criação de novas centralidades em áreas já densamente povoadas leve consigo sistemas de capacitação de mão de obra e de apoio ao empreendedorismo local, de maneira a diminuir a informalidade dos postos de trabalhos e levá-los de fato às vizinhanças, reduzindo a pressão sobre a rede viária urbana.

Por fim, a rota que se tentou traçar aqui, foi a de uma abordagem alternativa ao discurso (também) unidirecional de tratar a mobilidade urbana somente com conceitos de engenharia de tráfego e pensando o sistema de transportes de forma isolada, quando o problema vai além das ruas. Seguimos atrás de novos caminhos…

*Vítor Mihessen é economista pela UFRJ, mestrando do PPGE/UFF e associado da Casa Fluminense

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