Projeto que cria Agência Executiva da Metrópole recebeu mais de 200 emendas na Alerj

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Texto por
Livia Cunto
Data
5 de abril de 2016

O parecer da Comissão de Constituição e Justiça e das demais comissões foi favorável à tramitação do projeto, mas deputados pediram a realização de audiências públicas antes de novas discussões no plenário.

O PL define quais são as chamadas funções públicas de interesse comum, entre elas a mobilidade urbana metropolitana, o saneamento básico e o ordenamento territorial da metrópole. Se aprovado, todas as futuras propostas de novas linhas de metrô, trens suburbanos, BRTs intermunicipais e o projeto de PPPs para o esgotamento sanitário na Baixada e no Leste Fluminense – solução apontada pelo governo para a despoluição da Baía – deverão passar pelo crivo de um conselho deliberativo, formado pelos prefeitos e pelo governador. A titularidade desses serviços e, portanto, o poder para concedê-los, não será nem só do município nem só do estado, mas sim desse órgão de decisão colegiada que reúne ambas as esferas administrativas. As políticas municipais nesses temas deverão estar alinhadas com o planejamento metropolitano.

O órgão colegiado será presidido pelo Governador do Estado e terá um representante de cada prefeitura. O voto do Estado do Rio tem peso 30, do Município do Rio, 20 e o dos demais municípios varia de 1 a 5 em função do número de habitantes. As decisões são tomadas por maioria simples (50% mais 1).

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Para o deputado Luiz Paulo Corrêa (PSDB), a definição de um modelo de gestão metropolitana é urgente, pois cumpre determinações do Estatuto das Metrópoles, entre elas a necessidade de um Plano Diretor Metropolitano. De acordo com a legislação federal, Regiões Metropolitanas devem consolidar planejamento estratégico até início de 2017, sob risco de improbidade administrativa para o governador em exercício.

O deputado acrescentou que a questão metropolitana é ainda um fato: “tenho participado de quase todas as reuniões que o Município da Capital faz nas discussões dos seus planos estratégicos. Lá, sempre faço uma crítica: o Município do Rio de Janeiro jamais terá um plano estratégico consentâneo e coerente se não considerar a Região Metropolitana, porque os limites entre municípios são imaginários”. Ele acredita que o fortalecimento de instrumentos para o planejamento de políticas nessa escala é uma oportunidade para otimizar recursos em um momento de crise fiscal.

O Projeto de Lei Complementar foi enviado à Alerj em setembro de 2015 em regime de urgência e nenhuma audiência pública a respeito foi marcada pelas comissões permanentes da casa. Para o deputado Eliomar Coelho (PSOL) houve falha legislativa e falta de protagonismo do governo em trazer o assunto para debate. “É inadmissível que se queira colocar em prática uma política de desenvolvimento urbano para uma região metropolitana sem ter tido discussão, que deveria ter sido promovida pelo Executivo estadual. Não foi. Portanto, cabe ao Legislativo estadual preencher essa lacuna, e não com uma audiência pública, mas com várias” – colocou o deputado.

Os deputados Dr. Julianelli (Rede Sustentabilidade) e Rosangela Zeidan (PT) reconheceram a importância de trazer o assunto para a pauta, mas declararam que é preciso analisar os impactos econômicos da criação de uma nova autarquia. A deputada solicitou levantamento de quanto custaria aos cofres do estado a criação da Agência, composta de um presidente com salário equivalente ao de secretário de estado e cinco diretores, a serem escolhidos e nomeados pelo governador. O projeto prevê que o quadro de servidores da Agência seja formado pelo empréstimo de funcionários públicos municipais e estaduais, com ônus do ente federativo de origem. Essa seria uma das formas de contribuição com as despesas da Região Metropolitana, que também pode ocorrer através de transferências voluntárias ou custeio de projetos, tendo em vista as capacidades econômicas de cada município e o peso do voto no Conselho Deliberativo.

A criação de um Fundo de Desenvolvimento para a Região Metropolitana também levantou questionamentos. O PL prevê que o Fundo seja integrado por aportes do Estado, Municípios e União; doações de pessoas físicas ou jurídicas e empréstimos nacionais ou internacionais. O pagamento pela outorga de serviços de titularidade da Região Metropolitana – como será o caso do saneamento básico e da mobilidade urbana – também poderá compor o caixa do Fundo.   

Vicente Loureiro, atual diretor da Câmara de Integração Governamental, disse que o projeto não prevê criação de despesa, pois os cargos da atual Câmara seriam transferidos para a nova agência. A estrutura existente hoje, alocada na SEGOV, conta com 30 funcionários, emprestados de outros setores do governo. Ele esclarece que a natureza do papel da nova autarquia será a de integrar, não só diferentes entes federativos como as políticas setoriais, sob um planejamento estratégico para a metrópole. “Conciliar uma iniciativa de transporte com outra de habitação, e o fortalecimento de centralidades metropolitanas pode ser muito mais rentável, sob o ponto de vista dos impactos sociais e econômicos na região”, afirmou ele.  

As emendas estão sendo avaliadas pela equipe da Câmara e a previsão é que sejam realizadas reuniões com os deputados. “Com a aprovação deste projeto, seremos pioneiros, seremos a primeira região metropolitana a implantar a governança nos moldes apontados pelo Estatuto da Metrópole e pelo acórdão do STF” – acrescentou Loureiro.  

Entenda a questão – e como ela tem tudo a ver com o seu esgoto

A Constituição Federal de 1988 dá ênfase à autonomia municipal, baseada nos princípios de autoadministração e autogoverno, mas prevê a formação de Regiões Metropolitanas para integrar a organização, planejamento e execução das chamadas funções públicas de interesse comum, ou seja, serviços públicos cuja prestação plena e eficaz em uma cidade demanda esforços que ultrapassam seus limites territoriais. O exemplo mais claro é o do saneamento básico, cuja estrutura sistêmica para captação, reserva, distribuição de água, coleta e tratamento de esgoto ignora fronteiras administrativas. Pela Constituição, as Regiões Metropolitanas devem ser criadas a partir de Lei Complementar Estadual, na qual se determina quais serviços de interesse local passam a ser de interesse regional.

Na segunda metade da década de 90, o então prefeito de Niterói, Roberto Silveira, do PDT, iniciou um movimento para licitar o serviço público de fornecimento de água. Se perdesse a licitação, a Cedae ficaria impossibilitada de continuar abastecendo o município. O Governo do Estado publicou então Lei Complementar no final de 97 instituindo a Região Metropolitana do Rio e incluindo nela o município de Niterói, para que a prestação do serviço na cidade fosse considerado como de interesse regional e, portanto, de titularidade do Estado. De acordo com a norma ordinária, a Região Metropolitana seria administrada pelo governo estadual na qualidade de órgão executivo, tendo os municípios assento no Conselho Deliberativo, cuja natureza restringia-se, no entanto, a dar assistência. Ao Governo do Estado caberia organizar, prestar, diretamente ou sob concessão, os serviços públicos de interesse metropolitano, podendo definir inclusive as tarifas a serem pagas.  

O PDT entrou então com Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal alegando que o Projeto de Lei usurpava em favor do Estado do Rio funções de competência dos municípios, violando os princípios constitucionais do equilíbrio federativo, da autonomia municipal e da não-intervenção dos Estados em seus Municípios. Da maneira como havia sido redigida, alegou o PDT, a lei não garantia a gestão integrada dos serviços: atribuía exclusivamente ao Estado a execução dessas políticas públicas.

O assunto ficou quase 10 anos sendo discutido no STF. Em março de 2013,  o Tribunal publica então acórdão sobre o tema, que passa a vigorar como o primeiro diploma legal a conter diretrizes normativas mais claras sobre a governança nas Regiões Metropolitanas. Esse entendimento do STF é hoje, junto ao Estatuto das Metrópoles, o principal parâmetro para regulação das funções públicas de interesse comum.

E o que determinou o STF? Em primeiro lugar, o Tribunal compreende que a definição das funções de interesse comum e o caráter compulsório da integração metropolitana, isto é, um município não pode escolher se quer entrar ou não na RM, não são incompatíveis com a autonomia municipal. A decisão ratifica ainda o entendimento de que o saneamento básico é claramente uma dessas funções, podendo ser voluntariamente gerido de forma associada, a partir de convênios de cooperação ou consórcios públicos, ou compulsoriamente, a partir da instituição das regiões metropolitanas, obrigando os municípios à administração associada. Essa obrigatoriedade é vista como ferramenta para garantir atendimento adequado das exigências de higiene e saúde pública e viabilidade econômica e técnica de empreendimentos de saneamento nos municípios menos favorecidos.

A expansão das redes de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgotos são planejadas com base no princípio do subsídio cruzado: o pagamento das tarifas por parte de cidadãos de maior poder aquisitivo torna viável a implantação das redes em áreas mais pobres mediante cobrança de tarifa social. Se um serviço de saneamento fica restrito à dimensão municipal, as cidades mais pobres das regiões metropolitanas podem não conseguir sustentabilidade financeira para universalizar o acesso à água tratada e coleta de esgoto. A organização de sistemas que equilibrem municípios de maior receita com municípios mais pobres no interior das RM’s é o caminho apontado para garantir amplo acesso da população a esses serviços.

No Rio de Janeiro isso é particularmente crítico, com municípios na lanterna do ranking do saneamento nacional. A capacidade financeira e administrativa de algumas cidades é deficitária, tornando incerta a expansão dos serviços se forem deixados como atribuições exclusivas dos entes municipais. A Cedae, por sua vez, não pode aumentar mais seu endividamento: a companhia deu como garantia praticamente todos os seus ativos para captar recursos para a realização de Guandu II, de maneira que grandes investimentos em esgotamento sanitário são inviáveis no curto prazo.

Estima-se que sejam necessários cerca 21,6 bilhões de reais para sanear toda a RMRJ. Com a Cedae endividada e o estado falido, a expansão das redes será pontual e esporádica. Os principais programas de saneamento existentes até hoje, o PDBG e, sua continuação, o PSAM – ambos com empréstimo do BID – viabilizaram o investimento de cerca de R$3 bilhões ao longo de mais de 20 anos. No primeiro, as obras sofreram constantes paralisações em função da incapacidade do Estado de pagar a contrapartida. Essa ameaça paira hoje sobre as obras do PSAM, cuja equipe executiva negociou com o BID o não-pagamento da contrapartida em 2016, já que o FECAM (Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano) está chegando ao volume morto, com a queda na arrecadação de royalties.   

A decisão do STF declarou ainda que é inconstitucional transferir o poder concedente dos serviços públicos de interesse comum ao estado membro da Região Metropolitana. O Ministro Gilmar Mendes, relator do acórdão, declarou que “o interesse comum é mais do que a soma dos interesses locais, na medida em que a má prestação do serviço em apenas um município coloca em risco todo o esforço do conjunto”. É o caso da Baía de Guanabara: para vê-la limpa, todos os 16 municípios que a circundam devem contar com acesso universal à coleta e tratamento de esgoto e resíduos sólidos. Se apenas um deles se descuida, o impacto negativo se expande para os demais.

As questões de saneamento, portanto, ultrapassam a alçada das administrações municipais, mas delas não pode prescindir. O caminho apontando pelo STF é o da gestão compartilhada. O Tribunal reconhece o poder concedente e a titularidade do serviço a um colegiado formado por municípios e estado pertencentes à Região Metropolitana em questão. Em seu voto, o ministro Teori Zavascki afirmou que a constituição das regiões metropolitanas não pode ocorrer por mera transferência de atribuições para os estados, pois isso comprometeria o núcleo central do federalismo.

“A gestão regional compartilhada não significa que o poder decisório tem que ser necessariamente partilhado de forma igualitária entre os municípios, o município polo e o estado instituidor”, acrescentou o ministro Ricardo Lewandowski. Ele e os ministros Rosa Weber e Gilmar Mendes enfatizaram a ideia de que a participação dos municípios deve ser proporcional ao seu peso específico do ponto de vista político, econômico, social e orçamentário, devendo haver um consenso na medida em que nem o estado nem o conjunto dos municípios podem ter a última palavra. “Para a efetivação dos valores constitucionais em jogo, basta que nenhum dos integrantes do ente regional seja excluído dos processos decisórios que nele ocorram ou que possa sozinho definir os rumos da gestão destes. Também não me parece aceitar do ponto de vista constitucional que a vontade do conjunto dos municípios prevaleça sobre a do estado instituidor do ente regional ou vice-versa”, salientou ele.

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Desde o início da ADI, o Rio permaneceu, na prática, carente de uma instância de governança metropolitana. A insegurança jurídica a respeito da titularidade dos serviços de saneamento criou um terreno pouco favorável a investimentos em concessões. Em 2007, Estado, Município do Rio e Cedae firmaram o Termo de Reconhecimento Recíproco de Direitos e Obrigações, com intuito de  estabelecer um compromisso jurídico independente do que viesse a ser decidido pelo STF. No acordo, fica estabelecido que abastecimento de água e coleta de esgoto são delegados à Cedae em todo o município, com exceção da AP5 – zona oeste – e do que foi chamado de Áreas Faveladas.

O compromisso deu bases jurídicas para que o município do Rio delegasse o serviço de esgotamento sanitário da zona oeste à empresa Foz Águas 5, responsável pela manutenção e expansão das redes. A instalação de redes de esgoto nas favelas do Rio ficou a cargo da prefeitura. Em 2014, a Cedae assumiu a responsabilidade pelas favelas com UPPs e estuda entregar o serviço à iniciativa privada. A viabilidade financeira do negócio, no entanto, é questionável. Se a área de prestação de serviço atinge prioritariamente bairros pobres, onde grande parte dos moradores pode vir a ser enquadrado como tarifa social, como garantir sustentabilidade para expansão das redes? A Cedae alega que não cobra tarifa de moradores de favelas e que, portanto, um esforço mínimo de colocar hidrômetros nas casas e cobrar cotas sociais garantiria sustentabilidade ao empreendimento. Nenhuma Manifestação de Interesse Público foi anunciada ainda.  

A decisão do STF declarou parte da Lei Complementar de 97 inconstitucional e estipulou um período de dois anos para que o ordenamento fosse revisto à luz da compreensão dos ministros. Esse prazo expirou há mais de um ano. O objetivo do PL atualmente em discussão é substituir a LC de 97. Na visão do atual governo, responsável pela redação da norma, “competências administrativas e normativas próprias dos Municípios, antes transferidas indevidamente para o Estado encontram-se preservadas por meio dos diversos mecanismos inaugurados pelo projeto”.

Para Igor Pantoja, professor do IPPUR/UFRJ, a principal inovação trazida pelo Estatuto das Metrópoles e pela decisão do STF é a autonomia decisória dos conselhos deliberativos. Esses novos entes não precisarão ter suas decisões ratificadas pelo governo dos estados, o que “abre caminho para a mobilização da sociedade civil em torno de questões de governança, da cobrança de ações integradas do poder público, para além da geografia eleitoral específica”. Ele aponta que, daqui pra frente, vereadores ou prefeitos que levem em consideração a questão da integração governamental, vão estar à frente de outros em termos de propostas.

Caso o projeto seja aprovado, equacionar a universalização do tratamento de esgoto não será um problema exclusivo dos prefeitos de cada município. Estratégias para avançar nesse desafio deverão ser traçadas no Conselho Deliberativo. Será que com o imperativo da gestão compartilhada a orquestração necessária dos esforços finalmente vai dar conta de criar uma solução para a Baía de Guanabara? Cenas para os próximos capítulos da narrativa metropolitana.

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