Se não nós, quem?

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Texto por
Comunicação Casa
Data
19 de agosto de 2021

As juventudes enfrentam os problemas e querem solucioná-los: não precisamos apenas falar, mas também sermos ouvidos

por Vitória Rodrigues de Oliveira*

Depois de muito tempo fazendo o trajeto São João de Meriti-Leblon pra poder ter uma boa base e tentar me sair bem nas provas de escolas técnicas, achei que o pior já tinha passado. Era exaustivo ter que passar a semana estudando numa escola municipal da Pavuna e fazer um pré-técnico no bairro com o metro quadrado mais caro do Brasil. Um dos meus pensamentos mais fortes era que eu tinha que ser aprovada nesses processos seletivos, porque pra quem é pobre, a educação é a nossa saída para ascensão social, né?

Depois de noites sem dormir, uma alimentação nada saudável e estudos sem parar, eu consegui. O custo foi horrível, mas tudo o que importava pra mim naquele tempo é que eu finalmente poderia escolher qualquer uma das instituições que prestei concurso. Pois bem, eu escolhi estudar Gerência em Saúde na Escola Politécnica da Fiocruz. Desse jeito, sabia que poderia cuidar da saúde dos outros e da minha através da administração do Sistema Único de Saúde. E sabe, tava decidido, eu só iria fazer meu ensino médio, ir pra faculdade e é isso. Mais nada. Por mais que eu imaginasse que esse ‘mais nada’ fosse algo simples, não é. Seria a filha da diarista indo pra universidade. Pois é.

Enfim. Prestes a começar a estudar, achei que meus problemas relacionados aos estudos já tinham ‘passado’ na época do pré-técnico. Eu ficava muito bolada quando via tweets dos veteranos da minha futura escola falando que fácil era entrar na escola, difícil mesmo é sair dela bem. Não era possível pra mim que houvesse mais problemas.

Pois dito e feito: não sei se vou sair dela OK.

Entre o ir e vir de trem, passando pela estação de Manguinhos. Foto: Vitória Rodrigues

As aulas começaram e eu acordava às cinco e quarenta. Toma banho, come algo, pega a mochila. Desce a rua, cruza o lixo, pega o busão entupido. Sobe a passarela do trem espremida, espera eternamente, tenta entrar num vagão com as portas abertas de tão cheio. Fica tonta, vê gente morta na paisagem, escuta que se morreu é porque mereceu. Faz integração, compra empada de 1 real, desce a estação. Chega na escola, senta na cadeira e se joga no chão por conta do tiroteio.

Viver a mesma coisa, o mesmo estresse, a mesma violência, a mesma ausência de direitos me estressava. Ver algumas notas caírem por causa disso também. Com 15 anos de idade, eu passava o que qualquer adolescente da zona sul jamais passaria em toda a sua vida. E sabe, isso cansou e eu decidi que ia fazer alguma coisa.

Graças a um queridíssimo amigo, comecei a escrever um projeto de lei federal que dispõe sobre a redução dos impactos da violência urbana nas escolas. Depois de muito tempo escrevendo, me tornei Parlamentar Jovem Brasileira. Começar a escrever esse PL foi o pontapé pra reconhecer que o meu destino está extremamente entrelaçado com o impacto social não só por gostar, mas por ser uma questão de necessidade pra mim e pra quem está ao meu redor.

Depois de dois anos do início da escrita desse projeto, tenho, finalmente, 17 anos. Eu já participei de muitos cursos, me tornei Jovem Embaixadora da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil (não me julguem, não sou uma grande fã desse país!), desenvolvi iniciativas, participei de incontáveis programas e processos seletivos. Muitos com sucesso, muitos outros nem tanto. 

Os problemas da escola agora não são pegar o trem lotado ou o tiroteio, mas ter que passar horas sentada na frente de um computador enquanto alguma bala come por perto, os vizinhos fazem festa e a televisão tá alta. Os desafios se transformaram, e o meu pequeno quarto se tornou a minha sala de aula.

A minha distração, como você já deve imaginar, é fazer projetos. Distração… não sei se é a palavra mais correta, mas acho que você entendeu. Reunião pra cá, pra lá, aqui, ali. Abre o Google Documentos, escreve o maior tempão, escuta crítica, chora, tenta melhorar. Não consigo mais me concentrar como antes.

Nesse tempo, estar descobrindo diferentes iniciativas me fez refletir muito sobre os espaços que frequentava e frequento fora do colégio. Apesar de muitos serem feitos para jovens, não eram feitos para a(s) juventude(s).

Apesar de termos como referência vários e vários projetos, muitos acabam fazendo com que adolescentes não sejam impactados. Muitas vezes isso se dá por conta do público-alvo, questões de maioridade legal, sem sombra de dúvidas. Porém ideias são esquecidas e desperdiçadas quando não somos vistos.

Sabe, esse texto é sobre problemas e desa(bafos)(fios).

Nesta última semana, tivemos o Dia Internacional da Juventude. Muito se fala da nossa importância, mas pouco se faz sobre ela. E quando se faz, fica restrito a um nicho muito pequeno, e essa mesma bolha social acha que muito está sendo feito. Eu não acho.

Na Ini.se.ativa, eu e um amigo facilitamos um curso de como iniciar um projeto usando papel, caneta e qualquer tipo de música, principalmente brasileiras. Lembro-me perfeitamente de uma menina dizer que não poderia fazer aquilo porque não tinha acesso a tal conhecimento, tampouco capacitação. Um grande problema é essas pessoas acreditarem que não podem, pois são justamente elas que vivem problemas e mais do que ninguém entendem as raízes do que as fazem mal.

No clube Girl Up Nise da Silveira, que lidero, é feito por adolescentes, e muitos deles têm esse grupo como a primeira extracurricular. Essas pessoas estão mudando o mundo aprendendo, aprimorando suas habilidades e se encontrando virtualmente. 

Meninas do club Girl Up Nice da Silveira durante uma ação. Foto: @girlupnisedasilveira

Mesmo eu fazendo o esforço de incluir gente como eu nos espaços, isso nem sempre vai acontecer em tudo que é canto e me incomoda. Incomoda, também, ser a única a abrir o microfone pra falar que é um absurdo pessoas pretas  serem tão poucas numa sala de Zoom repleta de gente que tem como objetivo ser representativa.

É, Dia Internacional da Juventude. Eu realmente queria mais, ver pessoas mais diversas, e não as mesmas nos mesmos lugares falando por nós. Não sei se a gente tem muito o que comemorar. A gente faz demais pelas nossas famílias, comunidades, projetos. Ao mesmo tempo, vemos o conhecido do fundamental morrer de bala ‘perdida’, aí criamos mais um espaço pra debater isso.

Ao mesmo tempo em que nós vivemos os problemas e queremos resolvê-los, também informamos pra vocês que resolver todos os impasses que temos não é só a nossa responsabilidade. Nós não vamos conseguir fazer as coisas sozinhos se ninguém nos dá a mão, ou se dá, larga logo depois no meio de uma tempestade no oceano.

Vivem dizendo que os jovens precisam falar, mostrar a sua voz. Muitos de fato ainda não falam por falta de oportunidade, e muitos que falam estão sendo ignorados. Se os jovens são o amanhã, caros adultos, peço que vocês permitam que a gente seja o presente. Mas não basta tacar só um jovem numa foto e dizer que tá trabalhando. É um saco ver as mesmas carinhas pegando as mesmas oportunidades pra si.

Que algum dia as juventudes não tenham que pegar trem lotado, perder aulas por conta de tiroteios, não poder reclamar da internet porque tem chance de levar bala ou que não tenham só uma mãe do lado. Que a responsa de salvar a humanidade não seja só nossa, porque viemos pra mostrar os caminhos, e não fazê-los sozinhos.

* Vitória Rodrigues de Oliveira é da Baixada Fluminense, estuda Gerência em Saúde e é gremista na EPSJV/Fiocruz. Fundou a Ini.se.ativa, preside o Girl Up Nise da Silveira e colunista na Agência Jovem de Notícias. Foi aluna do Curso de Políticas Pública da Casa em 2021.

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