Quem cuida de quem foi responsabilizada pelo cuidado na pandemia

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Comunicação Casa
Data
8 de maio de 2021

por Claudia Cruz*

Há alguns anos, uma campanha internacional viralizou no Dia das Mães, nela o recrutador anunciava o cargo de Diretor de Operações ( algo que ele descreve como “provavelmente o emprego mais importante”) e quanto mais o recrutador descreve os requisitos para o cargo ( mobilidade, ficar muitas horas de pé, não ter horas de pausa, só poder se alimentar quando o outro associado se alimenta, entre outras) todas as candidatas e candidatos acham o trabalho ultrajante, até que se emocionam quando o recrutador revela que aquele trabalho é executado por milhões de mulheres ao redor do mundo: As mães.

No Brasil, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE),  no terceiro trimestre de 2020, quase 8,5 milhões de mulheres saíram do mercado de trabalho. E nesse cenário de desemprego e extrema vulnerabilidade socioeconômica temos 11,5 milhões de mães solo que se tornaram mais expostas ao risco da insegurança alimentar e do desamparo das políticas sociais, cada vez mais escassas. A maioria delas dependendo de doações de movimentos e organizações sociais da sociedade civil. 

Nesse cenário caótico e pandêmico, em que homens morrem mais do que mulheres, são as mulheres as guardiãs dos cuidados, as responsáveis pela maior, senão toda parte do trabalho doméstico e aquelas que carregam o maior peso socioeconômico da pandemia.

De acordo com o Mapa da Desigualdade (2020), com base nos dados do censo do IBGE de 2010,  as mulheres são a maioria no Brasil ( 51,29%), no estado do Rio de Janeiro (52,53%) e na RMRJ (52,86%). Apesar de representarem a maioria da população, as mulheres seguem expostas à segregação sexual ocupacional e a uma corrida de obstáculos na luta pela garantia de seus direitos, notadamente as mães, e principalmente as mães-solo. Globalmente, as mulheres compõem 70% da força de trabalho, notadamente no setor de serviços, nas linhas de frente na força de trabalho da saúde e também em serviços de faxineira, limpeza e muitas ainda na informalidade. Muitas delas são chefes de família. 

Um levantamento da ONU apontou que cerca de 126 milhões de mulheres na América Latina trabalham no setor informal como empregadas domésticas, faxineiras e ambulantes. Essas são as mulheres expostas aos vínculos empregatícios mais precários ou a nenhum tipo de apoio ou proteção diante de doenças e incapacidade de trabalhar.

As mulheres não são frágeis, não é disso que se trata. Elas são as mais expostas às oscilações do mercado, são as primeiras a perderem seus empregos na crise pandêmica, são as que sofrem a sobrecarga física e o esgotamento mental do trabalho doméstico, e se desdobram em múltiplas funções no trabalho produtivo e reprodutivo.

Voltando o olhar para o Mapa da Desigualdade (2020), com base nos dados da RAIS-MTE/2018, vemos que historicamente, homens brancos se perpetuam no topo da pirâmide econômica e que as mulheres brancas e negras seguem sendo pagas de forma inferior pelas mesmas funções, lembrando que,  na roda capitalista, as mulheres negras sofrem a dupla perversidade nos salários, por serem mulheres e serem negras ganhando menos do que os homens brancos, as mulheres brancas e os homens negros. No Brasil, as mulheres negras ganham menos da metade do salário dos homens brancos. Mulheres negras compõem ainda a  maior parcela de mães solo no Brasil.

As Estatísticas de Gênero divulgadas em 4 março de 2021 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicam que filhos são entraves à entrada do mercado de trabalho para muitas mulheres, evidenciando a já apontada necessidade de creches pelo Mapa da Desigualdade (2020). Cabe lembrar que as mulheres continuam dedicando muito mais horas que os homens na divisão do trabalho doméstico. Em 2019, as mulheres dedicaram 21,4 horas aos afazeres domésticos semanais, enquanto os homens  dedicavam apenas 11 horas. Estas  atividades domésticas, ou trabalho não pago, é considerado pela ONU (2020) um fator extremamente importante para a situação de desigualdade enfrentada por meninas e mulheres.

Para reverter o quadro de desigualdades e desamparo enfrentados pelas mulheres, que dentre as violências simbólicas engendradas pelas desigualdades de gênero, ainda enfrentam a violência de gênero e a violência doméstica, a partir da Agenda Rio 2030 defendemos:

1) O desenvolvimento de políticas públicas sensíveis à gênero, que englobem mulheres em suas pluralidades, equalizando oportunidades e tratando das questões do trabalho pago e não pago;

2) Aprovar lei municipal que reduza a jornada de trabalho feminina, considerando o trabalho doméstico não-remunerado e expedientes com horários e formatos alternativos para as mulheres e chefes de família;

3) Construir maternidades e casas de parto, aumentando também o acesso às consultas pré-natal e oferecendo o auxílio de equipes técnicas formadas por obstetras, enfermeiras e doulas, para reduzir a violência que tem nas mulheres negras as maiores vítimas;

4) Ampliar número de vagas em creches públicas e expandir horário das atividades, atendendo demandas periferias e favelas, garantindo o desenvolvimento adequado na primeira infância;

5) Fortalecer uma rede de equipamentos de proteção social para amparar, acolher e apoiar as mulheres diante das vulnerabilidades impostas pelo mercado e pelas relações afetivas, muitas vezes abusivas e letais.

*Claudia Cruz é coordenadora de informação da Casa Fluminense, doutora em Políticas Públicas e especialista em avaliação e planejamento de políticas sociais.  

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