Mulheres pretas construindo uma outra Zona Oeste

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Texto por
Comunicação Casa
Data
25 de julho de 2022

por Maraci Soares

Nasci na lagoa do Camorim, entre Jacarepaguá e a Barra da Tijuca, onde ficava uma vila de pescadores que antecedeu a Vila Autódromo. Foi ali que eu vi e vivi a primeira remoção com nove anos de idade. 

Quando fomos removidos para a construção do Riocentro, já eram os efeitos do racismo ambiental. Eu tinha 14 anos, já me preocupava com várias questões das desigualdades que atingiam o meu Quilombo e tinha certeza que iria lutar em defesa da moradia. Muito importante o jovem saber de onde ele veio, o seu envolvimento com o seu território. Saber defender, para ele mesmo ser protagonista de sua própria história e também ter base para quando está em ação em outros movimentos.

Aos dezoito anos fui eleita a primeira secretária da Associação de Moradores, a partir dali  fui conhecendo vários movimentos que lutavam em defesa da moradia, agregando novos conhecimentos e fui convidada para integrar o Movimento União Popular (MUP) que nasce na baixada de Jacarepaguá, para defender o direito à moradia. Fui integrante do conselho de moradia do estado do Rio de Janeiro e travamos muitas lutas. Na época a lista de remoção era grande e a intenção era varrer as nossas comunidades. Aquele espaço foi muito importante para somar mais forças em defesa do nosso território e contra as novas remoções que estavam para acontecer. 

Em meio a esse fluxo de descobertas, eu também fiz parte do Jornal Abaixo Assinado de Jacarepaguá (JAAJ) que foi a nossa primeira mídia alternativa, dando voz às comunidades. Não confiávamos nas grandes mídias. E assim segui no conhecimento de outros movimentos e aprendi rapidamente que quem nos defende abaixo de Deus somos nós mesmos, com os conhecimentos adquiridos e deixado por nossos ancestrais.

Meu envolvimento sempre foi através dos movimentos de moradia. Eu mantenho essa garra, essa vontade de lutar, de estar participando, de adquirir mais conhecimento, por isso estou fazendo o Curso de Políticas Públicas da Casa Fluminense, entre outros cursos que eu já fiz. Acho importante ouvir outras histórias de outros lugares, saber um pouco mais de tudo.  É preciso ter muita força, muita vontade de lutar, então o que eu poderia deixar para a nossa juventude, para as pessoas que lutam nos movimentos é: tenha garra, vá em busca do conhecimento, faça suas pesquisas individuais no seu próprio território. Eu sempre vivi ouvindo os mais velhos, suas histórias e isso acrescentou muito para que eu seja uma pessoa que luta em defesa da comunidade, das coisas que a gente defende, da natureza, da nossa água, das nossas matas, da nossa permanência em nossas comunidades, nesse processo que a gente vive tentando evitar o apagamento das nossas histórias, de onde viemos.

Minha avó é rezadeira, parteira, então quase todos os remédios eram feitos em casa, a gente quase não ia ao médico. E eu cresci vendo a minha avó fazer as receitas. Daí veio a vontade de desenvolver os produtos e conhecer um pouco mais a propriedade de cada um. Eu desenvolvo sabonetes, reparadores musculares, shampoo, escalda pés, banhos de limpeza de energia há 15 anos, tudo vem da minha criação , da minha ancestralidade. Fiz um curso na Fiocruz para dar uma aprimorada nesse conhecimento e sempre que posso faço oficinas para passar esse saber pra outras companheiras, junto da Teia Solidariedade da Zona Oeste.

Teia Solidariedade da Zona Oeste

A Teia surgiu há exatamente 3 anos, no início da pandemia. Estávamos articuladas, cada uma nos seus territórios, quase enlouquecidas e sem saber como dar conta das nossas demandas e das dificuldades que as nossas companheiras estavam enfrentando. Com a alta do COVID19,  percebemos a urgência de ter uma união maior, em prol dos mesmos objetivos: socorrer as companheiras e nos socorrer do desastre. Conseguimos diversas doações e atuamos na organização, retirada e distribuição de alimentos e produtos de higiene dentro das nossas comunidades.

Infelizmente essa necessidade não acabou. Criamos dentro da nossa Feira da Roça Agroecologia e Cultura de Vargem Grande, uma feira solidária onde temos  parcerias com a Fiocruz e a Rede Ecológica, e isso está possibilitando que a cada quinze dias, possamos colher uma cesta de alimentos frescos da nossa agricultura local e assim somar com a minha força de trabalho. Tenho grandes preocupações, porque a nossa parceria termina esse mês, mas também aprendi que é um dia de cada vez. A nossa realidade é dura, muito pesada pro nosso povo, mas sigo na esperança de poder lutar enquanto for possível nessa nossa grande Teia de vida.

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