Doze milhões de pessoas habitam 21 municípios numa metrópole marcada pela desigualdade socioterritorial e pela falta de integração. A metrópole desafia nossa capacidade de compreendê-la e de transformá-la num território pleno de direitos e de bens públicos. Nesse contexto, uma pergunta persegue os fazimentos deste colunista: Como construir práticas políticas renovadas para superar desigualdades?
Minha aposta está na produção do comum. Produzimos o comum no encontro com o outro, na comunicação entre as diferenças, na construção de linguagens, de símbolos e de pactos que nos aproximam. Estar aberto e disponível ao outro é um exercício de vida democrática. Isso não significa abrir mão de suas crenças e valores, mas implica a disposição de estabelecer empatias – pontes – que reforçam nossas afinidades.
É bom saber que facilmente encontramos hoje, nas ruas e redes sociais, ações que provam a existência de uma cidadania ativa. Diversos grupos e coletivos, especialmente nas periferias, produzem encontros e ocupam o espaço público, como faz o Cineclube Buraco do Getúlio mensalmente na Praça dos Direitos Humanos, em Nova Iguaçu. Ou a galera do Amanhecer contra a Redução, que vem debatendo a maioridade penal nas escolas de ensino médio em Caxias, ou ainda o Movimento Projeto Central, que luta pela revitalização do transporte ferroviário na Baixada.
A produção do comum está relacionada com esse trabalho imaterial e criativo, impulsionado pelas redes de informação e comunicação. Dessa forma, a produção social e a criação de formas de vida são dois lados da mesma moeda no mundo atual.
Outra chave para entender o comum na metrópole é a mobilidade urbana. E a mobilidade por nós defendida é física e simbólica, pois considera tanto a infraestrutura de transporte público para a circulação, quanto a apropriação social e o pertencimento da cidade. Sabe aquela sensação de que “esse não é o seu lugar”? Quanto maior for esse sentimento na sociedade, mais desigual ela é. Garantir mobilidade plena – física e simbólica – é condição para um projeto de democratização da cidade e de produção do comum.
No caso concreto do Rio, em meio às turbulências políticas e econômicas do Brasil, penso que precisamos cada vez mais de imaginação política capaz de construir caminhos para a transformação democrática das cidades, para a redução de desigualdades intra e intermunicipais e para o desenvolvimento sustentável. Nesse caminho, cito alguns pontos:
. Disputar a narrativa das jornadas de junho de 2013 e dar-lhe nova consequência
Depois da explosão da multidão nas ruas, aumentando a esperança de renovação política, da emergência de novos protagonistas e de um novo ciclo de lutas sociais, presenciamos eleições marcadas pelo continuísmo e uma ascensão do conservadorismo. As manifestações seguintes trouxeram o mote do golpe, do impeachment e do Fora Dilma, além do amplo apoio da população para medidas como a redução da maioridade penal. Quais são as pautas comuns que utilizaremos para sermos ativos no debate público, e não apenas reativos? Como transversalizar a ação da juventude, dos novos produtores culturais, das mídias sociais, das ONGs, da universidade, dos movimentos sociais, das religiões e do cidadão? Como produzir novo corpo e sentido na multidão, sempre aberto, plural e consequente?
. Fortalecer a identidade metropolitana e a consciência de que vivemos numa cidade comum
No caso do Rio de Janeiro, isso é especialmente importante, pois além da dicotomia clássica “favela x asfalto”, que marca desigualdades territoriais e sociais tão profundas nessa cidade, temos dicotomias “Rio x Baixada”, “Rio x outro lado da poça” e “Rio x Interior”. Construir a ideia de um Rio Inteiro, de uma cidade metropolitana comum, com universalidade de direitos e de oportunidades para toda população, não somente para estratos sociais privilegiados, é um horizonte estratégico para a produção do comum.
. Produção de encontros e a politização da vida nos territórios
A “Arte” do encontro entre diferenças, a ocupação do espaço público e a construção de linguagens e símbolos comuns são ações que, conjugadas, podem criar um caldo político capaz de aglutinar diferentes atores e pautas na disputa pela agenda pública das cidades. No entanto, não basta produzir o encontro da diferença somente nos locais clássicos do centro da cidade. É fundamental a ampliação do ecossistema de territórios e de atores, desvelando o mapa afetivo de uma metrópole profunda e cheia de vida.
Longe de esgotar o debate, seguimos na peleja de produzir o comum nas experiências do dia a dia, em relações sociais e espaços de reprodução social. E nossa conversa segue nas ruas e nas redes. Um bom lugar para ampliar esse papo e produzir comum será no 5° Fórum Rio, em São Gonçalo, dia 22 de agosto. Para além do jabá, esse é o momento de conjugar teoria e prática, de trabalhar na construção de outra metrópole possível.
Última coluna do autor: