Durante a votação das propostas prioritárias da Agenda Rio 2017, processo que envolveu consultas online e presenciais em três municípios – Rio de Janeiro, Nova Iguaçu e São Gonçalo – os participantes de Santa Cruz elegeram o tema Cidade para Viver como o mais importante para o bairro. Entre as proposições desse tema, o destaque vai para a valorização dos parques, praças, espaços públicos e áreas de preservação na metrópole, com a promoção do uso comunitário e turístico deles, ampliação dos investimentos na sua conservação, apoio a iniciativas de áreas degradadas e incentivo às formas de uso coletivo dos espaços. A escolha dessa proposta sinaliza pistas para uma possível convergência entre mobilização cidadã, espaço público e poder público.
O tema Cidade para Viver também é uma das minhas questões prioritárias. O cuidado com os espaços públicos da cidade me parece terreno fértil e estratégico para a construção de um capital social que reposicione nossa cidadania no debate público. Esses espaços são locais propícios à cooperação entre cidadãos, organizações da sociedade civil e agentes do poder público. De um lado, sujeitos concretos nos territórios e a demanda objetiva por bem-estar e qualidade de vida, de outro, gestores públicos e o desafio de construção de políticas sustentáveis, que sobrevivam para além de um mandato de governo. A destinação de recursos para a manutenção e gestão desses espaços, somado ao estabelecimento de formas de cooperação permanentes entre cidadãos e gestores, é um ótimo exemplo de cuidado com o bem público. Cabe à sociedade e aos governantes abraçarem a oportunidade de trabalharem juntos.
Para ilustrar a discussão sobre o tema Cidade para Viver, apresentarei alguns espaços e parques públicos que podem ser celeiros de boas práticas para a gestão do bem comum. São dois lugares no município do Rio de Janeiro e dois no município de Duque de Caxias com enorme potencial para aumentar a qualidade de vida da população e produzir experiências inovadoras de cooperação na implementação de políticas.
1. Palacete da Princesa Isabel, zona oeste, Rio de Janeiro – O bairro de Santa Cruz detém um patrimônio histórico riquíssimo, que remonta ao período imperial do Brasil. Em 1881, D. Pedro II criou a sede administrativa do Matadouro Público de Santa Cruz, na área da Fazenda Imperial. Ao longo dos anos, o prédio teve uma série de usos distintos e em 1984 foi tombado como patrimônio cultural da cidade. Em 2008, a prefeitura o transformou em centro cultural. O espaço conta hoje com excelente infraestrutura para atividades culturais e um ecomuseu de percurso no entorno. Apesar de todo o investimento, o centro cultural ainda não está plenamente ativado. É o que afirma Pablo Ramoz, produtor cultural e morador de Santa Cruz. “Após uma obra de mais de R$3 milhões, esse palacete deveria ser um potente equipamento com a função de organizar a produção, fruição e acesso à cultura na zona oeste”, declarou ele durante as votações do Painel #Rio2017, lamentando que a gestão do espaço praticamente não seja aberta aos moradores. Reconhecer Santa Cruz como lugar onde começa a cidade e produzir uma visão que articule a valorização do patrimônio histórico do bairro com seu o desenvolvimento urbano, econômico e social, é contribuir para fazer do Rio uma capital polinuclear capaz de prover qualidade de vida ao conjunto de seus moradores.
2. Parque da Serra da Misericórdia, zona norte, Rio de Janeiro – Trata-se do principal espaço verde da zona norte, estendendo-se pelos 27 bairros da região mais populosa da cidade. A Serra da Misericórdia é um maciço rochoso de aproximadamente 35km², localizado na Área de Planejamento (AP) 3. Nessa região vivem 2,5 milhões de cariocas, o equivalente a 40,2% do município. O maciço é cercado pelos Complexos do Alemão e da Penha, além de dezenas de outros bairros. A criação da Área de Preservação Ambiental e Recuperação Urbana (APARU), através do decreto 19.144/2000, deve-se à intensa mobilização dos integrantes da ONG Verdejar Socioambiental e a toda uma rede de parceiros, com destaque para a liderança de Luiz Poeta. Infelizmente, a APARU, transformada em Parque Municipal Urbano da Serra da Misericórdia pelo prefeito Eduardo Paes em 2010, é marcada por diversas injustiças ambientais, que vão do funcionamento de uma pedreira (isso mesmo, uma pedreira dentro do Parque) à falta de um conselho gestor, um plano de manejo e uma estrutura administrativa apta a promover os objetivos de preservação e recuperação definidos em lei. Hoje o Parque da Serra da Misericórdia representa um dos principais focos da luta socioambiental no Rio, com demandas que vão da urbanização e saneamento do Complexo do Alemão à recuperação do canal do Cunha, do reflorestamento da Serra da Misericórdia à utilização do seu potencial para agroecologia urbana e experimentação de tecnologias sustentáveis.
3. Parque Urbano Armanda Álvaro Alberto, centro, Duque de Caxias – A luta pela preservação da única área verde do centro de Caxias e pelo tombamento do prédio que abriga a mítica escola MATE COM ANGU iniciou-se em 2014, quando a prefeitura derrubou 167 árvores para a construção de um shopping. Fundada em 1921 pela educadora Armanda Álvaro Alberto, trata-se da primeira escola do Brasil a oferecer merenda. A E.M. Dr. Álvaro Alberto ficou popularmente conhecida como escola Mate com Angu, por ser essa a principal refeição oferecida aos estudantes nas primeiras décadas do século XX. O processo de licenciamento ambiental do shopping está repleto de fragilidades e passa por cima do Plano Diretor de Caxias, que limita o adensamento do centro, conforme os estudos produzidos pelos professores e estudantes do IPPUR/UFRJ e apresentados em seminários e audiências promovidos pelo FORAS – Fórum de Resistência e Oposição ao shopping. O FORAS reúne diversos segmentos da sociedade civil do município e conseguiu impedir o avanço das construções. Atualmente, a obra está parada na Justiça e o FORAS mantém a luta para a criação de um parque urbano no entorno da escola, preservando o patrimônio histórico e cultural e proporcionando uma área arborizada para a população que frequenta o centro da cidade.
4. Parque Urbano de Imbariê, 3° distrito, Duque de Caxias – Ainda no plano das ideias, trata-se de uma proposta de requalificação urbana e paisagística do entorno da FAETEC de Imbariê, do campo do Santa Rosa e das margens do ramal de trem de Vila Inhomirim x Saracuruna, entre a estação de Parada Angélica e Imbariê. A FAETEC é um importante equipamento educacional e hoje abriga a primeira faculdade pública do 3° distrito de Duque de Caxias. O Santa Rosa, um dos últimos campos de futebol de um passado com campeonatos importantes na região, e a ciclovia, recém inaugurada ao longo da avenida Coronel Sisson, completam o cenário de possibilidades para o desenvolvimento urbano, social e econômico da região. A requalificação dessa área degradada é uma oportunidade para a criação de um complexo educacional, esportivo e cultural numa área central do terceiro distrito, proporcionando lazer e bem-estar para a população de Imbariê, Santa Lucia, Parada Angélica, Getúlio Cabral, Rodrigues Alves e os bairros do entorno. Recentemente observei pessoas correndo e pedalando à noite na nova ciclovia. Isso evidencia que Imbariê poderia ter seu próprio “Parque de Madureira”, desde que houvesse o devido investimento em infraestrutura.
Mais do que desejos, esses quatro lugares são frentes de luta: oportunidades para a construção do bem público a partir da cooperação entre Estado e sociedade. O #Rio2017 que almejo precisa arregaçar as mangas e construir coletivamente a cidadania que produzirá uma CIDADE PARA VIVER.