Projeto Três Mangueiras: Plantando justiça para mães negras no Porto do Rosa

Texto por
Lucas Linhares
Data
7 de outubro de 2024

Como pensar em justiça de gênero, racial, econômica e climática em territórios ainda não alcançados por políticas públicas efetivas de cuidado e assistência social? 

Em São Gonçalo, segundo bairro mais populoso do Rio de Janeiro, apenas 7,6% das crianças estão matriculadas em creches; o Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) opera em sobrecarga, ultrapassando o dobro da capacidade recomendada; mais de 40% das mães tiveram pré-natal insuficiente; e mais de 60% da população negra vive em domicílios improvisados, conforme revelam dados dos Perfis Municipais, divulgados pela Casa Fluminense. 

E é também sobre esse mesmo chão que nascem iniciativas de enfrentamento a essa realidade, como o Projeto Três Mangueiras, no Porto do Rosa, bairro do município de São Gonçalo. Foi em 2020, com o agravamento da insegurança alimentar causado pela pandemia, que dezenas de mulheres negras da região passaram a procurar auxílio para suas famílias na casa de axé Três Mangueiras, liderada pela Mãe Zazi Danda Keuamazi, Iyalorixá negra e lésbica. Ela, que também foi vítima da pandemia, encontrou na espiritualidade e nos saberes ancestrais motivação para buscar soluções em comunidade, arrecadando e distribuindo alimentos.

Entendendo a permanência e a complexidade dos desafios vivenciados, Zazi decidiu manter e expandir a iniciativa, que agora conta com encontros quinzenais voltados tanto para as mulheres quanto para as crianças da região. Nestes encontros, além de distribuição de cestas básicas e refeições preparadas pela cozinha da Casa, são promovidas rodas de conversa e acolhimento, além de atividades infantis educativas e sustentáveis, como as oficinas de horta urbana. “Isso é alimentação de favela, uma maneira também de as crianças pensarem e contribuírem com a alimentação dentro de casa, plantando uma salsa, um coentro. Queremos que elas aprendam isso desde cedo”, afirma Mãe Zazi.

Para ela, o próximo passo é oferecer também atendimentos psicológicos para reparar os efeitos dos diferentes tipos de violência sofridos. “Muitas mulheres aqui sofrem violência e não sabem que estão sofrendo uma violência, então é importante essa assistência especializada”, diz ela.

Ao entender o cuidado de forma ampla e integrada, Mãe Zazi atua como guardiã de seu território, seus saberes e tecnologias; ao mesmo tempo em que alerta para a urgência de políticas públicas que tratem os problemas enfrentados de forma sistemática e transversal, inclusive através do apoio e fomento a lideranças locais e suas iniciativas. 

O Projeto Três Mangueiras foi um dos selecionados na última edição do Edital Agenda Rio 2030 do Fundo Casa Fluminense, que ofereceu apoio institucional e financeiro para iniciativas de 20 territórios da região metropolitana. “Hoje o projeto já caminha bem melhor. Era uma chama que já estava se apagando, mas reacendemos graças a esse Edital”, afirmou Zazi. Dos projetos contemplados em 2024, 95% são liderados por pessoas negras e 5% por pessoas indígenas. Entre elas, 65% são pessoas LGBTQIAPN+ e 75% dos projetos são liderados por mulheres.

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