Planejando rotas, conheça a história do multi articulador Osmar Paulino

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Texto por
Luize Sampaio
Data
18 de outubro de 2022

Jiló trabalhava no lixão de Gramacho há dez anos. Em um dia quente abaixou para pegar um material e se deparou com o que ele acreditou ser a cabeça de uma pessoa. Ficou confuso e começou a chorar, chorou tanto que seu corpo começou a endurecer e se misturar a matéria orgânica do lixão. Esse é um resumo do conto “Cabeça do Lixão de Gramacho”, escrito por Osmar Paulino. 

Conheça o artista que veio de uma exceção, mas quer que a educação que lutou para ter, vire regra na sua área.   

Foto: Paulo Oliveira

Osmar Paulino está acostumado a estar nas ruas, trabalhando de forma coletiva. Na infância, a fome e a pobreza fizeram com que ainda criança passasse a circular pela Região Metropolitana do Rio trabalhando como camelô e catador junto com o pai. Hoje, aos 35 anos, o corre intenso é pela arte, educação e seus iguais. Toda essa história começou há mais de 22 anos em um lixão próximo ao seu bairro, mas continua hoje com a consolidação de um dos seus principais projetos, o Festival de Artes de Imbariê – FAIM, primeiro e principal evento do seu distrito em Duque de Caxias. 

O menino que descobriu o mundo da literatura nos livros sem capa encontrados no Lixão de Gramacho hoje coordena o FAIM, o Kilomba Imbariê, o Honepo – Homens Negros na Política, além de manter seus trabalhos enquanto artista, curador e professor de geografia.

Intervenção artística do FAIM realizada no 3º distrito de Duque de Caxias. Foto: Paulo Oliveira

“Tive acesso a universidade mas não sou fruto dela, sou cria da rua e das lutas sociais”, resume Osmar. 

O medo da fome e a incerteza do almoço fizeram com que Osmar e sua família passassem a trabalhar como catadores no Lixão de Gramacho. Ele tinha 13 anos na primeira vez que entrou no terreno, no começo o cheiro incomodou mas depois de pouco mais de duas horas de trabalho não era mais capaz de sentir o fedor provocado pelo chorume. Isso marcou sua vida social. 

“Vivia com a mão no bolso, por mais que você tome banho o cheiro não sai mais de você. As pessoas não querem sentar do seu lado, se ganha uma marcação corpórea, como a cor da sua pele”, explicou o artista.

 Até no lixão nasce flor

Foi no lixão que osmar teve acesso a literatura, o primeiro livro que achou por lá foi sobre a história do flamengo. Depois disso, nunca mais parou, leu dos clássicos literários brasileiros, como Machado de Assis, até o Manifesto Comunista. 

O contato com os livros me foi negado a vida toda, menos no lixão, ali esses livros abriram o meu mundo. Comecei por um livro que gostava do assunto, depois vieram outros sem capa e que entendia um pouquíssimo das coisas. Caiu na minha mão também o manifesto comunista, com uma linguagem bem de trabalhador e ele falava ‘nós’ e eu me via ali. Isso me deu uma noção de que tinha alguma coisa errada já que meu amigo, também pobre, tava em casa brincando e  eu no lixo trabalhando para ganhar muito pouco”, relembrou Osmar 

Imbariê é um distrito da cidade de Duque de Caxias com cerca de 33 mil moradores com mais de 50% da sua população formada por negros. Osmar, quando passou a trabalhar no lixão, encontrou muitos vizinhos também trabalhando no local, essa realidade fazia parte da dinâmica social silenciosa do bairro, contou.

Imbariê, distrito de Duque de Caxias. Foto: Paulo Oliveira

“Vi um monte de gente lá de Imbariê, de primeiro me assustei ninguém falava que trabalhava no lixão. Nosso bairro é preto, cheio de trabalhadores informais com um adensamento populacional absurdo e sem o básico como coleta de esgoto, abastecimento de água ou bibliotecas públicas. Aqui tem boteco, igreja, campo de futebol e só”, resumiu Osmar.

Essa era a realidade de Imbariê da infância do artista. Quando soube que ia ser pai, Osmar já tinha se formado em Geografia e passou a ter mais acesso à cultura, entre as idas e vindas de trem que separavam sua casa da UERJ. Ele sabia que seu filho iria ter mais acesso do que ele, mas não queria mais que fosse sempre fora do seu território. Por isso quis criar um espaço em Imbariê para que os amigos dos seus filhos tivessem acesso também.

“A cultura junta as pessoas para assistir um show, é um cimento social de união e tira a gente da nossa individualidade liberal. Ela vem dessa troca. Quero que meu filho tenha acesso, mas também que tenha com quem trocar. Coisa que não tive”, afirmou o artista.

Entre objetos e ações

No mesmo lixão que nascem flores e surge o Osmar, muitos outros ficaram. Na última reportagem mostramos histórias de famílias inteiras que estão há mais de 40 anos vivendo em lixões. Ser uma exceção, conseguir achar uma flor no lixão não iludiu Osmar. O professor e artista fala muito de uma ideia de criar espaços e ações de intenção. 

“Aquele espaço do lixão era construído de objetos e ações, só que ações dali não eram no campo da intenção, todos nós catadores fomos empurrados a estar ali. Mas estar ali e ler aqueles livros, isso é romper com uma estrutura racial patriarcal patrimonialista muito forte. Tudo isso que vivi lá é o que os livros me proporcionaram, de ter noção da força de ações comuns e coletivas. É o que levo comigo”, explicou o fundador do FAIM. 

Foto: Paulo Oliveira

Hoje, os objetos que cercam o multi articulador são outros, e não foram construídos do acaso. Osmar fala da força e importância do senso de comunidade.

“As minhas ações nascem de uma ideia de comunidade. Se eu não fizesse o que faço, a partir de uma força comunitária, só seria uma pessoa pensando. Os objetos que hoje me cercam são construídos, não foram acasos. Apenas livros encontrados no lixão, não dá para todo mundo contar com a sorte. Se eu fizer algo só pra mim estou me colocando em risco”, resumiu Osmar.

Como combater? Criando estrutura

Osmar contou que sua sobrinha de 16 anos chegou até ele procurando ajuda. Ela queria fazer Biologia, mas não sabia se conseguiria. Foi daí que surgiu a ideia de criar um pré-vestibular, o Kilomba Imbariê.

“Penso que o pré-vestibular em Imbariê é um projeto estrutural, um dos muitos que penso em ajudar a tocar. Porque meu objetivo é esse, quero ser alguém com condições de comunitariamente unir pessoas, buscar recursos e fazer projetos acontecerem. Eu podia ter tentado uma vaga para ela em algum pré, mas queria que não só a minha sobrinha e sim todas as suas amigas do bairro tivessem essa chance. Nada disso é novo, apenas sigo e tento honrar os que vieram antes de mim com um olhar sankofa para a vida”, resumiu Osmar. 

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