Moradores da Zona Oeste lutam contra tarifa antecipada de esgoto

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Texto por
Silvia Noronha
Data
9 de março de 2017

Assim como na maior parte da cidade do Rio de Janeiro, a oferta habitacional na Zona Oeste cresceu muito mais rapidamente do que a capacidade da prefeitura de prover a região com infraestrutura urbana. Carente de estações de tratamento de esgoto e redes de esgotamento sanitário, moradores da Área de Planejamento 5 (AP5) viram-se forçados a construir fossas sépticas ou afastar os efluentes de suas casas por meio das galerias de drenagem construídas pela prefeitura para escoar a água da chuva, fazendo com que grande parte do esgoto fosse despejado sem tratamento em rios e córregos.

Nos últimos anos, no entanto, muitos moradores da região acionaram a justiça ao descobrir que vinham sendo cobrados na conta de água também pela tarifa cheia de esgoto, mesmo estando conectados à rede pluvial construída pela prefeitura. A cobrança indevida era uma prática da Cedae, responsável pelo serviço de saneamento da AP5 até 2012 e foi retomada pela Foz Águas 5, empresa privada que ganhou a concessão após licitação levada a cabo pela prefeitura.

A atual Foz Águas 5 herdou da Cedae 310.423 clientes finais de esgoto. Segundo a Rio-Águas, entidade municipal reguladora do contrato de concessão, somente 5% deles tinham seus esgotos tratados no momento da passagem do bastão. Mesmo assim, todos os demais pagavam – e continuam pagando – a tarifa integral. O pagamento é contestado há anos e o caso foi parar no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que tentou colocar um ponto final no assunto dando ganho de causa à Cedae e tornando a decisão válida para todos os casos semelhantes no país.  

O advogado Celso Cordeiro Júnior, morador de Campo Grande, é um dos mais envolvidos na contestação. Ele afirma que o recurso especial (Resp nº 1.339.313, de 2012) parte de uma premissa equivocada, a de que as galerias de águas pluviais, embora de responsabilidade da Prefeitura, são mantidas pela Cedae (agora Foz Águas), que não só realizaria a manutenção e desobstrução das ligações de esgoto conectadas no sistema público de esgotamento, como também trataria todo o lodo nele gerado, justificando as cobranças efetuadas.

Não é o caso de Celso, que faz parte dos moradores cujo esgoto afastado pelas galerias pluviais não leva a uma estação de tratamento – sendo despejado in natura nos corpos hídricos – e de todas as demais famílias que construíram o sistema de fossa séptica.  “Se as concessionárias tivessem implantado as galerias, elas estariam autorizadas a cobrar, mas não é esse o caso”, afirma ele, que considera que a empresa está capitalizando em cima de um bem construído exclusivamente com investimento público. “Em Campo Grande não tem sequer ETE (Estação de Tratamento de Esgoto). Antes mesmo de a empresa instalar o serviço, ela está cobrando da população. Esse é o melhor negócio do mundo”, completa ele.

A argumentação do Resp certamente vale para comprovar a legitimidade da cobrança na Região dos Lagos, por exemplo, onde há coleta dos efluentes pela rede de drenagem por meio de um cinturão instalado na Lagoa de Araruama, com posterior tratamento . A decisão também pode se aplicar ao bairro da Tijuca, na Zona Norte do Rio, onde a Cedae implantou com dinheiro próprio uma rede específica de esgoto, embora o rejeito coletado, até hoje, esteja sendo  lançado in natura no Canal do Mangue. Apesar da falta de tratamento, a companhia fez investimentos e o STJ julgou pela legalidade da conta quando há oferta de uma das etapas do serviço. Só que esse não é o caso de boa parte da Zona Oeste.

Especialista no tema, Alceu de Castro Galvão Junior, que é autor e editor de livros sobre regulação e planejamento do setor de saneamento básico, explica que a definição da tarifa deve se basear em dois elementos: no custo de manutenção e nos valores aplicados em investimentos, que precisam ser amortizados. Se a concessionária não investiu na construção e manutenção das redes pluviais e nem trata o esgoto afastado por elas não se justifica a cobrança de uma tarifa de igual valor à das áreas com tratamento. “A definição do cálculo da tarifa é da agência reguladora. Se ela observar os itens de custo e de investimento, conceitualmente ela traria valores diferenciados”, afirma ele, que também é mestre em Hidráulica e Saneamento e doutor em Saúde Pública.

Antes do Resp, muitos moradores da região foram à Justiça contra a Cedae e conseguiram fechar acordos com a companhia. A legislação prevê restituição em dobro dos valores cobrados indevidamente nos cinco anos anteriores. Após assumir o serviço, a Foz Águas 5 questionou os acordos. O diretor de Operações e Engenharia da Foz Águas 5, Leonardo Righetto, afirma que a empresa está ganhando a questão na Justiça e que voltou a cobrar de quem havia deixado de pagar. “Em alguns acordos que a Cedae fez, nós voltamos com a cobrança e ganhamos na justiça. Têm algumas ações questionando a cobrança, mas estamos ganhando”, assegura.

Segundo Righetto, onde não é oferecido nenhum serviço, o morador não deve mesmo pagar nada. Porém – alega ele – em parte da Zona Oeste a concessionária faz “manutenções pontuais”, como desobstruções na rede de drenagem em galerias de menor diâmetro, e que, portanto, está prestando um serviço aos clientes. “Onde tem a prestação de serviço de alguma forma temos a legitimidade de cobrança. Pode ter sistema unitário, eu dou manutenção nessa rede; se tiver entupimento, eu desentupo, e aí é devida a cobrança”.  

A manutenção pontual está de fato prevista em contrato, mas só para intervenções de pequeno calibre (canos de diâmetro reduzido, até dez metros). O documento é claro, no entanto, ao determinar que não é cabido à concessionária cobrar da prefeitura por esses serviços, na medida em que ela aufere benefícios de compartilhar o uso da rede de drenagem, configurando uma utilização de caráter não onerosa (Cláusula Terceira). Não há nenhuma autorização à cobrança de tarifa dos usuários pela manutenção realizada. Se não cabe cobrança ao órgão público responsável pela administração das galerias, por que caberia ao cidadão final cujo imposto pagou pela construção da rede? 

Desde o início de dezembro, ForumRio.org vem tentando uma entrevista com a direção da Rio-Águas para esclarecer esse e outros pontos do contrato de concessão da AP5, sem sucesso. Tivemos acesso às respostas da entidade aos requerimentos enviados por Cordeiro. Neles a agência reguladora confirma ser da prefeitura a obrigação de implantar e cuidar da rede de drenagem e diz que a concessão não obriga o pagamento de tarifa pelo uso das galerias pluviais.

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Em outro requerimento, questionada se existe amparo contratual e legal para a Foz Águas 5 cobrar pela coleta e transporte de esgoto sem tratamento por meio das galerias de águas pluviais, a resposta foi “não”, porém com acréscimo de uma ponderação sobre a legitimidade da emissão da conta respaldada pelo Resp.

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A disputa promete continuar. No TJ do Rio, a desembargadora Regina Lucia Passos, da 24ª Vara Cívil, relatora de um acórdão em 2016, questiona o efeito vinculante do Resp. Cordeiro, por sua vez, tenta pela segunda vez marcar uma audiência pública na OAB Campo Grande, para que a concessionária e a Rio-Águas possam explicar a situação aos moradores. A primeira, agendada para o dia 25 de janeiro último, não aconteceu pois os representantes da empresa e da prefeitura não compareceram. A engenheira da Rio-Águas Tatiana Pinho Mattos, a mesma que assina as respostas aos requerimentos enviados por Cordeiro, chegou a entrar na OAB de Campo Grande, mas saiu antes, sem se pronunciar.

Leia também as duas primeiras reportagens sobre o sistema de esgoto na Zona Oeste:

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