Lei de Acesso à Informação ainda é um mistério na Baixada Fluminense

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Texto por
Manuela Andreoni
Data
10 de setembro de 2015

Os olhos piscam, a testa franze, as palavras demoram a sair entre as mascadas de chiclete: “pedido de quê?”. A recepcionista da Prefeitura de Duque de Caxias não tinha resposta para a pergunta da repórter sobre um pedido de informação. Não era a única. Questionado sobre o portal da transparência de seu município, um funcionário do Departamento de Licitações da Prefeitura de Nilópolis foi sincero: “nem sabia que existia isso”, disse, enquanto acessava a aba “Transparência” do site do município pela primeira vez. Em Belford Roxo, depois de longa explicação sobre a Lei de Acesso à Informação (LAI), uma funcionária da Secretaria Municipal de Fazenda resumiu: “o que você quer é um governo, mas isso aqui é o desgoverno”.

Durante um mês, a reportagem do ForumRio.org foi a três municípios da Baixada Fluminense – Duque de Caxias, Belford Roxo e Nilópolis – e fez o mesmo pedido de informação: acesso aos contratos entre prefeituras e empresas de ônibus responsáveis pelo transporte público municipal. O objetivo era averiguar o quão transparente era cada uma dessas prefeituras.

Passados os vinte dias de prazo estipulados pela LAI para resposta, o silêncio só foi quebrado pela resposta do procurador-geral adjunto de Belford Roxo, Iraci Elias da Silva Junior. Segundo ele, sequer foi possível “adentrar o mérito” do pedido, já que faltava a “qualificação” de quem o fez: “a qualificação completa advém da regularidade comprobatória do poder de representar e postular”.

Diferente do sugerido por Silva Junior, está explicitado na LAI que “qualquer interessado pode apresentar pedido de acesso a informações”. Questionada sobre o significado da resposta, a funcionária do Departamento de Protocolo nem desviou o olhar da montanha de papéis e pastas em cima de sua mesa: “olha, para ser sincera, eu também não entendi”.

Transparência ativa e passiva

Dois anos depois do fim do prazo para adequação à LAI, sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 2011, nenhum município da Baixada Fluminense cumpre a lei integralmente. A conclusão é do Ministério Público Federal (MPF), que, no primeiro semestre, fez duas amplas avaliações na região.

Os rankings do MPF levam em conta apenas a “transparência ativa”, ou seja, aquela que a administração pública voluntaria em seu site. A “transparência passiva”, ou a resposta a pedidos de informação, é analisada pela Controladoria Geral da União (CGU) em um projeto chamado Escala Brasil Transparente. Mas o projeto funciona por amostragem nos estados, não tendo abarcado ainda municípios da Baixada.

O MPF montou uma lista de checagem com os itens que cada município precisava ter em seu site, como orçamento e contratos. Em fevereiro, quando foi publicado o ranking dos oito maiores municípios da Baixada, Mesquita obteve o melhor resultado, com 71 pontos. Todos estavam devendo.

Em maio, o MPF publicou o ranking do estado do Rio por inteiro. Houve melhorias. Belford Roxo pôs no ar seu site e ganhou 12 pontos. Queimados, que ficara em quinto lugar, com 32 pontos, terminou em primeiro, com 76. “Isso mostra que é uma questão de vontade política, muito mais do que qualquer outra coisa”, afirma o procurador federal Eduardo El Hage.

Ação de improbidade administrativa em Belford Roxo

Ter acesso a informações públicas nas prefeituras da Baixada não é para qualquer um, como obriga a lei. Demanda tempo, paciência e algum senso de humor. Tempo para o deslocamento entre três sedes diferentes da Prefeitura de Duque de Caxias em busca de um funcionário que aceite receber um pedido de informação. Paciência para ser transferido para quatro departamentos diferentes da Prefeitura de Nilópolis e, no fim, cair numa linha de telefone sem resposta.

Senso de humor para aceitar escrever um pedido de acesso ao Orçamento Municipal em um post-it na Secretaria de Fazenda de Belford Roxo. A resposta foi um link na internet para um arquivo PDF com páginas e páginas de informações indecifráveis.

O procurador federal Eduardo El Hage está há mais de um ano neste périplo. Foram recomendações, prazos e reuniões até que, no último mês de janeiro, decidiu mover ações civis públicas contra oito prefeituras da região.

No caso de Belford Roxo, que sequer tinha um site, o procurador precisou entrar com uma ação de improbidade administrativa e recomendar uma denúncia criminal contra o prefeito Dennis Dauttmam. “Qualquer criança de 14 anos consegue botar um site para funcionar e digitalizar contratos”, conclui El Hage.

Má-fé e desconhecimento

“Quem está fazendo a coisa errada não quer que ninguém veja”, explica Fabiano Angélico, jornalista e autor do livro Lei de Acesso à Informação: Reforço ao Controle Democrático. “Mas a maior parte (dos gestores públicos) não é bem qualificada, não conhece muito de legislação, de normas e, muito menos, de sociedade, de transparência, de democracia e sistema”, relata.

Em Caxias, um funcionário parecia descrente em relação à legalidade do pedido do ForumRio.org para ver os contratos do município com as empresas de ônibus. “A informação é pública, mas não pode ser tão pública assim”, ele disse, rindo.

Em Belford Roxo, uma funcionária sugeriu à repórter que, em vez de tentar fazer pedidos de informação, fosse a uma das audiências públicas semanais com o prefeito. “Ele responde às perguntas dos moradores”, argumentou.

Para além da falta de vontade política e de formação dos gestores públicos, as pastas entupidas de documentos são retrato da desorganização das administrações. Em um evento do MPF, uma secretária da Prefeitura de Niterói, primeiro lugar no ranking estadual de transparência, contou que, para digitalizar e disponibilizar no site todas as informações pedidas pela Procuradoria, foi necessário antes que a própria Prefeitura se organizasse e encontrasse as tais “informações de interesse público”. O mesmo foi relatado por funcionários da Prefeitura de Queimados.

Consequências positivas da transparência

Segundo explica Fabiano Angélico, uma administração desorganizada pode significar decisões equivocadas: “o objetivo da transparência adequada é conseguir derivar disso uma política pública adequada, não de achismo, de opinião, de ideologia torta”.

A organização da informação é uma das consequências positivas da transparência. A outra é o controle social da administração pública. “É fundamental para a boa gestão, a gestão efetiva, que a gente passe da democracia representativa para a democracia participativa”, opina Marcelo Paluma, coordenador do Núcleo de Ações de Prevenções e Ouvidoria da CGU do Rio.

Mas nem todos têm vontade de participar. “Tem prefeito que fica decepcionado. Ele implementa a lei, ninguém usa. Isso desestimula o gestor a ir aprimorando aquele instrumento”, conta Paluma.

Sem geração de receitas, sem oposição empoderada

Segundo o índice Firjan de gestão fiscal, que tem base em dados de 2013, apenas dois municípios da Baixada Fluminense, Duque de Caxias e Itaboraí, têm conceito A ou B em termos de geração de receita própria. O restante conseguiu apenas conceitos C ou D, o que significa uma economia local fraca, com poucos empregos e pouca geração de impostos para o município. A maioria dos municípios depende de repasses de recursos pelo estado e pela União.

“A consequência disso é que a economia local não gera liderança, não gera oposição”, explica Fabiano Angélico. “O prefeito vira uma espécie de rei mesmo. Ele tem em suas mãos a máquina que mais recursos tem na cidade”, conclui.

O ForumRio.org questionou as Prefeituras de Nilópolis, Caxias e Belford Roxo sobre a falta de respeito à LAI e pediu entrevistas com os prefeitos dos municípios, mas não obteve respostas.

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