O lugar de fala dos cinco palestrantes do Seminário Rio Metropolitano – Segurança, realizado na última quarta-feira, no Teatro Municipal de Niterói, pode ser resumido em uma frase da diretora presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP), Joana Monteiro: “A ONU considera guerra civil as situações em localidades que registram mais de mil homicídios em conflito. Só no estado do Rio, são cerca de cinco mil por ano”.
Mas o cenário já foi pior. Em 1991, a taxa de homicídios no estado era de 58 por 100 mil habitantes. Em 2014, 30 por 100 mil. No mês de abril de 2015, segundo o ISP, foram registrados 338 homicídios dolosos, o menor número para o mês desde que os dados começaram a ser disponibilizados (1991). No acumulado de 2015 (janeiro a abril), foram 1.488 homicídios, segundo melhor resultado para os quatro primeiros meses do ano desde 2007.
Por que melhorou? Para João Trajano, cientista político e coordenador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ, nenhum especialista é capaz de responder com exatidão, dada a quantidade de variáveis, de responsáveis e de mudanças nas políticas públicas da área.
“A violência tem caráter plural e multifacetado. Duvido que qualquer de nós pesquisadores e especialistas tenha coragem de apontar este ou aquele motivo como soluções dadas. No estado do Rio, por exemplo, vivemos recentemente dois momentos de queda brusca nos homicídios. Um no meio da década de 1990, outro recentemente. Os dois com políticas públicas diametralmente opostas: o primeiro com a premiação faroeste [aos policiais, por prisões e mortes de criminosos]. Agora, com a polícia de proximidade”, argumenta.
Diagnósticos e propostas
“Precisamos pensar a segurança dentro de um cenário extremamente desigual”, afirma Pedro Strozenberg, secretário executivo do Instituto de Estudos da Religião (Iser) e conselheiro da Casa Fluminense. Segundo dados da Anistia Internacional, 77% das vítimas de homicídios no Brasil são negras e 53,5% têm entre 15 e 29 anos (números de 2012). Entre jovens de 20 a 24 anos, houve 66,9 vítimas por 100 mil habitantes. No total, o índice é de 29 por 100 mil.
Na capital do Rio, o índice é de 19,7 homicídios por 100 mil, com especial gravidade na zona norte da cidade. Enquanto isso, a Baixada Fluminense registra 52 homicídios a cada 100 mil habitantes. “Apenas 4% dos setores censitários [a menor medida de território do IBGE] concentram 75% dos homicídios na metrópole do Rio”, informa Joana Monteiro. Dados apontam ainda que a maior parte dos crimes acontecem nos fins de semana e à noite.
Feito o diagnóstico, algumas propostas são consenso. “As políticas públicas setoriais precisam estar articuladas entre si. Segurança Pública não é só polícia”, afirma João Trajano. “Políticas precisam ser territorializadas, com o cuidado de não estigmatizar. Prefeituras devem ampliar seu papel e dialogar mais com as forças de segurança”, diz Pedro Strozenberg.
“Sobre a questão metropolitana, temos problemas que não são daqui. A Polícia Federal, por exemplo, conta com dez mil homens apenas. Isso é o que temos só nas UPP”, relata o coronel Robson Rodrigues, chefe do Estado-Maior geral da PM do Rio, que completa: “a guerra às drogas é uma dança macabra a que fomos convidados e quem convidou já foi embora. Tem cunho moralista, que não deveria ser problema da polícia”.
Servir a quem? Proteger de quê?
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, no seu Anuário 2014, da população prisional brasileira, 49% encontram-se presos por crimes contra o patrimônio, 26% por crimes relacionados a drogas e apenas 12% por conta de homicídios. Segundo a Anistia Internacional, menos de 8% dos casos de homicídios chegam a ser julgados. Os dados são destrinchados pelo Mapa da Violência 2015.
Ainda que nacionais, os números não diferem muito da realidade fluminense. Com problemas estruturais na prevenção da violência e repressão marcadamente desigual por classe social, cor e território, as polícias são o alvo maior das críticas. Para o coronel Robson, falando especificamente sobre a Polícia Militar – cujo lema é Servir e Proteger -, “há uma crise de identidade entre ser militar e ser policial, quase indo ao divã”. “Nosso desafio é entender como otimizar nossa atuação com essa estrutura anacrônica”, conclui.
Ainda assim, para Pedro Strozenberg, a gestão da segurança pública passa pelo melhor momento dos últimos anos no estado. A opinião é compartilhada por Antônio Roberto Cesário de Sá, subsecretário de planejamento e integração operacional da Secretaria de Segurança, para quem “no passado, prisão e apreensão eram metas. Hoje, temos como metas redução de homicídios e autos de resistência”.
Ao ser questionado sobre a necessidade de mudanças no Código Penal, Cesário de Sá afirma que questões como a progressão de regime de pena por bom comportamento devem ser revistas, “até porque não há como não ter bom comportamento num cubículo de três por três, comendo e dormindo o dia inteiro”. E aproveita para comentar sobre a maioridade penal: “debate importante, talvez não para diminuir a maioridade, mas aumentar o tempo em que os menores ficam reclusos para além de 21 anos”.