No último sábado, em Nova Iguaçu, o Fórum Grita Baixada (FGB) lançou a Carta da Baixada, um documento com propostas de políticas públicas para uma segurança cidadã e uma cultura de paz na região. A Carta é um dos resultados do Curso de Segurança Pública e Cidadã na Baixada Fluminense, iniciativa promovida pela Casa Fluminense e o FGB, financiada por uma vitoriosa campanha de crowdfunding. Nos últimos 12 meses, estive intensamente mergulhado nestas ações. Nesta coluna de estreia no ForumRio.org, busco decantar essa experiência e partilhar impressões sobre os desafios à frente.
Trabalhar com marcos temporais é valioso ao pensar trajetórias e tendências. Em 2015, quando completamos 10 anos da Chacina da Baixada, o mínimo que cabe à sociedade é se perguntar: o que mudou? Vai acontecer de novo? O que está sendo feito para evitar novas chacinas? Para refletir sobre essas questões, sugiro o recente artigo do professor José Claudio Alves.
Em linhas gerais, a chacina de 2005 foi uma expressão radical de um padrão de violência que marcou a Baixada nas últimas décadas. Esse padrão é caracterizado pela atuação dos grupos de extermínios, majoritariamente composto de policiais e com o apoio de políticos locais.
A história de formação social dessa estrutura de poder, que tem como exemplo mais famoso o esquadrão da morte, é longa, marcada pelas ações de controle social de uma elite comercial sobre uma população extremamente pobre. Filmes como “1962, o ano do saque” (2014), de Rodrigo Dutra e Victor Ferreira, e o “Homem do Ano” (2003), de José Henrique Fonseca, são exemplos do modus operandi dos operadores dessa violência.
Outro exemplo estúpido (e comum) dessa brutalidade é quando um “justiceiro” mata algum jovem porque ele estava simplesmente fumando maconha. Sete anos separam a Chacina da Baixada (2005) da Chacina da Chatuba (2012), em Mesquita, quando seis jovens foram assassinados nas cachoeiras do maciço do Mendanha por um grupo de traficantes de drogas. Essa chacina sinaliza uma mudança no padrão de violência da região, com uma presença mais intensa do tráfico de drogas na Baixada.
Aqui, entramos no debate sobre a migração dos traficantes das favelas com UPP para a Baixada. Ainda não existem pesquisas ou estudos aprofundados sobre o assunto, mas são numerosos os relatos de moradores que passaram a conviver com a presença de armas pesadas, aumento da violência e dos homicídios. O que migra não é o traficante, mas o negócio, as drogas e as armas. Com esses ativos, surge uma demanda forte para incorporar novos jovens no mercado das drogas e do crime, que alimenta a roleta russa dos homicídios.
Na campanha eleitoral de 2014 para o governo do estado, todos os candidatos destacaram a importância da segurança pública em seus possíveis mandatos. O próprio governador Pezão, em seu discurso de posse, afirmou que o tema é prioridade em seu governo. Então, nossa pergunta é: segurança pública para quem? Pois a Baixada é hoje a região com a maior taxa de homicídios do estado, mas não existe uma ação prevista para superar essa realidade.
Por isso, uma bandeira prioritária da Agenda Rio 2017 – uma plataforma de propostas de políticas públicas para o Rio inteiro – é a criação de um Programa de Redução de Homicídios na Baixada Fluminense. O governador do estado é a autoridade política com o dever de liderar uma ação desse porte, em diálogo e cooperação com os gestores das instituições do setor, as prefeituras e os movimentos sociais da Baixada.
Constitucionalmente, a segurança pública é “dever do Estado, direito e responsabilidade de todos”. No entanto, é comum muitos prefeitos se esquivarem, jogando toda a culpa no estado. Está errado. Os municípios também devem ser protagonistas na segurança pública, sobretudo com ações de prevenção da violência e defesa da vida.
É prioritário estancar o morticínio, que atinge principalmente jovens e adolescentes. Segundo o Índice de Homicídios na Adolescência 2012 (IHA), parte do Programa de Redução a Violência Letal (PRVL), coordenado pelo Observatório de Favelas, em 2012, viviam 107.258 adolescentes de 12 a 18 anos em Duque de Caxias. Se as condições locais não fossem alteradas, 469 mortes violentas seriam esperadas nesse grupo.
Literalmente, uma tragédia anunciada.
As perguntas-chave são: quais são os bairros e comunidades que mais sofrem com a violência dentro de cada município? As prefeituras estão produzindo políticas públicas para evitar essas mortes?
Nesse contexto, garantir a visibilidade, o fortalecimento e a autonomia dos atores locais é tarefa básica para uma agenda de transformação na Baixada, e o Fórum Grita Baixada é um espaço legítimo para ancorar a discussão sobre segurança pública na região. Além disso, também será estratégico produzirmos ações de convergência e cooperação entre organizações da sociedade civil da Baixada, do Rio, do Brasil e de outros países, ampliando o repertório de todos no tema e aumentando a pressão política no governo do estado. O curso de segurança pública foi um bom exemplo de ação em parceria. Iniciativas similares devem ser incentivadas.
Por fim, é importante ressaltar o papel que os movimentos culturais e as mídias alternativas podem ter na elaboração de uma nova narrativa sobre a segurança pública na Baixada, desfazendo antigos estereótipos sobre a região, produzindo novos símbolos e acumulando capital político e social para essa transformação. Quando vejo um projeto como o Território Baixada – um ciclo de encontros entre artistas, produtores e público para discussão sobre os processos de criação da Baixada -, renovo minha confiança na potência desse movimento em defesa da vida.