As lutas e paixões de quem vem de Bel

Categorias
Texto por
Comunicação Casa
Data
18 de março de 2024

*Por Rayane Pereira

Sou a Rayane Pereira, de 24 anos, que reside no Barro Vermelho, localizado na cidade do amor. Para quem ainda não se familiarizou, estou falando de Belford Roxo, aqui na Baixada Fluminense. Essa cidade é popularmente conhecida por seus índices de criminalidade, tragédias governamentais e ambientais. Mas foi também nas ruas desse território que construí afetos e entendi sobre cidadania, saberes, brincadeira, juventude e organização civil. Faz parte do imaginário social dizer que os cruéis são de Bel, eu sou mais uma que luta pra dizer quem são os habitantes do lugar, lugar este que também produz paixão. Isso explica, por que faz tanto sentido, eu propagar que esse território é conhecido como cidade do amor, né?

Por outro lado, é também a cidade que segundo o Mapa da Desigualdade 2023, produzido pela Casa Fluminense, apresenta um dos piores indicadores de toda região metropolitana do Rio de Janeiro. Há muitas faltas e atravessamentos que todos os dias me perpassam, pois os dados também mostram que em cada 4 famílias, 3 são chefiadas por mulheres, e entre essas 3, eu sou uma delas.

Minha trajetória, de me entender como uma agente de transformação social, começou no ano de 2014, quando ainda estudava no CIEP Cláudio Coutinho, na esquina da minha casa. Lá, a professora Aline que lecionava projeto de vida, me cutucava para eu questionar, falar, escrever e me incentivou a fazer inscrição para ser representante de turma. Ela, por sua vez, sempre pedia para eu imaginar qual futuro eu iria querer e anotar. Esses questionamentos e provocações foram muito necessários para o meu desenvolvimento. No ano seguinte, eu senti a necessidade de mudar de escola, pois eu precisava sair da zona de conforto e pegar ainda mais pesado nos estudos, porque quando acabasse o ensino médio, eu só me dava opção de entrar na universidade. Dito e feito, mudei para o antigo Colégio Estadual Santa Amélia e estudei lá por 2 anos, e logo após minha formatura, saiu o resultado do SISU e eu tinha sido aprovada na Universidade Federal do Rio de Janeiro para o curso de serviço social. Lá tive contato com alguns movimentos sociais e estudantis, porém não engajei porque fui mãe assim que entrei e peguei leve nas atividades, mas segui.

Dito tudo isso, afirmo aqui que o que me trouxe muitas possibilidades, foi levar tudo que eu venho aprendendo para meu território, o Barro Vermelho. Bairro que segundo o IBGE de 2010, tem cerca de 6 mil habitantes, onde 51,85% da população é de mulheres e em sua maioria negras. Ao andar pelas ruas, ir trocando conversas, conhecendo as pessoas, sabemos ainda mais que toda essa cidade é construída por nós, porém o que sobra são a margem, a falta, a escassez e a desumanização.

Tendo em vista os últimos 2 anos, a cidade de Belford Roxo tem enfrentado sérios problemas com as mudanças climáticas e a falta de saneamento básico que também vem nos atormentando a anos. Resolvi trazer as duas questões, pois elas estão diretamente ligadas. Trazendo mais um dado apresentado no Mapa da Desigualdade da Casa, vimos que 100% da população não tem saneamento básico, não tem água tratada, não tem coleta de lixo regular, e essa mesma população têm suas casas invadidas por água dos rios quando chove. Esses eventos têm sido frequentes e a cada chuva que acontece o número de casas atingidas aumenta e a pergunta que nós fazemos é quais serão as medidas tomadas para que o impacto da chuva seja menor para nós?

E foi pensando nesses impactos que no ano de 2020 surgiu a necessidade de montarmos um projeto que pense possibilidades, que traga para o território soluções, oportunidades, e que questione o Estado sobre a sua ausência. E aí nasceu o Mais Por Nós, um projeto social que atende 120 famílias no assentamento do Sem Terra do Barro Vermelho, que por sua vez, não há nenhuma seguridade social. Cerca de 105 famílias assistidas por nós são chefiadas por mulheres, acompanhamos 90 crianças e adolescentes entre 0 a 17 anos. 

Durante as tragédias, como a pandemia e as chuvas, atendemos também cerca de 400 famílias dos bairros vizinhos. Hoje, o Mais Por Nós tem se direcionado para estar nos espaços de tomadas de decisão, pois entendemos que só seremos pautados nas políticas públicas se estivermos dentro do diálogo, por isso acompanhamos alguns conselhos da cidade e unificamos nossas forças com outros movimentos sociais, para pensarmos soluções para todos esses atravessamentos gerados pela ausência do Estado. Com isso, percebo cada dia mais da linha vermelha pra cá, as águas ou a falta dela, tem mudado nosso modo de viver. 

*Rayane Pereira, mais conhecida como Ray, é gestora do Mais Por Nós, moradora do Barro Vermelho localizado em Belford Roxo, município da Baixada Fluminense. É estudante de Serviço Social, ativista ambiental, educadora popular e agente de incidência política

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