Por Silvia Noronha
Se as prefeituras gastam milhões com a destinação final do lixo para os aterros sanitários – gerenciados por grandes grupos econômicos –, por que não investem alguns reais nas cooperativas de material reciclável? As respostas a esta e outras questões estão se transformando em propostas, visando tornar a coleta seletiva uma política pública efetiva no Rio metropolitano.
O Fórum Permanente de Catadores da Cidade do Rio de Janeiro, criado em novembro de 2016, vem se articulando para estimular medidas que, se implementadas, trarão impacto positivo em todo o estado do Rio. Uma das sugestões envolve a mudança na pontuação do ICMS Verde para estimular a contratação das cooperativas por parte das prefeituras.
Três redes participam da iniciativa: Recicla Rio, que conta com cinco empreendimentos na capital; Febracon, com 16, a maioria também no Rio; e Rede Movimento, com 33 iniciativas espalhadas pelo estado. Já está no horizonte a criação de um fórum estadual.
Um dos fundadores do grupo, Moises Leão Gil, assessor técnico do Centro de Estudos e Apoio ao Desenvolvimento, Emprego e Cidadania (Ceadec), compartilhou com a Casa Fluminense as ideias em discussão. A expansão da coleta seletiva é uma das propostas da Agenda Rio 2017 e deve constar nos Planos de Gestão de Resíduos Sólidos. Segundo o Painel de Monitoramento: instrumentos de Gestão Municipal no Rio de Janeiro Metropolitano, somente três cidades da região elaboraram o documento.
Reunião do Fórum na Câmara Vereadores do Rio
Leia a entrevista a seguir:
Casa Flu – Como estão as articulações do Fórum para estimular a coleta seletiva?
Moises Leão Gil – Um grupo de trabalho vem discutindo propostas estaduais, como a alteração do ICMS Verde, que hoje tem base em três critérios: preservação do meio ambiente, saneamento e resíduos sólidos, onde há uma pontuação específica para coleta seletiva. Se o município faz de 1 a 3% de coleta seletiva, ganha um ponto; de 3 a 5%, dois; de 5 a 10%, três pontos; acima de 10%, quatro pontos. Tem ainda um ponto adicional se faz 50% ou mais e outro se há participação dos catadores.
Neste último quesito, é considerado o simples fato de direcionar o material para os catadores. Porém, a gente sabe que a receita da venda do reciclável não é suficiente para cobrir os custos operacionais de uma cooperativa e dar uma renda de pelo menos um salário mínimo para os catadores. A grande maioria recebe menos do que isso hoje no estado do Rio. Poucos empreendimentos conseguem mais. Dos que conheço apenas duas associações em Resende conseguem, com catadores ainda trabalhando no lixão, por ser uma fonte grande de material.
Casa Flu – Como o ICMS Verde pode mudar essa realidade?
Moises Leão Gil – A proposta é que o primeiro ponto seja vinculado à contratação dos catadores. Se a prefeitura não contratar cooperativa, não recebe os outros pontos. É uma forma de incentivar a coleta com cooperativa de catador. A proposta já foi encaminhada ao governo. Em 2012/2013, fiz um estudo e cada ponto valeu R$ 160 mil, ou seja, se ele pontuar seis soma praticamente R$ 1 milhão, um valor mais do que suficiente para custear a coleta com catadores na maior parte dos municípios, menos na capital.
Entretanto, o recurso do ICMS Verde não é vinculante. Mesmo assim, consideramos a medida indutiva. Nosso entendimento é que quando se manda o lixo para um aterro sanitário, você dá uma destinação final e paga por esse serviço. Quando a cooperativa destina o material para reciclagem, ela também dá destinação final correta, mas não é paga por esse processo.
Casa Flu – Como se daria a remuneração das cooperativas por parte das prefeituras?
Moises Leão Gil – Podem ser três formas de contrato, abrangendo os serviços de coleta seletiva, triagem e destinação final adequada. A ideia é que os contratos sejam com as redes de cooperativas. No Rio, estamos tentando um bairro piloto por rede, um total de três, com dois caminhões cada uma, coletando na faixa de 5 toneladas/dia. Tivemos conversa com a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smac), com a Comlurb e com a Subsecretaria de Planejamento e ficamos de apresentar uma proposta mais elaborada, assinada pelos vereadores envolvidos com esse processo. A partir desse piloto, haveria possibilidade de ampliação para outros bairros.
Com o vereador Reimont, conseguimos a aprovação de emenda para que haja contratação de cooperativa para fazer a coleta seletiva, mas por um valor simbólico. Agora precisa ver como o valor pode ficar adequado. Também estamos tentando com o Reimont um projeto de lei para que a autorização de eventos seja dada somente com a contratação de cooperativa para coleta seletiva.
Casa Flu – E a questão tributária?
Moises Leão Gil – O consumidor paga ICMS ao comprar um produto e gera a embalagem como resíduo. Só que as cooperativas, devido à falta de uma política de incentivo à reciclagem por parte do governo estadual, acabam tendo de vender para outros estados do país, pagando ICMS novamente. Nossa proposta é de isenção de ICMS para venda de reciclável, mas será apresentada num momento político-econômico melhor, por causa das finanças do estado.
Outra reivindicação junto ao estado e a prefeitura é a dispensa de licença. Em 2015, conseguimos reduzir esse processo, mas ainda é exigida uma série de documentos que elas não conseguem, principalmente por causa da regularização fundiária. Alguns espaços que elas ocupam são ocupações, outros públicos, mas o órgão não dá o documento.
Casa Flu – Além dos aspectos sociais e ambientais, também é possível defender a reciclagem comparando os milhões gastos pelos governos com aterro sanitário [este custo totalizará R$ 210,5 milhões na capital, segundo a Lei do Orçamento de 2017]?
Moisés.L. Gil – Certamente, primeiro porque quando a coleta seletiva com catadores é desenvolvida, você tem trabalho e renda, então é dinheiro que você está injetando na economia local. Segundo porque os custos são inferiores aos de destinação final, além de aumentar a vida útil do aterro. O reciclável junto com resíduo comum acaba retendo muito líquido; muitas vezes o município paga por água coletada junto. Terceiro, em nível nacional, você está reduzindo a quantidade de recursos naturais extraídos da natureza, por causa do reaproveitamento da matéria-prima das embalagens. Então, financeiramente, não tem que calcular só o custo do aterro.
Casa Flu – Também é preciso cobrar a responsabilidade das empresas.
Moisés.L. Gil – Estamos também nos voltando para a questão da logística reversa, que obriga os fabricantes a recuperarem o material lançado no mercado. Mas um processo desse é contínuo, não será em dois anos que se conseguirá aplicar de forma mais coesa. As leis europeias e a norte-americana são dos anos 1970. É um processo que vai sendo aprimorado. A nossa lei é de 2010, é recente.
Casa Flu – Recente e com dificuldade de avançar.
Porque a gente acaba tendo toda a questão de corporativismo. Hoje, quando você pega alguns contratos de prestação de serviço de coleta de lixo, os termos são muito abrangentes, vagos. Fala-se tanto na Lava Jato, mas quando começar a operação Cata Lixo… É um dos serviços de maior custo para as prefeituras. As empreiteiras que fazem esses serviços investem muito nas campanhas políticas. São umas seis ou sete maiores que acabam fazendo o trabalho tanto de coleta como de administração de aterro.
Soubemos que a prefeitura do Rio não planeja ampliar a coleta seletiva.
Pelo Plano Municipal de Resíduos Sólidos, não há previsão de ampliação e sim manutenção de 1.590 toneladas/mês. Mas em outro ponto da planilha há previsão da ampliação da quantidade de material desviada do aterro para reciclagem, valor que aumenta progressivamente, porque a prefeitura planeja investir numa planta mecanizada de triagem do lixo in natura. Ou seja, passando por transbordo, com uma esteira que vai triar os materiais através de leitura ótica.
Isso é uma faca de dois gumes. Por um lado é bom, porque reduz a quantidade de material indo para o aterro; por outro é extremamente negativo porque vai tirar postos de trabalho dos catadores. Haverá desestímulo à coleta seletiva; e materiais que não serão detectados na leitura ótica continuarão indo para o aterro. Considero isso totalmente equivocado. Parece que será uma parceria público-privada (PPP), com a prefeitura cedendo o terreno. A questão principal também é que isso não é discutido com participação popular, com as partes interessadas. Os catadores não são chamados para o diálogo, mas estamos tentando por meio do Fórum, via gabinete do Reimont.
O Fórum se reuniu no dia 1º de junho, na Câmara de Vereadores do Rio, quando debateu os temas com os vereadores sensíveis à causa.
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