Anderson Caldeira frequentemente tem a impressão de que fala sozinho. Morador de Rio Bonito, ele já fez mais de 30 pedidos de informação à prefeitura do município, mas conta nos dedos de uma mão quantas vezes obteve resposta. “Eles simplesmente me ignoram”, diz.
Anderson, um policial rodoviário federal formado em Direito, começou a tomar gosto por analisar os atos da administração pública há cerca de dois anos. Logo descobriu que seu trabalho de investigação seria mais árduo que o esperado.
Rio Bonito, como boa parte dos municípios da região do Leste Fluminense, ainda não cumpre integralmente a Lei de Acesso à Informação, em vigência no país desde maio de 2012. A Escala Brasil Transparente, um projeto da Controladoria Geral da União (CGU), deu nota zero à prefeitura no quesito transparência.
Segundo o órgão federal, o município sequer regulamentou a LAI, o primeiro passo para o cumprimento da legislação federal. E não está sozinho. Apenas Niterói levou a nota máxima na região.
Por outro lado, os portais da transparência dos municípios têm evoluído. A maioria supera a média estadual em ranking elaborado pelo Ministério Público Federal (MPF) para analisar a qualidade dos portais e das informações contidas neles. Note-se que o MPF não analisa se as informações prestadas são verossímeis, nem se os municípios de fato respondem a pedidos de informação. A evolução vista no estado, entretanto, é motivo de comemoração para os procuradores.
A fim de testar os serviços de informação ao cidadão na região, o ForumRio.org enviou pedidos para cinco municípios. Foi solicitado acesso às folhas de pagamentos de funcionários das prefeituras dos últimos dois anos em formato aberto – ou seja, manipulável por computadores. Obteve resposta apenas em Niterói, ainda que de forma incompleta.
As prefeituras de Rio Bonito e Cachoeiras de Macacu enviaram respostas com links para seus sites, onde há informações incompletas e parcialmente compreensíveis sobre os salários dos funcionários. O ForumRio.org recorreu da decisão, mas não obteve qualquer satisfação. Pedidos de entrevistas tampouco foram respondidos.
Em seu site, a Prefeitura de Itaboraí informa que pedidos de informação podem ser dirigidos por e-mail. Assim feito, a resposta: é necessário ir à Secretaria de Administração do município para concretizar a solicitação. Lá, uma funcionária afirma que a resposta, caso exista, sai em 30 dias. Para obtê-la, só retornando pessoalmente à prefeitura, já que os telefones da repartição não funcionam.
Falta demanda por informação
Atabalhoada, a funcionária que atendeu à reportagem em Itaboraí estava intrigada com o pedido de informação. Era a primeira vez em 18 anos de casa que via alguém solicitar algo do tipo – a primeira fora quando um funcionário descontente procurava tirar satisfações da prefeitura.
Apesar dos esforços da CGU e do MPF em tornar as administrações públicas municipais mais transparentes, demandas por informações ainda são raras. Anderson, o policial rodoviário federal de Rio Bonito, é um dos poucos. Os pedidos por meio da LAI na região são quase inexistentes.
Mesmo no elogiado sistema desenvolvido por Niterói, os pedidos minguam – foram menos de 200 entre outubro de 2014 e setembro de 2015. Em apresentação do Ranking de Transparência na sede do MPF no Rio, o procurador Sérgio Pinel afirmou que a conscientização dos cidadãos em relação à importância de se usar as ferramentas de transparência é um próximo passo. “Também é nosso papel fomentar esta participação”, disse.
A maior participação dos cidadãos, no entanto, não depende apenas da conscientização. A frustração com a falta de transparência do estado e a desesperança em relação a uma possível mudança são fatores significativos. Segundo Anderson, dono de mais de 30 pedidos de informação em Rio Bonito, há temor por parte dos cidadãos comuns.
“As pessoas querem fazer [os pedidos], mas têm medo de represália. É gente que tem um parente ou um amigo que trabalha para a prefeitura. Então, se você vai lá [fazer um pedido], eles vão lá e exoneram essa pessoa”, relata.
A falta de clareza nas informações prestadas também é um fator de desestímulo. “É impossível conseguir qualquer informação oficial aqui em Tanguá”, desabafou Chico Carlos, editor do Tanguá Notícias. Carlos confia apenas em suas fontes para manter seus leitores abastecidos de informações sobre a administração do município, mas lamenta que não possa oferecer dados mais precisos sobre assuntos importantes.
Em Itaboraí, o jornalista Celso Raeder compara a procura por informações sobre a administração pública a uma “garimpagem”, como quem busca “ouro em um labirinto”.
“Transparência é a cereja do bolo”
Prestar informação de qualidade aos cidadãos é um dever do Estado, mas isso não significa que seja algo simples. Antes de Marília Ortiz chegar à Prefeitura de Niterói, a administração contava com 46 sistemas diferentes para computar informações cotidianas. “Era surreal”, diz Marília, que hoje é gerente do projeto Niterói Transparente, da Secretaria de Planejamento, Modernização da Gestão e Controle do município.
Depois de processo árduo de modernização, a Prefeitura conta agora com um sistema único de dados da administração – algo que exigiu investimentos. Marília conta que, para chegar ao estágio atual, em que a transparência da administração é elogiada tanto pela CGU quanto pelo MPF, foi preciso antes fazer um grande trabalho de modernização da gestão pública. “Não é como fazer um blog”, diz. “A transparência é a cereja no bolo de uma boa gestão”.
O processo significou não só o treinamento de servidores em relação a um novo sistema de trabalho, mas também a extirpação – não sem resistências – de pequenos poderes de funcionários. Em um sistema menos centralizado e com poucos controles, funcionários sentiam-se livres para “sentar em cima de processos”, o que prejudicava a eficiência do serviço.
Com um sistema integrado e de atualização em tempo real, funcionários se viram obrigados a agir com mais celeridade, sabendo que qualquer pessoa poderia estar observando suas atividades. Para Marília, a transparência acarreta uma importante mudança na forma de governar: “O dirigente que faz isso tem que estar disponível para contar com a participação das pessoas para melhorar seu governo”.
Nem todos estão dispostos a isso.
Confira também a matéria sobre transparência na Baixada Fluminense