A crise da bilhetagem eletrônica em 5 pontos

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Comunicação Casa
Data
8 de agosto de 2023

A falta de transparência dos dados sobre o transporte público é um dos principais entraves da mobilidade urbana fluminense. Hoje, as cidades e o próprio estado não sabem quanto custa de fato a operação diária dos ônibus. Não há transparência sobre valor do subsídios, número de passageiros que se deslocam e custo do sistema. Essas bases são cruciais para que seja feito um cálculo justo e transparente sobre o reajuste das tarifas, por exemplo.

Acontece que hoje não temos uma empresa contratada para a gestão do Bilhete Único no estado do Rio. Então a RioCard, operadora do sistema, é a única com as informações nas mãos. O resultado disso é uma série histórica de aumentos de passagens, diminuição de frotas, má utilização dos recursos públicos e disparidade de qualidade. 

Recadastramento do bilhete único intermunicipal, caixa preta do transporte, novo sistema da prefeitura do Rio são alguns dos desafios atuais da mobilidade fluminense.

Só em julho deste ano, os passageiros foram impactados com duas novidades dessa crise histórica do transporte: o recadastramento do bilhete único para ter acesso a tarifa social e o novo sistema criado pela prefeitura do Rio, o Jaé. O assunto é complexo, mas cinco pontos são chaves nessa discussão, veja abaixo:

1 – Jaé? 

No último mês, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, anunciou a implementação do Jaé, novo sistema de bilhetagem eletrônica do município do Rio. Segundo Paes, o cartão veio para acabar com a caixa preta do transporte. Com isso, a ideia é que o Jaé torne público o sistema de controle financeiro, transparência e planejamento para a mobilidade da cidade. Essa movimentação dividiu opiniões entre ativistas e poder público, e gerou questionamentos na sociedade civil. Afinal, esse movimento não deveria estar sendo feito pelo Governo do Estado? Mas e o Riocard? E quem não é do município?  A questão é complexa. 

Mais de 2 milhões de pessoas precisam se deslocar para a capital diariamente, atravessando a metrópole na busca por ofertas de emprego, saúde e lazer, segundo o Mapa da Desigualdade de 2020. São passageiros da Baixada e do Leste que vão ter que se adaptar ao uso de dois cartões, o bilhete único e o Jaé. O novo sistema é um avanço para o controle social, mas é um avanço solitário da prefeitura do Rio. Essa mudança pode impactar a construção de um transporte público integrado na metrópole. Se não houver cooperação entre governo estadual e municipal, pode ocorrer uma desintegração ainda maior na mobilidade urbana fluminense.

2- A falta de transparência

A bilhetagem eletrônica é o sistema de controle dos serviços de transporte público, como ônibus, barcas, trem e metrô. Ela é utilizada para registrar e armazenar informações sobre a mobilidade, como os gastos e linhas mais utilizadas pelos passageiros, por exemplo. A grande vantagem da bilhetagem é o controle do fluxo de passageiros, gerando dados que podem inclusive serem usados para a melhora do transporte público. Porém hoje, não se sabe quanto custa a operação do transporte público no Rio. A Riocard opera, monitora, cobra, e o estado só paga pelos gastos gerados.

3 – O histórico

Desde maio de 2019, a partir de movimentações da Casa Flu e outros parceiros da sociedade civil, o Estado do Rio deu um passo histórico aprovando o Projeto de Lei 3641-A/2017. O texto do PL determina que a gestão tarifária seja realizada por um serviço contratado através de processo licitatório feito pelo governo do Rio. Ou seja, o Estado se responsabilizando pelo controle público dos dados, abrindo as contas dos transportes, enfrentando os esquemas de corrupção e monopólio no setor.

A implementação dessa lei traria uma série de benefícios para a metrópole como: maior a integração dos municípios, gestão dos fluxos de passageiros, a transparência e prestação de contas. Tudo isso, podendo reverberar na implementação de políticas tarifárias mais justas e a redução de custos dos transportes. Mas, o Governo nunca avançou com essa pauta. O resultado desse descaso é a série de crises conjuntas que vem ocorrendo como: o futuro incerto das barcas, aumentos de tarifas e ao mais recente, debate sobre tarifa social e recadastramento do Riocard. 

4 – Fora da capital: Bilhete Único e o recadastramento 

O trem é um dos principais meio de transporte intermunicipal da metrópole. É ele que interliga a capital principalmente com a Baixada Fluminense, transportando em média 600 mil pessoas por dia, segundo a Associação Brasileira da Indústria Ferroviária. Em fevereiro deste ano, o valor das passagens do trem aumentou para R$7,40, mais de 48% em relação ao valor anterior de R$5. Essa mudança elevou um gasto de passagem para no mínimo R$14,80 por dia, ida e volta – considerando que os passageiros não precisassem pegar nenhum outro modal.

Na época, a sociedade civil se mobilizou, inclusive acionando o Procon contra o reajuste da passagem. Organizações como a Casa Fluminense, o Observatório dos Trens e Meu Rio, estiveram na Central do Brasil recolhendo assinaturas de cidadãos contra o aumento da passagem.

População assinando ação conjunta contra o aumento de passagem na Central do Brasil.

Apesar da pressão das organizações civis, o aumento foi mantido e a manobra do governador Castro foi a implementação da “Tarifa Social”, que manteve o valor da passagem a R$5 para os usuários que tinham seus bilhetes únicos cadastrados.

Com a implementação do benefício, os passageiros tiveram que realizar os cadastrados no bilhete único intermunicipal. Essa movimentação gerou longas filas nos terminais de atendimento do Bilhete Único, dificultando o acesso ao benefício e aos trens.

Hoje, esse tema volta a ser alvo de atenção, com o anúncio de que os passageiros precisarão realizar um recadastramento de seus cartões na Tarifa Social. Novamente uma medida que vai impactar significativamente os mais de 200 mil usuários que têm seus bilhetes únicos habilitados na tarifa social.

5-  O caminho para um transporte justo e integrado

A  Coalizão Mobilidade Triplo Zero defende a criação do Sistema Único de Mobilidade (SUM), nos moldes do SUS (Sistema Único de Saúde). O SUM uniria os governos federal, estadual e municipal para juntos contribuírem com o custo e a gestão do transporte público nas cidades. Na busca por um transporte com zero tarifa, emissões e mortes no trânsito, a Coalizão é composta por ativistas, movimentos sociais e organizações que tem como objetivo superar a crise da mobilidade no Brasil.

Vitor Mihessen, conselheiro municipal de transporte e coordenador geral da Casa Fluminense, uma das organizações que fundou a Coalizão, reforça que acesso a transporte é um direito garantido de todos. 

“O caminho adotado por mais de 80 cidades no Brasil hoje é de zerar a tarifa dos ônibus para os usuários. Isso mostra a capacidade que a gestão pública pode e deve ter no controle do sistema de transportes. Vale lembrar que o acesso a ele é um direito garantido na nossa constituição. Enquanto o estado do Rio seguir negligente com as licitações de operação, vamos ver e viver essas crises nos trens, nos ônibus e nas barcas”, concluiu o coordenador. 

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