Texto por

Data

O Parque que mudou nossas vidas: A luta por Justiça Climática em Realengo

Por Fernanda Távora e Juliana Baptista

Falar de mobilização social a partir da Zona Oeste, uma região marcada por conflitos é em si bastante complexo. Integramos as maiores áreas de planejamento da cidade, tanto a Área de Planejamento 4 que inclui os bairros adjacentes a Jacarepaguá, quanto a Área de Planejamento 5 que contém o bairro de Realengo, o berço de onde contamos a nossa história. A Agenda Realengo é uma das muitas agendas locais apoiadas pela Casa Fluminense que para além de um documento se tornou um coletivo organizado na busca por melhorar a vida em nosso território. Nosso grupo, aliado a outros movimentos locais pioneiros nessa reivindicação, lutou muito para que tivéssemos um parque verde. 

Em Realengo, as desigualdades e os conflitos de interesses se manifestam localmente a partir das distinções já estabelecidas como as de classe, raça, gênero, religião, entre outras. Uma região com desafios históricos onde o Direito à cidade é frequentemente negado e a ocupação do espaço urbano é permeada por interesses privados, incluindo disputas com grupos armados e milícias.

A história da luta dos movimentos sociais pela implementação do Parque Realengo durou mais de 20 anos. O espaço em que hoje funciona o parque era um terreno até então pertencente ao exército, uma antiga Fábrica de Cartuchos que após seu fechamento deixou diversos espaços sem uso. O grande exercício de imaginação política e mobilização dos moradores foi aos poucos disseminando a ideia de que aquele lugar poderia se tornar uma área verde de uso público no centro do bairro. O Parque Realengo Jornalista Susana Naspolini, conhecido por nós como Parque Realengo Verde, nasce do desejo de combater a especulação imobiliária e garantir maior dignidade e justiça climática para os moradores.

Foto: William Crem

Foram décadas de luta até que o sonho se transformasse em realidade. Extensos processos de busca de informações sobre a legalidade (ou não) do uso do terreno pelo exército, que possuía um robusto plano para construção de prédios no perímetro. Diversas reuniões com governantes além de projetos de lei e decretos que nunca se consolidaram. Reuniões nas praças, paróquias, abaixo assinados, faixas, carros de som e diversas outras ferramentas foram necessárias para que o sonho de uma área verde, gratuita e acessível no coração do bairro ganhasse os moradores e a visibilidade necessária para ser considerada pelo poder público. Era preciso que a luta ganhasse força e que a gente pudesse levar a frente a ideia de que nada deve mesmo, parecer impossível de mudar. Em junho de 2024 finalmente o parque chegou, mas não na totalidade do terreno. Nossa luta permanece pela expansão do parque nos 142 mil m² de área verde para que definitivamente não se construam prédios privados na área adjacente ao atual parque. 

Nesses últimos dias vivemos momentos importantes: o marco do 1° ano de funcionamento do parque, a chegada do Fórum Rio 2025 em Realengo e o lançamento de uma nova edição do nosso documento “Agenda Realengo 2030”. Com a nova publicação estamos tendo a oportunidade de monitorar a execução dessa política pública tendo ainda mais certeza dos inúmeros benefícios que o parque trouxe para todos nós.

O conteúdo da nova Agenda inclui diversas fontes de pesquisadores locais e dados públicos, além de uma pesquisa feita com os moradores sobre os principais problemas e potencialidades enfrentados por nós diariamente. A partir do conceito de Geração Cidadã de Dados (GCD) elaboramos 15 perguntas em um formulário sobre o Parque Realengo e o bairro. No finalzinho de março e início de abril, divulgamos esse formulário em redes sociais, grupos de WhatsApp, além de abordagens presenciais no parque. Coletamos e analisamos as 241 respostas que obtivemos e trabalhamos dias a fio na escrita da nova Agenda e nas propostas que ela abarca.

Foto: Thais Alvarenga

Durante a análise, percebemos que o sentimento geral é de que o Parque trouxe muitos benefícios para a população. Um exemplo disso é uma das respostas mencionar que a razão para frequentar o parque é: “Observar o mundo, socializar, sentir o meio ambiente.”. Nos comentários abertos, os visitantes descreveram passeios, piqueniques e espaços de brincadeiras para as crianças. Também se destaca o entendimento do parque como um local de descanso e relaxamento, proporcionado pelo contato com a natureza, assim como um espaço de socialização, encontros e conversas com amigos. As diversas respostas demonstram uma demanda emergente por espaços de lazer não apenas no bairro, mas em toda a Zona Oeste, que historicamente enfrenta uma escassez de infraestruturas deste tipo. Mais do que uma construção que poderia mitigar os impactos do clima em Realengo, conhecido por ser um bairro quente, o Parque acaba sendo utilizado como um “terceiro lugar”. Esses espaços, que não são nem a casa (primeiro lugar) nem o trabalho (segundo lugar) e por isso fundamentais para o convívio social, a criação de laços comunitários e o fortalecimento do senso de pertencimento. E o mais importante, é que esse lugar existe pela força política de gerações de moradores.

 A luta pelo Parque Realengo e sua efetivação mostram que a inteligência territorial é capaz de formular soluções para os problemas da cidade, produzir diagnósticos e indicar  quais políticas públicas podem beneficiar toda a população. Viva o Parque Realengo Verde! Viva a mobilização territorial!

* Fernanda Távora é nascida e criada em Realengo, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Jornalista formada pela Escola de Comunicação da UFRJ (ECO-UFRJ), é integrante da Agenda Realengo 2030. Possui mestrado profissional em Mídias Criativas, também pela ECO-UFRJ, e atua como jornalista e analista de dados.

* Juliana Baptista é nascida e criada em Magalhães Bastos, Cientista Social pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro e integrante da Agenda Realengo 2030. Possui mestrado em Memória Social também pela UNIRIO, apresentando como dissertação de conclusão um trabalho que aborda as disputas por memória em Realengo. Além disso, é Especialista em Sociologia Urbana pela UERJ no tema das Políticas Públicas e atua profissionalmente na gestão pública como Coordenadora de projetos.

Compartilhe

Conteúdo Sugerido

Nós armazenamos dados temporariamente para melhorar a sua experiência de navegação e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com nossa Política de Privacidade.

Feito com WP360 by StrazzaPROJECT