Dia do acesso à informação : os desafios de trabalhar com dados na metrópole

Categorias
Texto por
Comunicação Casa
Data
28 de setembro de 2023

Por Lucas Martins*

Hoje é comemorado o Dia Internacional do Acesso Universal à Informação, uma data que ressalta a importância da abertura de dados como um direito fundamental e um dos pilares essenciais da democracia. Neste mês, a Casa Fluminense lançou a 4ª edição do Mapa da Desigualdade, no marco de seus 10 anos de existência, um compilado com 40 mapas que ajudam a trazer mais transparência e acessibilidade a dados estratégicos. A publicação, organizada pela coordenação de informação, retrata a realidade dos municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro sob diferentes perspectivas – sobretudo raça e gênero, buscando uma abordagem interseccional -, e se apresenta como um importante instrumento de diagnóstico territorial para fomentar o debate sobre políticas públicas e o enfrentamento às desigualdades existentes na metrópole. Contudo, nem tudo são flores. 

Para tornar este instrumento mais eficiente possível, são necessários três pontos fundamentais nas bases de dados consultadas: marcadores sociais, para possibilitar o recorte por raça e gênero; atualização, para realizar o diagnóstico mais realista possível; e que estejam na escala municipal, para que possam ser retratados para cada um dos 22 municípios da região metropolitana.

Uma boa parte desses desafios seriam solucionados, caso os dados do Censo Demográfico – a pesquisa mais importante do país, realizada a cada 10 anos pelo  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – já tivessem sido divulgados. A pesquisa, porém, foi atrasada duas vezes, uma por conta da pandemia e outra por corte de orçamento, uma escolha política do governo anterior. Inclusive, sua realização só foi possível devido a uma determinação judicial do Supremo Tribunal Federal, obrigando a União a realizá-lo.

Esse atraso traz sérios impactos para a elaboração de políticas públicas municipais, estaduais e federais no país, que poderiam ser mais efetivas se já tivessem dados mais atualizados sobre a realidade da população brasileira. 

Além da escala nacional, problemas na escala estadual também foram motivos de manchete em jornais, pois outro importante órgão de pesquisa e estatística, o Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores do Estado do Rio de Janeiro (Ceperj), sofreu com o desmonte de suas funções, se transformando em um grande cabide de emprego com indícios de fraudes, lavagem de dinheiro e funcionários fantasmas.

O desmonte de importantes órgãos de pesquisa como o IBGE e o Ceperj ocorreu em meio à pandemia da Covid-19 que assolou o mundo, justamente num momento em que dados e informações qualificadas eram extremamente necessárias para planejar as ações governamentais visando o controle e redução de danos à população.

Além das questões citadas, assim como nas edições anteriores, uma lacuna de informações ainda persiste: a falta de dados sobre orientação sexual e identidade de gênero. Das mais de 20 bases de dados utilizadas, nenhuma possui essas informações, fato que dificulta a formulação e orientação de políticas públicas ao mesmo tempo que contribui para a invisibilização da população LGBTQIAPN+.

Alguns movimentos começaram a ser realizados pelo IBGE para desenvolver pesquisas que levantem essas informações, como a Pesquisa Nacional de Demografia em Saúde (PNDS) e a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), mas ainda em caráter muito incipiente e até experimental, como o caso da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2019. Logo, ainda existe um longo caminho pela frente para termos dados de orientação sexual e identidade de gênero da população no país, nos estados e, sobretudo, nos municípios.

Outro ponto a ser destacado é a Lei Geral de Proteção aos Dados (LGPD), que define um conjunto de regras visando a proteção de dados pessoais. A lei entrou em vigor em setembro de 2020, obrigando que todas as empresas ou órgãos que coletam, tratam ou armazenam dados pessoais, estejam em conformidade com a mesma. Sendo assim, órgãos públicos que historicamente disponibilizam dados em suas plataformas também estão sujeitos à LGPD e precisaram se readequar. E foi o caso de parte das bases utilizadas no Mapa.

A princípio parece que só há pontos positivos, mas é necessário destacar que das bases de dados consultadas que passaram por essas adequações, uma foi alterada a ponto de se tornar inviável sua utilização no Mapa, os microdados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Neste caso, após as mudanças realizadas na base, não é mais possível selecionar os dados por município, apenas por estado. Esse é a princípio um fato isolado, mas que acende um alerta, pois se ocorrências assim se tornarem comuns, estudos que trabalhem com indicadores na escala municipal se tornarão cada vez mais desafiadores, a ponto de se tornarem inviáveis. 

Frente a atrasos na divulgação de pesquisas, enfraquecimento de órgãos de pesquisa e falta de marcadores sociais estratégicos, mais uma vez a Lei de Acesso à Informação (LAI) se mostrou um importante instrumento para acesso à informações não divulgadas pelos órgãos públicos. Neste sentido, foram realizados vários pedidos em portais municipais e no estadual para vislumbrar indicadores possíveis de serem trabalhados no Mapa, como denúncias de crimes ambientais e casos de violência sexual em transportes públicos.

Além disso, para lidar com a falta de dados em determinados setores e escalas, um importante aliado dessa construção foi a Geração Cidadã de Dados (GCD), uma metodologia participativa que se utiliza de visões e vivências de moradores, coletivos e organizações territoriais e da sociedade civil para levantar informações que não são levantadas pelo próprio poder público, como o mapeamento da violência de gênero no estado, pelo dossiê da Antra; o mapeamento de tiroteios na região metropolitana do Rio de Janeiro, pelo Fogo Cruzado; e o mapeamento de peso da tarifa do ônibus municipal, produzido pela Casa Fluminense, com base nas respostas de moradores sobre as tarifas praticadas em seus municípios.

Em resumo, o desenvolvimento de um instrumento de monitoramento como o Mapa da Desigualdade exige um exercício contínuo de levantamento e análise de dados para a produção de informações que fomentem a produção de diagnósticos territoriais. Para tornar isso possível foram 11 meses de trabalho, reuniões com diferentes parceiros, 23 bases de dados acessadas, pelo menos 20 solicitações de informação e mais de 100 indicadores consultados para a produção de 40 mapas, divididos em 10 eixos temáticos. E a partir desse esforço de pesquisa se evidenciou a falta de dados atualizados nas escalas municipais e com recorte de diferentes marcadores sociais para a produção de políticas públicas no nosso país.

Considerando os desafios citados e a importância da transparência de indicadores, assim como a realidade desafiadora do acesso à informação dos municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro, o Mapa da Desigualdade 2023 traz como inovação o uso do Arcgis, uma plataforma que permite consulta dos dados apresentados na publicação e a entrega de um conteúdo mais dinâmico, com mapas e painéis interativos. Um passo importante da Casa Fluminense com o objetivo de reunir e tornar mais simples o acesso a dados qualificados sobre o Rio de Janeiro, em nível municipal, metropolitano e estadual.

O Mapa da Desigualdade é uma construção coletiva e queremos que cada vez mais dados alcancem a todos, acesse a plataforma e bom monitoramento!

*Lucas Martins é assessor de informação da Casa Fluminense, geógrafo formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, com pós graduação em Análise Ambiental e Gestão do Território pela Escola Nacional de Ciências Estatísticas do IBGE

Outras Notícias