Vereadores do Rio aprovaram o projeto que autoriza o uso de armas não letais por agentes da Guarda Municipal

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Comunicação Casa
Data
21 de junho de 2017

A Câmara Municipal do Rio de Janeiro aprovou, nesta terça-feira (20/06), o uso de armamento não-letal pela Guarda Municipal. O texto segue agora para a sanção de Marcelo Crivella (PRB), que tem 15 dias para decidir se sanciona ou veta a proposta. O Projeto de Emenda à Lei Orgânica n° 16/2014 gerou muitas divergências entre os vereadores da casa em torno do tema, ele foi aprovado por 35 votos favoráveis e 12 contrários. Atualmente, a Lei Orgânica proíbe aos agentes o uso de qualquer armamento.

Em um debate anterior no dia 6/06, a Câmara de Vereadores do Município do Rio de Janeiro voltou suas as atenções e debates na emenda apresentada pelo vereador Jones Moura (PSD) que suprime o termo ‘não façam uso de armas de fogo’ do texto da lei vigente, o que, na prática, concederia permissão ao porte de arma ao corpo de funcionários da prefeitura. A Emenda não foi aprovada pelo colegiado.

Mas, você sabe o que são armas não letais?

Silvia Ramos. Foto: Marco Sobral

Silvia Ramos. Foto: Marco Sobral

Conversamos sobre o tema com a cientista social do CESeC – Centro de Estudos de Segurança e Cidadania, Silvia Ramos, que é doutora pela Fundação Oswaldo Cruz em Violência e Saúde. De acordo com ela, tecnicamente os estudiosos sobre o assunto não chamam tais armamentos de armas não letais, mas sim de armas menos letais. “Bombas de gás, gás lacrimogênio, tasers, spray de pimenta, balas de borracha, canhões de água, cassetes e outros tipos podem matar, há exemplos no mundo onde, na tentativa de conter as multidões manifestantes de cidadãos, a falta de treinamento e até mesmo as ocasiões em que os agentes se excedem nesse trabalho pode causar sérios danos e até mesmo a morte”, explicou.

Silvia explica que a possibilidade de a Guarda Municipal utilizar tais armamentos é muito preocupante. Armamentos indicados para o uso de controle de multidões pela polícia de choque não são adequados a uma guarda patrimonial. Até mesmo a polícia comum que fez uso desse tipo de arsenal no Rio de Janeiro em episódios recentes foi um uso inadequado no ponto de vista da pesquisadora. “Quando os policiais começam a atirar aquelas bombas na direção da população, as pessoas ficam presas naquela nuvem de fumaça e não sabem para onde ir, ao invés de dispersar a multidão, faz com elas sejam sufocadas ou encurraladas, algo que foge completamente o objetivo”, disse ela. É preciso estratégias e bom treinamento para saber exatamente o que será feito nas ruas e só a polícia de choque recebe o treinamento adequado para esse armamento.

Argumentos favoráveis podem esconder reais intenções

A respeito de alguns argumentos que colocam os agentes da Guarda Municipal como indefesos perante os riscos que eles correm exercendo suas funções, Silvia Ramos explica que a melhor forma de proteção para esses profissionais é um instrumento de comunicação onde eles possam chamar reforços com agilidade caso aja uma situação de perigo. Em casos de crimes, o agente deve chamar a polícia e não tentar resolver o problema. “É fundamental que a Guarda Municipal trabalhe em parceria com a PMRJ”. Silvia ainda joga luz em um ponto fundamental para esse debate, que é a existência de uma atuante indústria forte e produtiva do ramo, que fornece produtos variados e que faz muito lobby para que legislações sejam aprovadas com o objetivo de permitir que os agentes municipais (e até agentes penitenciários) façam uso de seus produtos.  

A pesquisadora afirma que devemos valorizar o fato de termos uma Guarda Municipal dirigida por uma mulher (inspetora Tatiana Mendes, de 55 anos, há 22 na Guarda Municipal) não militarizada e mais humanizada, que pode estar mais próxima da população auxiliando em muitas atividades que vão desde dar uma informação para as pessoas nas ruas, fazer o patrulhamento fornecendo uma maior sensação de segurança para as pessoas, até mesmo o trabalho comunitário com a ronda escolar que estabelece uma relação positiva com os professores, pais e alunos. “Devemos ampliar o número de guardas e ampliar a sua contribuição nessa área social que colabora com a criação de um conceito de segurança pública que a Polícia Militar no Rio já não pode mais fazer, já que ela está identificada com a violência extrema. A Guarda Municipal tem hoje uma imagem muito positiva e precisamos fomentar isso”, disse ela que tem pesquisas sobre violência urbana e segurança pública, atuando principalmente nos temas juventude, polícia, mídia e movimentos sociais.

Um debate esvaziado

Ibis Silva. Foto : Josué Júnior / BlogVersãoMacuina

Ibis Silva. Foto : Josué Júnior / BlogVersãoMacuina

Para o ex-comandante geral da PMERJ, Coronel Ibis Silva, armas são um meio e não um fim. Segundo ele, esse é um debate vazio. “Não temos como ficar discutindo emendas de leis sobre armamento da Guarda Municipal quando o município ainda não apresentou sequer um plano de segurança pública que verse sobre questões anteriores. Não sabemos a que se destina de fato a Guarda Municipal, pois estamos estagnados entre a determinação da Constituição Federal e aquela dada pelo Estatuto das Guardas que ampliou o escopo de atuação. Ou seja: qual o lugar de fato da GM na Segurança Pública? São questionamentos que a sociedade deve fazer. Os jovens que serão liberados hoje de medidas socioeducativas receberão algum tipo de apoio do município? OU ficarão à mercê do tráfico de drogas e propensos à prática de crimes reais? Devemos nos perguntar sobre isso”, indaga Silva.

Saber se a GM deve utilizar armamento, letal ou não, é antecipar um tema sem antes verificar outro cuja competência é ainda maior: a elaboração de um plano de segurança que forneça indicadores capazes de medir sua eficiência e eficácia. “Precisamos mesmo é conhecer o PLANO DE SEGURANÇA elaborado pelo município. Sem conhecer o plano e o lugar da Guarda Municipal (GM) nesse plano, não há como avaliar se é conveniente ou não que a nossa GM empregue armas. O debate deveria ser: qual é o plano de segurança do município que justifique o emprego de armamento, seja ele letal ou não letal”, afirma Ibis Silva. Não é possível, de acordo com o Coronel, antever os impactos que tal medida poderá causar na população. “Não vejo sentido algum nessa discussão de armar a GM, sem conhecer o papel que os gestores municipais desenharam para essa importante instituição em um plano maior de segurança pública”.

Quanto aos efeitos “não letais” desse tipo de armamento, o ex-comandante disse que tudo vai depender do emprego que lhe é dado, bem como do treinamento de quem o utiliza. A exemplo do cassetete, os danos dependem da intensidade e do local onde é utilizado. “Assim com a taser, ou com a bala de borracha, etc. A questão é vincular o emprego do armamento, letal ou não, a uma doutrina de uso progressivo da força. A questão é de doutrina e treinamento”, explicou. Na opinião do ex-comandante, esta é uma decisão que deve ser tomada no âmbito da política pública. “O município e seus agentes devem atuar preventivamente, na formulação de políticas de prevenção e proteção das camadas mais frágeis da população. Sem um plano de segurança que defina com clareza quais serão os usos devidos para esse tipo de armamento, pode colocar os agentes municipais em uma situação de insegurança com relação ao emprego desse recurso e podemos presumir que o uso indevido, nesse caso, se abaterá enormemente contra as camadas que historicamente têm sido objeto da criminalização secundária, em função da sua fragilidade e vulnerabilidade social”, alerta Silva.

Afinal, qual o lugar da Guarda na segurança pública?

Esta é uma pergunta ainda sem resposta. Como explica Ibis Silva, a Constituição Federal permitiu que os municípios criassem Guardas Municipais com objetivos bem específicos: proteção de seus bens, serviços e instalações. Já a legislação infraconstitucional (Estatuto das Guardas) estendeu essas atribuições, incluindo o “patrulhamento preventivo” como um dos princípios dessas instituições. Precisamos saber qual é o lugar da GM, se aquele definido pela Constituição ou aquele definido pela legislação ordinária. “Nossos vereadores devem cobrar do atual prefeito quanto à elaboração de um Plano de Segurança Municipal. Depois de elaborado (e diante do papel a ser definido de modo claro nesse Plano quanto ao lugar da nossa Guarda Municipal), aí sim, é que deveríamos passar a uma discussão sobre o armamento, sem isso ocorrer é pura esquizofrenia”.

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