Por Mallu Cortês
Para quem nasceu e viveu a vida toda em Xerém, bairro do 4° distrito de Duque de Caxias, o transporte sempre foi uma parte central da rotina. Para chegar à faculdade, são cerca de 6 horas diárias de deslocamento e mais de R$ 500 por mês em custos. Foi dessa vivência que nasceu o Vida em Trânsito, meu primeiro projeto sobre mobilidade urbana, produzido no IFRJ de Belford Roxo, com foco no impacto do tempo de deslocamento nos transportes. Para quem vem de onde eu vim, o transporte consome grande parte da nossa vida.
No ano passado, o Vida em Trânsito fez um recorte sobre o Carnaval. Na busca por entender o acesso à festa sob uma perspectiva periférica, encontrei diversas histórias atravessadas pela mesma dificuldade: foliões que sofrem com os impactos da mobilidade urbana e com as barreiras que a “cidade maravilhosa” impõe justamente para aqueles que a constroem diariamente. Esse problema não é acidental; ele faz parte de um projeto que exclui a população suburbana e periférica do acesso a políticas de bem viver. A tarifa compromete mais de 30% do salário mínimo de um trabalhador, os longos trajetos se tornam um fardo, e a redução dos horários de transporte nos fins de semana e feriados agrava ainda mais a situação. Modais essenciais, como a Linha 2 do Metrô, até recentemente só operavam durante a semana, dificultando ainda mais a mobilidade da população.




Foi desse contexto que nasceu o Foliões em Trânsito, meu xodó que une minha paixão pelo Carnaval e minha luta pela mobilidade urbana. A ideia era dar visibilidade aos trajetos e perrengues enfrentados pela população periférica para chegar até a festa. O projeto se divide em três momentos:
- O Carnaval que acontece dentro do transporte público, como nos blocos Caxias Walter Planet, que percorre o trajeto Central do Brasil x Caxias de trem, e Boto Marinho, que faz o trajeto Praça XV x Paquetá de barca, entre outros.
- O transporte público que se transforma no Carnaval, quando nossas expectativas sobre a festa moldam a maneira como nos deslocamos e percebemos aquele espaço.
- A realidade do transporte público durante os dias de folia, que continua excludente e inacessível, com tarifas abusivas e a falta de transporte adequado no feriado. Afinal, o que deveria ser festa vira um pesadelo quando, ao chegar à Central do Brasil às 22h, o próximo transporte só sai às 5h da manhã. Essa é – ou já foi – a realidade de muita gente que tenta acessar a cidade do Rio de Janeiro.
Dessa inquietação nasceu o manifesto Folia Sem Catracas, um abaixo-assinado na luta por transporte gratuito e 24h durante o Carnaval, trazendo um debate fundamental: quem tem acesso à maior festa do mundo? O próprio povo que constrói essa festa enfrenta barreiras para vivenciá-la.
O manifesto busca popularizar a discussão sobre a Tarifa Zero, mostrando que essa política é possível. Mais de 120 cidades no Brasil já adotaram essa medida, e em todas elas o transporte deu um salto de qualidade. O que nasceu como um sonho ganhou apoiadores, e quando um sonho se sonha junto, ele se torna realidade. Em menos de um mês, já reunimos mais de 6 mil assinaturas nessa luta, além de uma indicação na ALERJ, com o apoio de mais de 10 deputados das bancadas do PT, PSOL, PDT e PSB, e de diversos vereadores do Rio de Janeiro e Niterói. Ganhamos espaço em vários veículos de comunicação, o movimento segue crescendo e ganhando novos apoiadores.
Na última semana, lançamos um estudo produzido pela Jevy Cidades, que aponta que o custo aproximado para implementar a Tarifa Zero durante os 5 dias de Carnaval seria de aproximadamente R$ 38 milhões, menos de 1% do que a festa movimenta na economia da cidade do Rio de Janeiro. O estudo não só comprova a viabilidade da política, mas reforça a necessidade de investir em políticas de bem viver.

Na última semana, lançamos um estudo produzido pela Jevy Cidades, que aponta que o custo aproximado para implementar a Tarifa Zero durante os 5 dias de Carnaval seria de aproximadamente R$ 38 milhões, menos de 1% do que a festa movimenta na economia da cidade do Rio de Janeiro. O estudo não só comprova a viabilidade da política, mas reforça a necessidade de investir em políticas de bem viver.
Além disso, essa campanha trouxe à tona histórias que precisam ser ouvidas. Entrevistamos camelôs que, muitas vezes, dormem na rua porque não têm dinheiro para voltar para casa, uma parte da população que vive parcialmente em situação de rua por conta do impacto dos transportes. Transporte é um direito essencial para garantir todos os outros direitos básicos, ele representa oportunidade e dignidade para a população, é uma pauta que precisa ser tratada com seriedade e urgência, do jeito que está, não pode continuar.
Nossa luta não para! Tivemos conquistas importantes, como em Paracambi, onde dialogamos com a Secretaria de Transportes e conseguimos ampliar os horários noturnos dos ônibus, que já operam sob a política de Tarifa Zero. Além disso, pressionamos a Mobi-Rio, que anunciou a ampliação do horário do BRT, que funcionará 24h durante todo o período de Carnaval. Mas não vamos parar por aqui: queremos garantir uma folia para geral!

O Carnaval é cultura e lazer para a população, e a gratuidade no transporte é a garantia do direito de ir e vir com liberdade. Convido todas, todes e todos a conhecerem nossa página e seguirem nosso projeto Tarifa Zero RJ. O Carnaval é só o começo! Vamos lutar para expandir a política de Tarifa Zero em todo o estado e garantir um transporte público acessível, seguro e digno pra geral. Vem com a gente!
* Mallu Côrtes Ativista pela mobilidade urbana, idealizadora do Tarifa Zero RJ e do Vida em Trânsito. Formada no Curso de Políticas Públicas da Casa Fluminense e graduanda em geografia na UERJ.