Fórum de Mulheres Negras de Itaboraí rompe com o silêncio no município

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Comunicação Casa
Data
3 de setembro de 2021

por Elizabeth Arruda*

Em tempos de desresponsabilização das instituições governamentais e de seus representantes, os movimentos sociais que se colocam como progressistas, de diversos âmbitos e temáticas, atuam incansavelmente na cobrança e responsabilização dessas instituições. Movidos pelo compromisso de impedir que os direitos básicos sejam completamente tomados pela lógica neoliberal, os movimentos sociais são atores fundamentais para fiscalizar e frear as mais diversas tentativas de impedir que a população mais pobre tenha acesso aos direitos básicos.

Neste sentido, na trajetória de conquistas das pautas raciais, os movimentos negros foram fundamentais na construção de politicas públicas como as cotas raciais e a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana. Não à toa estas interlocuções, que resultaram em construções efetivas, aconteceram em gestões ditas progressistas. Entrentanto, a lógica neoliberal tem afetado a forma como as pautas raciais têm sido tratadas no país, fazendo com que alguns movimentos negros tenham que orbitar apenas em torno de iniciativas conservadoras como movimentos de pressão para que determinados direitos não sejam minimizados e/ou retirados.

Visto este contexto, vemos diversas gestões municipais escolherem manter seu caráter e complexo colonial ao não romperem com o silêncio em torno do racismo, com discursos enraizados no mito da democracia racial de um Brasil miscigenado sem preconceitos étnicos.

É neste cenário que emerge o Fórum de Mulheres Negras de Itaboraí (FPMNI) na década de 90 com a coordenação de Idimeia Montes e participantes como Roseane Magali, cumprindo o papel de apontar e gritar aquilo que nos foi ensinado, propositalmente, a esconder, negar e amenizar. O FPMNI surge rompendo com o silêncio simbólico que deseja reforçar a incapacidade de olhar criticamente em torno das questões étnico-raciais no município, apesar de 53% da população itaboraiense ser negra e viver nas periferias do município (IBGE).

De lá para cá são duas décadas de luta protagonizada pelo FPMNI em Itaboraí, comprometida em não deixar esquecer o passado escravocrata e a postura colonial que, ainda hoje, coloca no centro das decisões e disputas políticas os filhos das famílias “tradicionais” do município, leia-se escravocratas.

A educação ocupa um lugar fundamental na estratégia de atuação do Fórum de Mulheres Negras de Itaboraí, pois é através de atividades pedagógicas como rodas de conversas, seminários, plenárias, marchas, reuniões ordinárias e grupo de estudos/leituras que se fazem as inferências sobre a situação da população negra no município. É estimulado também que mulheres negras de diversas idades acessem a universidade nos  diversos cursos, a fim de que a sua produção de conhecimento possa impactar de forma radical a atuação do FPMNI com participação incisiva na construção de políticas públicas e gestão do município. Já no âmbito cultural, o Fórum faz o processo de retomada das raízes e saberes africanos ao reafirmar que samba, jongo, funk, hip-hop, capoeira, entre outros possuem uma matriz e ela é africana. Não nos deixaremos esquecer que todas essas expressões foram idealizadas e construídas por pretos. 

Nos últimos quatro anos faço parte deste Fórum que atualmente funciona sob a coordenação de Eliane Arruda, minha tia. Presenciei, construí e vibrei em todas as atividades que tensionam mais e mais o silêncio imposto pelo racismo neste município. Foram e são diversas atividades como rodas de conversas em escolas municipais, panfletagem, campanhas, manifestações, entrega de cestas básicas, contação de histórias, oficinas de turbantes, luta pelo reconhecimento do povo de axé, encontro de mulheres negras, eventos culturais, além de diversas tentativas de diálogo institucional, algumas positivas, outras negativas. 

É assim que um movimento, a nível nacional, organizado por mulheres negras, têm rompido o silêncio colonial dos municípios. Sem fins lucrativos e apartidário, o Fórum de Mulheres Negras de Itaboraí tem ocupado secretarias, escolas, bibliotecas, praças públicas, sindicatos, associações de moradores e partidos políticos para dizer que não se pode pensar uma gestão municipal sem nós. São muitas as conquistas que comprovam a potência da construção dos Fóruns de Mulheres Negras, como o Fórum Permanente de Diálogo com Mulheres Negras – Marielle Franco, instituído na ALERJ pelo Fórum de Mulheres Negras do Rio de Janeiro (FEMRJ), e a construção dos mandatos de Taliria Perone, Mônica Francisco, Dani Monteiro, Verônica Lima, Benedita da Silva e tantas outras. Nós não existimos no processo eleitoral apenas para entregar panfleto e carregar bandeiras, mas também para disputar cargos, nos eleger e participar das tomadas de decisões. É desta fonte que se espalham os fóruns municipais expandindo as diretrizes e rompendo com o racismo dentro dos seus territórios.

Aqui em Itaboraí, construímos permanentemente mobilizações que pretendem mudar minimamente a situação da população negra. Estamos apontando para uma luta que quer ir além de representatividades vazias e assim, como a capital fluminense e seus municípios adjacentes, queremos colocar mandatos de mulheres negras alinhadas às nossas campanhas na Câmara de Vereadores e nas Secretarias, instituindo um diálogo permanente com mulheres negras nesses espaços.

Um dizer tradicional do movimento de mulheres negras é “Nossos Passos Vêm de Longe” e é por vir de tão longe, que foi tão bem estruturado, idealizado e organizado. Por isso, o FPMNI está e continuará em luta, relembrando os nossos passos e reconstruindo as tecnologias de enfrentamento à perversidade existente nos gestores municipais que não aceitam e se incomodam que rompemos com o silêncio. A depender de nós, não haverá silêncio, haverá luta.

* Elizabeth Arruda é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Integra o Laboratório de Análises e Pesquisas em Democracia e Cidades (LADEC/UFF). Pesquisadora participante do Certificados em Estudos Afrolatinoamericanos do Afro-Latin American Research Institute (ALARI – UNIVERSIDADE DE HARVARD) . Ativista atuante no Fórum de Mulheres Negras de Itaboraí e co-fundadora do Diretório de Estudantes Negros de Ciências Sociais (NECS/UFF).

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