Quais os riscos das fake news para as democracias do mundo?

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Comunicação Casa
Data
25 de janeiro de 2018

 

Atualmente só se fala em bots – robôs eletrônicos que estão na internet se passando por pessoas que emitem opinião sobre tudo. Tais opiniões podem facilmente serem manipuladas em benefício de uma causa ou pessoa, tornando possível fazer crescer uma reação conservadora diante das principais pautas da sociedade civil.

No fim de setembro do ano passado, o programa Globo News Documentário realizou uma investigação sobre fake news e conseguiu descobrir na Macedônia um jovem que aceitou dar entrevista para falar sobre como se dá a atividade por lá. O perfil dos produtores de conteúdos falsos são jovens de 15 a 25 anos, desempregados, que por meio do Google conseguem anunciantes para um determinado site que eles criam e em seguida passam a ganhar muito dinheiro com as notícias falsas. A fonte entrevistada, integrante do “Veles Boys” , afirma ter aprendido com essa atividade duas coisas: 1 – o povo norte-americano é muito estúpido e acredita em qualquer coisa que lê na internet; 2 – se quem publica ganha dinheiro, o Google ganha muito mais e por esse motivo as fake news continuam existindo e quase não há punição alguma.

Dito isso, nos últimos meses temos visto crescer no Brasil o debate sobre as fake news, quando chegou por aqui filiais de empresas de mkt digital político especializadas em perfis falsos e robôs sociais. Alguns especialistas alegam que as atividades dessas empresas se tornaram um risco para as democracias no mundo. Conversamos com o coordenador de projetos em Democracia e Tecnologia do ITS RioMarco Konopacki sobre esse fenômeno que se espalha mundo afora. Confira!

Casa Fluminense – Quais são os riscos do crescimento do fenômeno das fake news nas redes sociais e sites do país hoje na sua opinião? O Brasil é terreno fértil para prosperar esse modelo de atuação? Por quê? Quais são os principais riscos que você verifica nesse fenômeno em um ano eleitoral como 2018?

Marco Konopacki – O Brasil tem algumas características que o fazem um terreno fértil para este fenômeno. Segundo o Digital News Report da Reuters, no Brasil 50% dos consumidores de notícias no Brasil o fazem através ou de mídias sociais (i.e. facebook – 57%), ou através de mensageiros instantâneos (whatsapp – 46%). Adicione a esse dado o fato de que 60% dos brasileiros confiam na notícia que chega até eles, ou seja, qualquer notícia que chega, a maioria da população de brasileiros confia sem questionar. Assim, você tem uma forma barata de difundir notícia usando meios eletrônicos e, sendo que 60% vão confiar na notícia que chega até eles, não importa muito se o conteúdo é real ou fake. Pra ficar melhor, 70% dos brasileiros compartilharam de novo uma notícia que chega até eles. Ou seja, sim o Brasil é um terreno fértil para prosperar esse tipo de atuação e como consequência o processo eleitoral de 2018 deve ser completamente diferente do que vimos antes. Essa será uma eleição dominada pelas redes sociais e a dificuldade de entendermos e lidar com o fenômeno também a torna a mais imprevisível da história.

Casa Fluminense Informação é poder. Se temos uma internet livre e aberta, que garante o acesso e a produção de conteúdo popular, é mais tangível a cultura do monitoramento e a cidadania no Brasil. Porém, sempre existiram notícias falsas na internet livre. A diferença é que agora elas viraram uma arma com o alcance ampliado das redes sociais. O jovem da Macedônia não vê nenhum problema no que ele faz pois de acordo com ele não é ilegal, é apenas por dinheiro, não havendo o julgamento de certo ou errado, mesmo que isso possa definir os rumos das eleições, de um país e do mundo. Qual a sua opinião sobre isso?

Marco Konopacki – Acho que temos que separar o mérito do conteúdo da forma que ele é impulsionado. Acho pouco eficaz julgar se um conteúdo e mais ou menos falso ou mentiroso, a mentira existe desde que a humanidade é humanidade. A mentira e as acusações fazem parte do jogo político e está intrínseco nas nossas relações sociais. A questão está em como separamos e damos transparência a este jogo para que o próprio eleitor possa decidir em quem confiar e em qual verdade ele quer acreditar e confiar.

O que alguns grupos estão fazendo é manipular o algoritmos das redes sociais, ou se aproveitando do perfil político cultural do brasileiro para criar verdadeiras bombas de efeito moral discursivo. No exemplo do jovem da Macedônia, podemos perceber que para se destruir a reputação de uma pessoa hoje custa muito barato. Com poucos recursos financeiros é possível destruir uma reputação. O digital barateou uma série de coisas, não demoraria para alguns perceberem que poderiam ganhar dinheiro destruindo reputações ou impulsionando conteúdos duvidosos na rede.

A resposta a isso não é questionar a liberdade da rede, mas sim criar condições para que estas manipulações apareçam e que as pessoas possam decidir como lidar com elas. O grande problema é que hoje isso é feito para não aparecer. As pessoas criaram um modo de uso muito passivo da tecnologia, mas só a partir do momento que se criar consciência de como essa manipulação funciona é que criaremos cidadãos mais empoderados e informados para lidar com esse tipo de situação. Nas eleições deste ano o Tribunal Superior Eleitoral terá um papel super importante na conscientização do eleitorado sobre como lidar com isso.

Casa Fluminense Essa terra livre que ainda é a internet poderá sofrer restrições no futuro uma vez que gerou esse disturbio global recente das fake news? Há alguma regra ou lei que possa impedir a difusão de conteúdos falsos?

Marco Konopacki – Estamos muito atentos a qualquer possível ataque a internet. Não se pode querer combater a má intenção de alguns restringindo as liberdades de todos. O governo anunciou que irá usar a ABIN e outras estruturas de forças de segurança nacional para combater notícias falsas. Isso é uma ameaça a liberdade de expressão e a liberdade na rede.

Casa Fluminense – A exemplo das votações disponíveis no site do Senado, como é possível exercer cidadania eletrônica, exigir transparência e realizar o controle social da gestão pública na era dos Bots? São resultados confiáveis que servem de parâmetros reais da opinião popular acerca de um tema?

Marco Konopacki – Um caminho para amadurecer os aparatos eletrônicos é a construção de mecanismos que dêem mais confiança às informações trocadas na rede. Redes de blockchain são o início dessa transformação. No futuro teremos identidades digitais que poderemos verificar e isso valerá para qualquer conteúdo que trocamos na rede. O ITS desenvolve pesquisas nessa área para pensar uma internet mais forte agregando o elemento da confiança com blockchain. Imaginamos que ferramentas de participaçao que se baseiem em identidades digitais fortes também fortalecem esses instrumentos de participação na medida que garantem a autenticidade daquilo que é votado ou dialogado nessas ferramentas.

Casa Fluminense – É possível vislumbrar um cenário onde o marco civil da internet esteja ameaçado com o crescimento do fenômeno fake news no Brasil? Como o Marco Civil pode contribuir para a construção da governança transparente da gestão pública e minimizar o problema das fake news?

Marco Konopacki – O Marco Civil da internet foi o principal instrumento para garantir a liberdade de expressão dos usuários na rede, quando garantiu a neutralidade da rede e a não responsabilização de intermediários quanto a conteúdo de terceiros. O Marco Civil separa as camadas de infraestrutura e conteúdo e na camada de conteúdo que esse tipo de manipulação acontece. A lei do Marco Civil estabelece os procedimentos que as autoridades policiais devem utilizar para investigar crimes cometidos na internet. Logo, qualquer tentativa de alterar o Marco Civil sob o pretexto de combater esse fenômeno é na verdade uma ameaça ao Marco Civil, pois todos os instrumentos necessários para combater as fake news e as manipulação discursivas já são oferecidas pelo MCI. Talvez ainda falte uma etapa de formação de como combater esse fenômeno e estamos aprendendo conforme a história acontece.

Casa Fluminense – De quem é a culpa por esse fenômeno existir hoje? Das pessoas que acreditam nas mentiras on line? Ou dos gigantes da comunicação virtual que seguem pagando pelos cliques em conteúdos falsos? Ou ainda, das empresas de mídia corporativa que reproduzem tais conteúdos mesmo sabendo da procedência duvidosa delas?

Marco Konopacki – Difícil estabelecer um ponto unívoco de culpa. Acho que é acima de tudo um fenômeno cultural aproveitado por uma meia dúzia de grupos. Essas são as dores do parto da modernidade, estamos lidando com a novidade a medida que ela aparece. Acredito que existem uma série de ameaças, mas também existem muitas inovações surgindo em resposta a este fenômeno. O próprio ITS deve lançar um projeto ainda este mês para ajudar a população a lidar com estas questões. O que não dá pra pensar é parar a roda da história porque as pessoas subverteram uma tecnologia. A resposta é uma subversão para subversão e assim tornamos nossos usos sobre ela mais sofisticados.

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