Cuidar do território também é cuidar da vida. Em Seropédica, na Baixada Fluminense, a Comunidade de Terreiro AfroIndígena Casa do Perdão cultiva práticas que unem espiritualidade, memória, educação e sustentabilidade. Através do projeto “Ciclo Axé: educação ambiental a partir da ancestralidade”, a comunidade tem promovido ecologia sagrada e solução climática local.
Segundo dados do Cobradô, plataforma de monitoramento da Casa Fluminense, 66% dos domicílios da RMRJ estão localizados em ilhas de calor. É neste contexto de emergência climática que a Comunidade tem aproximado práticas de sustentabilidade dos saberes ancestrais, promovendo por meio do projeto Ciclo Axé, oficinas, formações e ações voltadas à redução do impacto climático, produção de alimento e cuidado com o meio ambiente.
Apoiados em 2025 pelo Edital Agenda Rio 2030: tecnologias de bem-viver e direito à cidade, do Fundo Casa Fluminense, a comunidade realizou como parte das atividades do Ciclo Axé, a instalação de um biodigestor, tecnologia que permite transformar resíduos orgânicos em biogás e fertilizante natural. Segundo Felipe Luther, sociólogo, ambientalista e membro da Casa do Perdão, essa também é uma forma de reduzir as emissões de gás carbônico. “Anualmente, esse biodigestor evita a emissão de cerca de 6 toneladas de CO₂ na natureza, como se fossem 300 árvores jovens absorvendo o gás”, comparou Luther.

Além da solução climática, por mês o biodigestor produz para a cozinha do terreiro o equivalente a um botijão de gás e 18 litros de biofertilizante utilizado na horta. Para eles, essa tecnologia funciona como ferramenta educativa, onde os participantes da formação do Ciclo Axé podem compreender de perto como as soluções desenvolvidas localmente podem impactar o clima e gerar soluções transformadoras para o território.
Fundado em 2003 pela Mãe Flávia Pinto, ialorixá, socióloga, escritora e ativista dos direitos humanos, o Terreiro AfroIndígena Casa do Perdão se consolidou como um espaço de sustentabilidade, acolhimento, cultura e fortalecimento comunitário. “A gente tem contribuído para a defesa do meio ambiente e clima, e tem sido bastante importante compartilhar essa ideia com outros povos tradicionais. Principalmente para nós entendermos que, com um pequeno espaço, já podemos produzir uma porção de coisas”, afirma Mãe Flávia.
Reconhecido como Ponto de Cultura e Memória, o terreiro desenvolve ações que vão além das práticas religiosas. Entre capoeira, reforço escolar, corte e costura, marcenaria, oficinas de percussão e apoio alimentar e espiritual, a Casa do Perdão trabalha para ampliar a autoestima, autonomia, promover sustentabilidade e resistência nos territórios.


A produção orgânica, apoiada pelo uso do biofertilizante gerado no biodigestor, alimenta práticas comunitárias, ações espirituais e a própria cozinha do terreiro, fortalecendo um ciclo completo de cuidado. Entendendo que sustentabilidade é também continuidade de memória. “Aqui a gente tem dendezeiros, e é uma emoção muito grande uma casa de axé fazer seu próprio azeite de dendê. Temos sete qualidades diferentes de ervas, desde as de uso espiritual até as de alimentação. Isso é tecnologia ancestral”, afirma Gustavo, Dofono de Iemanjá, membro do terreiro.
O trabalho da Casa do Perdão dialoga diretamente com a prioritária de “Secretaria do Clima” presente na Agenda Rio 2030. Seropédica, faz parte de um dos municípios do Rio de Janeiro que não tem Secretaria do Clima. Ou seja, promover educação ambiental, reduzir resíduos e gases poluentes no território é pensar soluções climáticas para além das ações que o governo municipal tem projetado. O projeto também está conectado com a proposta de políticas públicas de “Sistemas de Cultura e Memória”, protegendo e fortalecendo saberes afro-brasileiros e indígenas, reproduzindo e reconhecendo práticas ancestrais como fundamentais para a sustentabilidade e a justiça climática.

Através do Ciclo Axé, a Comunidade de Terreiro AfroIndígena Casa do Perdão deixa como legado a redução estimada de 6 toneladas de CO₂ por ano, a produção mensal de biogás e biofertilizante, formação comunitária em sustentabilidade e o fortalecimento da autonomia dos terreiros. A Casa do Perdão mostra que cuidar da natureza é também preservar memória, espiritualidade e comunidade, e relembrando que a justiça climática começa nos territórios.
“Em um ano de COP 30, onde o mundo debate sobre o clima, desmatamento, poluição, a gente demonstra que a favela e os mais de 27 povos tradicionais que existem no Brasil sempre tiveram a solução para a crise climática”, afirma Luther sobre a importância simbólica do projeto em um ano marcado pela 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.
Apoie e acompanhe o trabalho da de Terreiro Afroindígena Casa do Perdão através das suas redes sociais: @casadoperdao.