O acesso à informação é mais difícil no Rio metropolitano do que no território fluminense como um todo. A conclusão é fruto da análise da Escala Brasil Transparente (EBT), produzida pelo Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União. No levantamento, a nota média dos municípios da região metropolitana (4,23) é menor do que a do estado (5). Penúltimo colocado entre todas as unidades da federação, o Rio está à frente só do Amapá (0).
Para Juliana Sakai, coordenadora de projetos da ONG Transparência Brasil, a avaliação mostra que a situação da região metropolitana é “preocupante”. “O ranking não afere qualitativamente o nível de transparência de cada órgão, mas se eles estão cumprindo os pontos básicos da Lei de Acesso à Informação”, afirma ela. Além do descompasso com o estado, o trabalho também revela as desigualdades internas da metrópole. De acordo com o estudo, as prefeituras do Leste Metropolitano são ligeiramente mais transparentes do que as da Baixada. No Leste, a nota média verificada em Cachoeiras de Macacu, Guapimirim, Itaboraí, Maricá, Niterói, Rio Bonito e São Gonçalo é 4,26. Já na Baixada, Belford Roxo, Duque de Caxias, Mangaratiba, Nilópolis, Nova Iguaçu, Paracambi, Queimados e São João do Meriti tiveram pontuação média de 4,02. A capital registrou 5,83. O desempenho isolado de algumas cidades também merece destaque. Niterói tirou 10 e ficou com o 1º lugar nacional. Com nota 0, Guapimirim e Paracambi dividiram a última posição do ranking. Como a EBT seleciona municípios por amostragem, Magé, Mesquita, Seropédica e Tanguá não foram avaliadas.
A Escala Brasil Transparente foi produzida a partir de dados colhidos entre junho de 2016 e janeiro de 2017. Para o levantamento, foram consultadas 72 prefeituras fluminenses, 16 delas integrantes da região metropolitana do Rio (RMRJ). Um quarto da nota final dada a cada cidade diz respeito à regulamentação da Lei de Acesso à Informação (LAI) nesses locais, ou seja, à existência de uma norma municipal que organize a divulgação de dados e à apresentação dessa regra em sites oficiais. O restante da nota está vinculado a questões ligadas à existência e funcionamento do chamado Serviço de Informação ao Cidadão, como o envio de respostas aos pedidos dentro do prazo previsto por lei e a oferta de um canal online para solicitação de dados. De acordo com o Painel de Monitoramento da Casa Fluminense, Guapimirim, Magé, Mesquita, Paracambi e Tanguá não contavam com um serviço do tipo em 2016, apesar dele ser previsto no artigo 10 da LAI. “Poder pedir dados pela internet faz uma enorme diferença para o cidadão comum e torna o Estado muito mais transparente”, diz Mariana Tamari, oficial do programa de acesso à informação da ONG Artigo 19.
A LAI ou lei 12.527 está em vigor desde maio de 2012 e foi debatida durante o 9º Fórum Rio, provando o seu importante papel na cultura de monitoramento da gestão pública. Seu objetivo é permitir que os cidadãos acessem de forma ágil e clara informações produzidas pelas diferentes instâncias do Estado, como governos federal, estaduais, municipais e empresas públicas. Para isso, a lei prevê a divulgação regular de dados de interesse coletivo e o fornecimento obrigatório de informações solicitadas pelos cidadãos (leia mais sobre isso ao fim do texto). A LAI também vale para documentos que deem conta da violação de direitos humanos cometidas por agentes públicos ou a mando de autoridades e define como exceção os itens que não podem ser divulgados. O sigilo se aplica apenas a casos especiais, como dados ligados ao planejamento de operações militares, projetos de desenvolvimento científico ou investigações em andamentos, entre outros. O texto prevê que todo órgão federal deve contar com uma pessoa responsável por assegurar o acesso à informação. Em caso de descumprimento das regras da norma, os servidores públicos ficam sujeitos a punições que podem chegar à acusação de crime de improbidade administrativa, cuja pena máxima é de cinco anos de prisão.
Alguns obstáculos
Muito bonita no papel, a Lei de Acesso à Informação ainda enfrenta obstáculos para decolar. A falta de meios para o envio de pedidos de informação e o encaminhamento de respostas pouco precisas ou com atraso são alguns deles. Juliana acrescenta outros itens a essa lista, como o uso de linguagem complicada e termos jurídicos nos retornos enviados aos cidadãos e a alegação de que dados são sigilosos de forma indiscriminada. “O acesso a contratos e licitações é um dos mais difíceis de ser feito e envolve justamente um dos principais pontos de qualquer administração”, destaca Mariana. Um exemplo do que ela diz é ausência, nos sites oficiais de 17 municípios da RMRJ, dos acordos firmados para o fornecimento de água e a disponibilização online pela prefeitura de Cachoeira de Macacu de relatórios consolidados de receitas e despesas só até 2013. Desse ano em diante, o município oferece acesso aos valores apenas de forma individualizada.
No começo de março, Casa Fluminense, Artigo 19 e Observatório Social do Rio de Janeiro repassaram a Marcelo Crivella um ofício abordando os principais problemas relativos ao acesso à informação na capital do estado. No campo da chamada transparência ativa (fornecimento voluntário de informações), o documento questionou o fato dos pedidos de dados municipais serem encaminhados por meio do Portal 1746, mesmo site em que a prefeitura recebe reclamações sobre serviços públicos. Segundo as organizações, isso pode gerar confusão por parte dos usuários. Problemas com sites oficiais não são exclusividade da cidade do Rio. A Casa verificou que o portal de São João do Meriti, por exemplo, está apto a receber solicitações de informação, mas não confirma o recebimento delas, como está previsto no artigo 9 da LAI. A falta de dados nos sites é outra questão abordada no ofício. De acordo com o informe, os portais Transparência Carioca, Transparência Olímpica, Transparência da Mobilidade e Rio Transparente raramente disponibilizam itens como cronogramas de obras e editais.
Já em relação à transparência passiva (resposta aos pedidos de informações solicitadas pelos cidadãos), o ofício informou sobre dois problemas. O primeiro é a exigência de identificação excessiva do requerente. Para solicitar qualquer dado à prefeitura do Rio presencialmente, o cidadão precisa ir até a sede administrativa e deixar uma cópia de sua identidade para cada pedido protocolado. A regra abre espaço para intimidação por parte dos servidores e contraria o artigo 10 da lei 12.527, que não prevê o fornecimento de documento para acesso à informação. “Muitos dos funcionários públicos responsáveis pelo atendimento dos pedidos são mal preparados”, diz Juliana. O segundo item apontado pelo ofício é o atraso no repasse dos dados. A lei estipula 30 dias. Mas, em alguns casos, a demora pode durar vários meses. Isso quando a solicitação não é ignorada, como aconteceu em levantamento recente da Transparência Brasil.
O descumprimento da lei 12.527 gera diversos efeitos colaterais. “A primeira consequência da falta de transparência é a corrupção”, lembra Mariana. “Em governos mais transparentes, a tendência é que o orçamento público seja usado de forma mais eficiente”, pontua Juliana. A dificuldade na avaliação de políticas públicas e a inviabilidade do controle social do Estado pela sociedade são outros desdobramentos, segundo Guia Prático da Lei de Acesso à Informação. Entre os especialistas, é consenso que obedecer a norma só trará benefícios. “Cumprir a LAI ajuda o Estado a manter organizadas suas próprias informações”, resume Mariana.
A implantação de instrumentos de transparência como a Lei de Acesso à Informação é uma das metas da Agenda Rio, conjunto de propostas da Casa Fluminense para a região metropolitana. No Plano Estratégico a prefeitura traz a meta de “Alcançar nota máxima no ranking Escala Brasil Transparente (EBT) do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União até 2020”. Estamos de olho!
Saiba mais: Lei de Acesso à Informação – Você sabe como usar?