Duque de Caxias é uma das cidades que correm o risco de ficar submersa até 2100. Essa projeção faz parte de um estudo feito pela ONG Climate Central que pesquisou esses riscos levando em conta a acelerada alta do nível do mar. Mas, as inundações já são um problema que assusta o hoje dos moradores. Perto da 40º Semana Nacional do Meio Ambiente, a população de Caxias luta para que uma região considerada Área de Proteção Ambiental (APA) seja de fato preservada.
O Campo do Bomba, localizado dentro da APA de São Bento, corre o risco de ser aterrado. Especialistas preveem que esta obra deve piorar as inundações por toda Caxias e outros 6 municípios. São eles: São João de Meriti, Belford Roxo, Nilópolis, Mesquita, Nova Iguaçu e Rio de Janeiro (zona oeste). Só nos municípios da Baixada Fluminense citados, nos últimos 8 anos, os fenômenos de inundações e alagamentos obrigaram mais de 6 mil pessoas a abandonar suas casas, seja de forma temporária ou definitiva. Os dados da Secretaria de Estado de Defesa Civil (SEDEC) levam em consideração moradores que precisaram sair por conta de evacuações preventivas, danos ou destruição da residência.
A prefeitura da cidade de Caxias quer transformar a área em uma central de abastecimento de distribuição para todo o estado, que já tem um histórico de vítimas de desastres ambientais. O Rio de Janeiro atravessou a última década sendo responsável por mais de dois terços desse tipo de mortes no Brasil. Segundo dados do Mapa da Desigualdade, de 2010 a 2018, dos 1.774 óbitos registrados, 1.263 aconteceram em território fluminense. O Ministério da Saúde inclui nesses dados vítimas de avalanche, desabamento de terra, tempestade cataclísmica e inundação. A obra no Campo do Bomba já foi licitada mas segundo especialistas entrevistados, não foi apresentado nenhum licenciamento ambiental.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) é o dono oficial do terreno mas, recentemente, doou a área para a gestão caxiense. O impasse da obra chegou até ao Ministério Público Federal que recomendou a interdição imediata da construção. Em seguida, o MPF também solicitou a apresentação de um estudo hidrográfico da área para avaliar os impactos da criação da central de abastecimento no local.
O Campo do Bomba pode ser considerado uma planície de inundação, ou seja, uma área que margeia o curso dos rios e costuma inundar em períodos de cheia. Para a pesquisadora da UERJ, Cleonice Puggian, mapas indicam que o Campo do Bomba contribui para reduzir as inundações em comunidades como São Bento e Pilar, pois ajuda a acumular água oriunda dos rios Iguaçu e Sarapuí. A pesquisadora afirma ainda que estudos hidrológicos são necessários para determinar a extensão do impacto do empreendimento previsto para o local, especialmente em cenários de cheia.
“Se chove muito e a maré enche, o efeito das inundações tende a ser mais grave. A água dos rios vai ocupando rapidamente as áreas mais baixas, onde moram pessoas pobres, como é o caso da Comunidade do Guedes. Além disso, o aterramento costuma causar alterações no lençol freático, o que também pode atingir essas comunidades. É extremamente necessário conhecer a hidrologia local e realizar estudos que assegurem a viabilidade do empreendimento”, concluiu a pesquisadora da UERJ.
O Futuro do Quilombo
O nome Campo do Bomba é uma homenagem ao antigo líder quilombola da região, essa história de resistência é um dos destaques na carta do movimento Foras Caxias que reúne 25 entidades contrárias ao aterramento. Entre os argumentos estão o perigo ambiental que a obra provoca, a falta de participação social nesta decisão e contestação da doação feita do terreno.
A APA de São Bento foi a primeira área de proteção ambiental do município. A região está entre o Rio Iguaçu e o Rio Sarapuí, que deságua na Baía de Guanabara, e nas costas para a Serra do Tinguá. O extenso território também é cortado pela Rodovia Washington Luís e uma linha férrea. Todos esses adjacentes provocam um impacto na área de preservação, que também abriga vegetação remanescente de Mata Atlântica, animais e sítios arqueológicos cadastrados no Instituto Brasileiro de Arqueologia.
Por conta dessa localização, o aterramento terá impacto direto não só em Caxias mas também em outros 5 municípios. Todos esses territórios serão afetados, em proporções diferentes, pelas alterações que a obra vai causar da Bacia dos Rios Iguaçu e Sarapuí. Por isso, uma das defesas do Foras Caxias é que a discussão do tema não fique só na prefeitura de Caxias e vire um debate da Câmara Metropolitana do Rio de Janeiro. Esses próximos passos foram discutidos também junto à Alerj, uma audiência pública foi realizada recentemente e uma nova está marcada para este mês.
Ilustração do problema
Existem dois mapas que ajudam a ilustrar o cenário atual do Campo do Bomba. Este primeiro é da própria prefeitura, nele é possível entender como o terreno já é altamente afetado com nível de água.
O segundo mapa é do Subcomitê Oeste. O levantamento realizado em 2020, apresenta como a região é suscetível à inundação.
O legado Washington Reis
O atual prefeito da cidade é um velho conhecido da população caxiense. Em 2005, Washington Reis assumiu pela primeira vez o cargo. Uma das suas medidas na época foi um decreto que excluía o Campo do Bomba da APA de São Bento. A professora e integrante do movimento Foras Caxias, Marlucia Santos de Souza, faz parte da mobilização que tenta impedir o aterramento. Ela contou que outra mudança feita ainda neste primeiro mandato foi uma alteração no plano diretor da cidade. A mudança transformou o Campo do Bomba em área de interesse de negócios.
“Nesta época eu fazia parte do conselho da APA, mas não fomos informados dessas alterações. Tudo isso foi feito na surdina, só descobrimos anos depois. Quando o Washington volta para a gestão, há 4 anos atrás, ele constrói a proposta da instalação do centro de abastecimento na região”, explicou Marlucia.
Washington Reis já foi condenado por dois crimes ambientais. O primeiro em 2016, quando era deputado federal, o político foi acusado pelo Supremo Tribunal Federal de ter causado dano ambiental após uma divisão irregular de terrenos em um loteamento em Xerém, no entorno da Reserva do Tinguá. A obra teria causado corte na vegetação e desviado o curso da água da região. O outro caso ocorreu no ano seguinte, quando a justiça suspendeu a construção de um cemitério em Caxias após suspeita de irregularidades. A obra estava sendo feita em um mangue na Baía de Guanabara e teria sido iniciada ainda sem licitação.