Os dados são importantes ferramentas para a construção de políticas públicas, são eles que direcionam e lançam luz sobre um problema que o poder público precisa resolver. Quando não se produz dados sobre uma população, não existe diagnóstico, nem demanda, logo, não há política. Esse é o desafio que a comunidade LGBTQIA+, principalmente a população transgênera, enfrenta.
O Mapa da Desigualdade, uma ferramenta de monitoramento de indicadores produzida pela Casa Fluminense, destaca como a falta de informação sobre populações historicamente marginalizadas, como a população trans, gera desinformação e contribui para a invisibilidade. É principalmente a partir dessa urgência que a Liga Transmasculina João W. Nery vêm atuando, promovendo ações que pautem as demandas da população trans negra, indígena e periférica. A Liga colabora para a criação de espaço de acolhimento, compartilhamento de informações e construção de políticas para homens trans, não-bináries e intersexo.
Desde 2019, diferentes identidades transmasculinas, majoritariamente negras, têm construído esse projeto. Entre elas está Francisco Espírito Santo, homem trans, preto, psicólogo em formação, membro-diretor da Liga, liderança e ativista pela causa da população transmasculina. Conhecendo de perto a necessidade de escuta, acolhimento e compartilhamento de informações, Francisco organizou o seminário “Saúde mental e reprodutiva dos homens trans: olhares racializados, inclusivos e diversos”, que abordou o acesso à saúde, assistência e acolhimento de pessoas afastadas desses espaços e não alcançadas pelas políticas públicas.
“O que a transmasculinidade mais precisa é acolhimento. Decidi que a gente poderia pegar a política do acolhimento e trazer para dentro da transsexualidade, para nossos corpos, que já são corpos políticos. A ideia é passar informação e prospectar esses conhecimentos para outras pessoas trans”, afirmou Francisco.
O atendimento adequado na saúde pública é uma demanda urgente para a população trans. Segundo o Mapa da Desigualdade, sete municípios da Região Metropolitana do Rio possuem menos da metade da sua população coberta pela atenção básica de saúde. Na Agenda Rio 2030, ter Mais Cobertura de Atenção Básica, é uma proposta de política prioritária, que projeta a formação sobre saúde da população LGBTQIA+ como um dos passos para a implementação da política. “Que tenha saúde prioritária, que tenha atendimento, bem-viver, também para as pessoas trans, que muitas vezes são excluídas dessas atenções essenciais como cidadãos”, reivindica a liderança.
Francisco entendeu que, além de criar espaços de acolhimento e compartilhamento de informações, era necessário também projetar a construção de políticas que atendam a população transmasculina. Pensando nisso, durante o seminário ele abriu o questionário sobre saúde mental e reprodutiva de pessoas transmasculinas, colocando em prática a Geração Cidadã de Dados. O objetivo é criar um banco de informação que permita diagnosticar a realidade e identificar as necessidades específicas dessa comunidade. “Nós precisamos de dados para poder cobrar o que a gente necessita e não estamos tendo, principalmente no SUS”, compartilhou Francisco.
A Liga Transmasculina João W. Nery é um dos projetos selecionados pelo Edital Agenda Rio 2030 do Fundo Casa Fluminense – que tem o objetivo apoiar iniciativas que promovam um futuro mais justo e igualitário para a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Através desse apoio, a Liga segue fortalecendo suas ações em defesa da saúde e dos direitos da população transmasculina, ampliando o acesso a políticas públicas e promovendo a produção e compartilhamento de conhecimento sobre essa população historicamente invisibilizada.