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Cultura na Agenda Climática Global

Por Taty Maria e Letícia Marinho

Reconhecer que a cultura é um pilar fundamental no combate às mudanças climáticas é um esforço que vem sendo debatido desde a primeira COP, pelas lideranças indígenas,  de modo que com o tempo e fortalecimento do campo com outras lideranças e atores culturais, a conexão cultura e clima não tem mais como ser ignorada. 

Cultura é entretenimento e festa, mas também é memória e resistência. Ela  possibilita novas imaginações, é fonte de saberes e práticas comunitárias e ancestrais, ferramenta de conscientização, engajamento e mobilização para alcançar a justiça climática. É a partir dela que vem sendo orientado debates e ações de adaptação e preservação em diálogo com as soluções locais produzidas dentro de territórios vulnerabilizados, mas que precisam ser ampliadas, valorizadas e reconhecidas. 

A presença cultural dentro da COP vem numa crescente desde a COP25, em Madri (2019), com a coalizão Climate Heritage Network que representa mais de 500 organizações que defendem a inclusão da cultura no centro das políticas climáticas. Na edição seguinte, em Glasgow (2021), marcou a primeira menção do termo “cultura” numa decisão oficial de COP, e em 2022, na COP27, o termo “patrimônio cultural” foi incluído. Essas referências simbólicas seguem a linha do tempo com alguns avanços como o Marco do Objetivo Global de Adaptação (GGA) que incluiu a proteção de sítios e práticas culturais entre suas metas, a campanha “Chamada Global para colocar o Patrimônio Cultural, as Artes e as Indústrias Criativas no Centro da Ação Climática”, e a criação do Grupo de Amigos pela Ação Climática Baseada na Cultura (GFCBCA), na COP28, em Dubai. 

Apesar desses esforços, o sucesso político da cultura tem sido parcial. O Balanço Global (GST) da COP28 apagou as referências às dimensões sociais e culturais, e portanto o progresso até então alcançado, não foi visto em Baku, na COP29. Logo, chegamos em Belém, sem uma base sólida, porém com esperanças de que a cultura esteja devidamente incorporada à agenda de negociações da COP30, para além das referências simbólicas. Movimentos como We Make Tomorrow destacam a importância da cultura nas discussões sobre mudanças climáticas e buscam garantir um reconhecimento mais profundo da cultura antes do Segundo Balanço Global (GST2), a ser lançado na COP31, em 2026.

As expectativas se ampliam ainda mais ao ter a Amazônia como palco para esse grande encontro, uma vez que esse território materializa o grande chamado de urgência global, que é justamente a não separação das relações humano, natureza e desenvolvimento e sim sua incorporação como identidade. Caminhando para ser uma das edições com mais ativações para o debate cultural, como o Pavilhão de Entretenimento + Cultura, a participação ativa do Ministério da Cultura em atividades da blue e green zone, como oficinas, painéis e apresentações artísticas abertas ao público e o Pavilhão do Círculo dos povos, presidido pela ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, os próximos dias serão um grande marco para o campo mas reforça também o desafio e a responsabilidade daqueles que estão nesses espaços perante a todos que representam e aos que ainda não conseguem estar. 

Para além dos desafios colocados nos espaços de tomadas de decisão, um outro desafio posto é a necessidade de uma maior aproximação e pertencimento do setor cultural com o debate climático. Para Eduardo Carvalho, diretor da Outra Onda Conteúdo e gestor cultural, os “climáticos” precisam entender a importância da cultura como ferramenta de mobilização, e os “culturais” de que é importante a gente promover narrativas que abordam as mudanças climáticas, suas diversas formas, através do fazer cultural. Valorizar os saberes tradicionais é uma forma. As verdadeiras soluções também nascem dos territórios, das comunidades tradicionais e das periferias urbanas.

É neste ponto que a Casa Fluminense soma-se a esse debate ao pensar a construção de políticas públicas culturais para priorizar e defender a consolidação dos Sistemas de Cultura com conselho, plano e fundo (CPF) feitos com e para mestras e mestres do patrimônio material e imaterial da cultura, a fim de fortalecer sua participação social em espaços de decisões e de fomento, a qualificação na gestão e a descentralização de recursos. Um novo Plano Nacional de Cultura está sendo construído e uma das propostas destaca-se a aprovação da Lei de Mestres e Mestras, já presente em territórios como Maceió (AL) e Recife (PE) com o objetivo de dar condições sociais e materiais aos atores que fazem transmissão dos saberes e fazeres culturais. 

Um passo decisivo para a construção de políticas públicas de resguardo da nossa memória começa por identificar, quantificar e monitorar espaços como quilombos e as aldeias – que só passaram a ser reconhecidos pelo Censo Demográfico nesta última edição de 2022. Muitos desses territórios ainda não são formalmente licenciados, o que implica na ausência de demarcação e na falta de reconhecimento oficial de seus limites e direitos territoriais. A ausência desses dados implica não só em um processo de invisibilização dessas culturas como também dificulta a regularização dessas áreas. É o que mostra os dados da plataforma de monitoramento O Cobradô. 

Para cuidar do clima e da vida, é necessário cuidar das pessoas, dos patrimônios vivos que carregam saberes que servem de inspiração e apontam caminhos de soluções locais baseadas na cultura. É necessário colocar os territórios no centro das decisões que carregam tecnologias sociais e ancestrais no combate às injustiças climáticas. Essa é a mensagem que queremos deixar neste Dia Nacional da Cultura, a cinco dias de começar a COP30. 

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