Em cerca de seis meses, São Gonçalo registrou 2.481 casos de violência doméstica, no período de dezembro de 2021 a junho de 2022. São aproximadamente 12 registros de ocorrência por dia, juntando os dados estatísticos dos equipamentos de São Gonçalo que atuam no enfrentamento da violência contra a mulher. Do total, 1.431 foram registrados na Sala Lilás e 1.050 no Centro Especial de Orientação à Mulher (Ceom) Zuzu Angel.
Estamos em agosto, mês de conscientização da sociedade sobre a violência doméstica. A campanha do Agosto Lilás é fundamental na nossa cidade visto que muitas pessoas ainda não a consideram como uma questão de esfera pública e sim privada, por isso ditados como “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher” continuam sendo muito mencionados. Infelizmente, ainda há o entendimento de que a violência é mera briga de casal. Por isso a importância de informar a população sobre a Lei Maria da Penha e suas nuances, que completou 16 anos esse mês.
É fundamental entender que apesar do mês de agosto ser um mês emblemático, a luta pela vida das mulheres deve ser constante. Foi isso que uniu nossos trabalhos.
Primeira parte: quem somos e nossas lutas
Paola Lima
Quando eu pensei no Projeto Lilás, o objetivo era ajudar as mulheres a saírem da situação de violência. Eu sou advogada desde 2018, uma mulher preta, periférica e sofri com um relacionamento abusivo aos 23 anos. Foi a partir desse lugar que decidi lutar para que outras mulheres pudessem sair desse ciclo de violência.
Iniciei meus trabalhos na Comissão de Assistência às Vítimas de Violência Doméstica da OAB Niterói no ano de 2019. Hoje, meu corre principal é fazer rodas de conversas e dar palestra para que a sociedade toda entenda melhor como funciona a violência doméstica, quais são os meios de denúncia e como fazer para sair do ciclo vicioso. Logo depois comecei a compreender que a violência de gênero é tão ampla que me deparei com a pauta de pobreza menstrual e iniciei a campanha menstruar é natural, no qual arrecadamos mais de 2000 pacotes de absorventes e todos e foram distribuídos para vários projetos sociais que auxiliam mulheres em situação de vulnerabilidade. A ação tomou uma proporção tão grande que saiu no jornal do meu município, O São Gonçalo.
Laura Torres
Apesar de acolher pessoas de todo o estado, o meu trampo mesmo é voltado para dentro do meu território que é São Gonçalo pois é lá que moro há 26 anos e onde a galera sofre com falta de informação. Sou cria do Jardim Catarina, que é caracterizado como a maior favela plana da América Latina. Por ter trabalhado um tempo dentro de um pólo sanitário dentro do território, tive a possibilidade de escutar muitos relatos de mulheres que sofreram violências contra seus corpos e não faziam ideia que aquilo estava acontecendo e muito menos o que podiam fazer e quais eram seus direitos.
Minha intenção quando criei o Espaço Gaia sempre foi a emancipação dos corpos através da informação para assim gerar autonomia e conhecimento sobre o mesmo. Só assim a gente adquire ferramentas para refletir e decidir o que desejamos ou não que seja feito com nosso corpo.
Hoje o meu trampo dentro da cidade é realizado através de rodas de conversa que tem como objetivo não só levar informação como também acolhimento para esse momento que é extremamente vulnerável. Além disso, em parceria com mandatos mais progressistas da cidade, nós começamos a fazer fiscalizações na maternidade na intenção de reduzir tanto as altas taxas de violências que acontecem como também trazer mais humanização para as pessoas que tem como a única opção parir lá.
Segunda parte: o nosso encontro
Nos conhecemos ano passado durante a primeira fiscalização que realizamos na maternidade Mário Najar, em São Gonçalo. As fiscalizações que fizemos começaram em 2021, mas foi só esse ano que conseguimos mudar alguns cenários como: assegurar a entrada da doula, que é uma lei estadual e o município não cumpria; permitir que a pessoa gestante possa levar sua placenta para casa caso ela deseje e soubemos recentemente que pijamas para os acompanhantes e camas PPP (pré, parto e pós parto imediato) foram comprados e estão só esperando chegar.
Foi durante essas idas aos centros médicos voltados para saúde da mulher, que começamos a discutir várias pautas e nos identificamos muito. Até que, coincidentemente, nos encontramos no Curso de Políticas Públicas da Casa Flu e dali pra frente nossa amizade só foi crescendo. Hoje, nós nos identificamos não só como amigas, mas também parceiras de luta porque temos um objetivo em comum muito forte.
Foi assim, dessa parceria, que surgiu a ideia de produzir a Cartilha sobre Violência Obstétrica, Doméstica e Dignidade Menstrual que será lançada neste sábado, dia 13 de agosto, às 14h, no Centro Cultural Joaquim Lavoura, em São Gonçalo. A publicação vai trazer todas as leis que tratam sobre esses tipos de violências para que todas saibam o que deve ser feito nessas horas.
A intenção da cartilha e de todo esse movimento que fazemos dentro do nosso território é que através da informação e do acolhimento possamos criar uma teia entre nós, que temos útero, para nos ajudar, acolhendo, escutando e emancipando umas às outras, até que nenhuma mais tenha o seu corpo violentado.
Paola Lima é advogada e fundadora do Projeto Lilás.
Laura Torres é coordenadora regional da Associação Doulas Solidárias e ativista do Espaço Gaia.