Por João Pedro Martins e Vitor Mihessen*
O ex-governador Sérgio Cabral resolveu falar. Agora réu confesso, no início de abril, Cabral disse à Justiça que o esquema de corrupção no setor de transporte, na verdade, vigorava desde a década de 1980, tendo iniciado no governo de Moreira Franco. Ainda que seja necessário encarar com cautela as delações e esperar por provas, o episódio joga luz para um problema real que favorece interesses privados e esvazia o papel do Estado na gestão do sistema de transporte público do Rio de Janeiro. No entanto, é preciso destacar que mesmo após os esquemas de corrupção serem expostos e políticos influentes e grandes empresários serem presos, nenhuma mudança institucional significativa ocorreu.
Atualmente o governo do estado e as prefeituras continuam sem gerência sobre as informações e os recursos envolvidos nas 7.500.000 viagens diárias que utilizam o sistema de bilhetagem eletrônica gerido pela RioCard. Dona da empresa, a Fetranspor, Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro, controla todas essas informações e dificulta o acesso aos dados detalhados por órgãos de controle e pela administração direta, realidade confirmada por diversos gestores públicos da área. Em novembro de 2017, um Termo de Compromisso foi assinado entre a Defensoria Pública, o Ministério Público e o governo do estado para que fosse realizada a licitação do sistema de bilhetagem eletrônica, estabelecendo um novo modelo de gestão, mais aberto ao controle público e benéfico ao usuário. O prazo venceu dia 24 de abril, mas não existe nenhum sinal que a licitação irá ocorrer.
No Bilhete Único Intermunicipal (BUI), há um subsídio que permite que o valor da integração não ultrapasse R$ 8,55. Para isso, semanalmente, o secretário estadual de Transportes assina autorização de repasses do Fundo Estadual de Transportes para as concessionárias e permissionárias do setor. O problema, como revelou o relatório final da CPI dos Transportes da Alerj, é que isso é feito apenas confiando nos números passados pela RioCard e sem nenhum mecanismo de auditoria dos dados. Um prato cheio para corrupção.
“Enfrentar a máfia dos transportes” e licitar a bilhetagem eletrônica fez parte do conjunto de promessas de campanha do governador Wilson Witzel. Após completar cem dias da nova administração, ainda não se sabe quais medidas concretas serão tomadas para abrir as contas do transporte. No plano de diretrizes prioritárias do governo do estado, existe a intenção vaga de “Análise do Banco de Dados do Bilhete Único Intermunicipal (BUI)”. É necessário ir além. O amplo acesso aos dados do sistema é indispensável para uma definição justa do preço das passagens, o planejamento da operação nas diversas linhas e a melhoria da efetividade da política de subsídio.
Hoje o Bilhete Único Intermunicipal cabe na carteira e pesa no bolso. Com mais transparência e um modelo de financiamento adequado, pode se tornar um aliado ainda mais forte da população fluminense. Para isso, defendemos a aprovação do Projeto de Lei de Nº 3641-A/2017, em discussão na Alerj. O texto estabelece a licitação do serviço de bilhetagem eletrônica e impossibilita que as empresas vinculadas às operadoras do sistema de transportes exerçam a gestão da bilhetagem. Essa ação, em conjunto com outras medidas que aumentem as capacidades estatais de planejamento, regulação e fiscalização do setor de transporte, é um caminho para termos passagens no menor preço possível.
João Pedro Martins é assessor de informação da Casa Fluminense, e Vitor Mihessen é coordenador de informação da Casa Fluminense
</> O artigo foi publicado originalmente no Jornal O Globo, em 21 de maio de 2019: https://oglobo.globo.com/opiniao/artigo-saldo-insuficiente-no-riocard-23674868?versao=amp
Leia também:
Casa Fluminense cobra licitação do Bilhete Único e lança novo Boletim da Agenda Rio