Na sessão de terça-feira (25/08) o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deu um passo importante para a garantia de eleições mais democráticas e antirracistas. Pela primeira vez, as candidaturas negras vão ter uma distribuição proporcional de recursos financeiros e tempo de rádio e tv. Dos 7 ministros, 4 votaram a favor da consulta mas com a ressalva de que ela só passasse a valer nas eleições de 2022.
A mudança só foi possível após consulta pública aberta pela deputada federal Benedita da Silva (PT) e também por conta da pressão de grupos como Instituto Marielle Franco, Educafro, Mulheres Negras Decidem, Coalizão Negra Por Direitos entre outras organizações. A partir das eleições de 2022, 30% dos recursos do fundo eleitoral serão reservados proporcionalmente para os candidatos negros de cada partido. Outro marco importante deixado pelo processo foi a participação popular frente às mudanças do cenário eleitoral junto ao TSE. A advogada Thayná Yaredy, que participou da produção da peça Amicus Curiae (amigos da corte) proposta pela Coalizão Negra Por Direitos, explica a importância de estar presente ativamente das decisões dos tribunais.
“Tivemos a possibilidade de começar a discutir dentro do TSE a participação da sociedade civil. Conseguimos protagonizar a primeira vez em que a sociedade civil incidiu politicamente no Tribunal Superior Eleitoral enquanto uma figura jurídica participativa e propositiva. Isso permite que nós passemos a discutir com protagonismo uma questão que diz respeito a nós, população negra”, afirmou Thayná.
A população brasileira é composta majoritariamente por mulheres negras. Segundo o IBGE, o grupo representa 27% do contingente demográfico do país porém, quando olhamos para os cargos políticos não enxergamos isso. O movimento Mulheres Negras Decidem (MND) mostrou que, em 2014, as candidaturas de mulheres negras representavam apenas 2% do Congresso Nacional e correspondiam somente a 2,51% das despesas gerais de todos os partidos. Olhando a nível estadual esse número não melhora, no estado do Rio de Janeiro temos apenas 4 deputadas negras entre os 70 eleitos.
A aprovação do TSE também marcou a primeira ação da Plataforma Antirracista Nas Eleições (PANE), o espaço criado pelo Instituto Marielle Franco para movimentar as estruturas políticas do Brasil através de ações e ferramentas na disputa eleitoral deste ano. A cofundadora do Mulheres Negras Decidem, Ana Carolina Lourenço, explicou que o próximo desafio é a da garantia da implementação desse processo, ou seja, conseguir que a resolução seja aplicada de forma coerente. Um dos receios apontados tanto por ministros como pelas organizações é a possibilidade de retaliação por frentes políticas contrárias, com uma tentativa de diminuir o número de pré-candidaturas para conseguirem manter a proporção do financiamento sem se comprometer com a mudança.
“A gente sabe que muitas forças e grupos partidários apoiam estratégias para atrapalhar essa implementação. Então agora, o debate saiu desse espaço das instituições e para virar uma pauta que a gente tem que discutir com as pré-candidaturas negras e com os partidos. Isso tudo tem a ver com o próximo passo da PANE, que é uma convocação dos candidatos para que eles pressionem seus partidos a garantir a regulação desse processo. Uma chamada sobretudo para mulheres negras”, afirmou Ana Carolina.
Este ano, os municípios vão eleger prefeitos e vereadores e a pauta racial nunca foi tão cara para se pensar na continuidade da vida e democracia. Por conta disso, a PANE vai iniciar uma campanha para cobrar que os partidos não esperem 2022 para começar a aplicar a proporcionalidade aprovada ontem pelo TSE. A plataforma argumenta que depois de 520 de atraso, não há espaço para se esperar nem um dia a mais.
Vale lembrar que nas últimas eleições na cidade do Rio, em 2016, apenas uma vereadora negra foi eleita. Marielle Franco ingressou seu mandato na Câmara dos Vereadores em 2017 e no ano seguinte, no dia 14 de março de 2018, foi brutalmente assassinada. O caso permanece sem respostas e mostra como raça, gênero, violência, política e território se intercruzam na realidade de desigualdade da metrópole fluminense.
O Mapa da Desigualdade mostrou que no último ciclo legislativo, nos 22 municípios que compõem a Região Metropolitana do Rio, apenas 37% dos vereadores e vereadoras eleitos se declararam pretos ou pardos. O Infográfico da Desigualdade, também produzido pela Casa, mostra que mulheres negras representam apenas 2,83% das cadeiras do legislativos fluminense.
A falta de mulheres negras no legislativo reflete em um Rio mais desigual
A média de mulheres nos legislativos fluminenses é de 15% e em alguns municípios como Magé, Cachoeiras de Macacu, Maricá, Paracambi, Seropédica, São João de Meriti e Itaguaí, não há atualmente nenhuma vereadora eleita. O Mapa aponta também que nenhum dos 22 municípios da região metropolitana cumpre a porcentagem mínima de 30% de mulheres prevista pela política de cotas.
Essa falta de representatividade nas câmaras municipais refletem na ausência de políticas públicas voltadas para vida das mulheres fluminenses, principalmente as mulheres negras e periféricas. O diagnóstico da Casa mostrou que o salário de uma mulher negra equivale a metade de um homem branco. O estudo expôs também outras batalhas que as moradoras da região metropolitana enfrentam diariamente, como por exemplo o seu direito à segurança. Dos municípios que compõem a metrópole, apenas 7 possuem delegacias especializadas de atendimento à mulher, destas 3 ficam na capital carioca.