[Tribuna Rio Por Inteiro] Política Habitacional ou Metrópole mais Inclusiva?

Texto por
Comunicação Casa
Data
26 de janeiro de 2019

*Por Luis Fernando Valverde Salandia, com colaboração de João Pedro Martins e Vitor Mihessen. 

 

Durante a construção da Agenda Rio 2030, a Casa Fluminense realizou fóruns, rodas de conversa e diálogos sobre diferentes temas, com foco na redução das desigualdades. Política Habitacional é um dos temas em que a desigualdade socioterritorial se materializa de forma mais contundente. 

Há uma tendência compreensível de tratar Habitação Social como um tema separado da Política Urbana, uma estratégia para dar visibilidade ao Direito de Moradia que está longe de ser garantido a todos, em especial nos grandes centros urbanos. Resultado disso, vemos a criação de órgãos públicos específicos para tratar da habitação dos mais pobres, a elaboração de planos de habitação de interesse social, e nas administrações mais comprometidas ou pressionadas pelos movimentos organizados, a criação de conselhos e fundos de habitação de interesse social. Estas medidas são necessárias em cidades que pouco tem se preocupado em universalizar o acesso à moradia, alçado a direito social pela Emenda Constitucional 26, ao lado da educação, da saúde, do trabalho, do lazer, da segurança, da previdência social, da proteção à maternidade e à infância, e da assistência aos desamparados.

Avaliamos que, se a preocupação por garantir o direito à moradia não passar também pela reformulação da política urbana, tornando-a sócio espacialmente inclusiva, as estruturas criadas – órgãos, programas, fundos e normas – por mais necessárias que sejam, ficarão limitadas à mitigação dos impactos de um modelo de reprodução da cidade marcado pela desigualdade.

Nas duas últimas décadas avançamos na discussão da função social da propriedade e da cidade, nos familiarizando com o princípio da justa distribuição dos ônus e benefícios do processo de urbanização e com a defesa de uma gestão social da valorização da terra. Mas esta discussão fica muito restrita aos meios acadêmicos e aos movimentos de luta pelo Direito à Cidade, e raramente tem permeado o debate eleitoral, mesmo na escala municipal. A política urbana, de um modo geral, está ausente desses debates, e quando se faz presente, é apenas de forma parcial. Ciclicamente a mídia retoma o tema do crescimento da favelização. O foco está sempre numa suposta falta de controle urbano nas áreas mais valorizadas da metrópole. Mas raramente se questiona a política urbana sócio espacialmente excludente, com a sua legislação urbanística restrita a uma parcela cada vez menor das nossas cidades, aquela onde os mercados formais atuam, e ignorando seu potencial, e seu dever, de garantir o Direito à Moradia.

Os programas de urbanização e regularização fundiária de assentamentos precários, tão necessários para mitigar a desigualdade, precisam ser retomados, mas não podem ser a única resposta para as demandas habitacionais, pois eles se limitam a melhorar as condições urbanas de habitabilidade nos assentamentos produzidos informalmente. É necessário que sejam associados à produção habitacional e à assistência técnica para melhorias habitacionais. 

A produção habitacional de interesse social, que entre 2009 e 2016 recebeu grandes investimentos, não foi acompanhada por uma política urbana que levasse em consideração aspectos necessários à inserção urbana adequada e ao crescimento sustentável das cidades. Os valiosos recursos disponibilizados produziram conjuntos habitacionais com tipologias e formas de apropriação inadequadas às necessidades dos beneficiários, em áreas desprovidas de conectividade, sem “produzir cidade”. A responsabilidade pela localização inadequada dos empreendimentos destinados aos mais pobres foi atribuída às prefeituras, enquanto responsáveis pela política urbana. Mas devemos lembrar que de 3 de cada 4 fluminenses moram na metrópole, uma região metropolitana de mais de 12 milhões de habitantes marcada pela desigualdade socioterritorial, como a Casa Fluminense não cansa de apontar. E na região metropolitana, a responsabilidade é concomitantemente do estado e dos municípios. Cabe então a reflexão do que vamos reivindicar do Governo do Estado e dos parlamentares na ALERJ para mudar este cenário de periferização crescente da moradia. 

A maioria dos municípios fluminenses não tem condições de estruturar equipes de planejamento e até mesmo de licenciamento e fiscalização. A Agenda Rio 2030 coloca como um dos desafios da política metropolitana “Fortalecer o planejamento municipal e metropolitano”, entendendo que o governo estadual deve apoiar as prefeituras para a adoção dos instrumentos de gestão e planejamento municipal, apoio este que poderia ser regionalizado em todo o Estado como parte da redefinição de atribuições/funções das regiões de governo. Neste sentido um dos desafios mais urgentes é implementar os instrumentos de Planejamento e Gestão Metropolitana e as suas instâncias de governança, previstos na Lei Complementar 184, aprovada em 27 de dezembro de 2018; a Agenda Rio 2030 defende que se priorize o desafio de estruturar este marco legal territorial, definindo coletivamente Funções Públicas de Interesse Comum que levem em conta a diversidade dos municípios e a efetividade das políticas públicas compartilhadas.

Precisamos principalmente que os municípios metropolitanos utilizem os seus instrumentos de planejamento urbano como parte da estratégia para alcançar o ODS 11 – Cidades e Comunidades Sustentáveis, no qual destacamos a garantia do acesso à habitação segura e adequada, a sistemas de transporte seguros e sustentáveis, a urbanização inclusiva e sustentável e com acesso universal a espaços públicos seguros e inclusivos, conjunto de metas que em resumo garantem o Direito à Moradia e o Direito à Cidade. Citando Raquel Rolnik, “nosso déficit não é de casas, é de cidade”. Cidade para todos. É nisso que precisamos mirar ao perseguir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

 

*Luis Fernando Valverde Salandia é arquiteto e urbanista e Doutor em Geografia; integra o Conselho Estadual do IAB/RJ e o Conselho Consultivo da Casa Fluminense. Vítor Mihessen é economista e Coordenador de Informação da Casa Fluminense. João Pedro Martins é internacionalista e Assessor de Informação da Casa Fluminense.

 

REFERÊNCIAS

ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO – Lei Complementar Nº 184 de 27/12/2018.

CASA FLUMINENSE. Agenda Rio.

CONGRESSO NACIONAL. Constituição Federal (Texto compilado até a Emenda Constitucional nº 99 de 14/12/2017). 

CONGRESSO NACIONAL. Emenda Constitucional nº 26 de 14/02/2000.

CONGRESSO NACIONAL. Estatuto da Cidade – Lei 10.257 de 10/07/2001. 

CONGRESSO NACIONAL. Estatuto da Metrópole – Lei 13.089 de 12/01/2015.

ROLNIK, Raquel. Nosso déficit não é de casas, é de cidade. Publicado em 06/11/12.

SALANDIA, Luis Fernando Valverde. Desafios metropolitanos à gestão pública de apropriação do espaço urbano no Leste Metropolitano do Rio de Janeiro. Niterói: 2012. Tese (Doutorado em Geografia).

SENADO FEDERAL. As novas possibilidades para o programa Minha Casa, Minha Vida.  Publicado em 08/05/2018.

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