Por Maria Luiza Freire *
O ano eleitoral de 2018 tem demandado não só no Brasil, mas em outros países da América Latina, debates mais francos acerca da representatividade e da participação política da sociedade no processo eleitoral. Este debate é um reflexo de problemas democráticos comuns à região que ultrapassam as fronteiras brasileiras, como a corrupção, o crescimento de desigualdades sociais e a crise de representatividade no mapa político latino-americano. Diante desse contexto, diversos movimentos de renovação política e iniciativas de fortalecimento da cidadania vêm buscando inserir novas narrativas para o momento atual.
Um dos pontos da disputa eleitoral diz respeito aos efeitos do uso antiético da tecnologia e das redes sociais para influenciar opiniões de eleitoras/es. O caso das eleições de 2016 nos Estados Unidos têm papel emblemático no cenário da discussão da segurança digital de usuários de internet e da capacidade de manipulação que as redes sociais possuem. A questão que se coloca, portanto, é como o uso de plataformas digitais e tecnologias podem fortalecer ou enfraquecer a incidência política da sociedade civil.
Brasileiras/os são a terceira população mais conectada à Internet no mundo, gastando em média 9 horas diárias de navegação na web, através de qualquer dispositivo. Mais de 60% (130 milhões) está conectada às redes sociais, o maior número de usuários na América Latina**. A campanha eleitoral de 2018 terá 45 dias ao invés de 90 e contará com menos recursos por conta do limite de gastos e impedimento da doação empresarial, cenário no qual a internet se torna uma estratégia necessária à candidatas/os.
É nesse contexto que a Fundação Cidadania Inteligente (FCI) apresenta a plataforma Vota Inteligente, já testada nas eleições de 2017 no Chile, e que irá apoiar a sociedade civil nas eleições no âmbito da Região Metropolitana do Rio de Janeiro em 2018. No Rio/Brasil, ela tem o nome de #Rio Por Inteiro, concebida em parceria com a Casa Fluminense, uma metodologia que, a partir de uma plataforma digital e um conjunto de encontros, reúne propostas feitas a partir da sociedade, buscando comprometimento pelas candidaturas e monitoramento dos mandatos.
Através de encontros organizados pela sociedade civil no Chile, foram formuladas propostas sobre diferentes temas a partir de demandas da diversidade de grupos sociais chilenos. Ao fim do período de criação das propostas colocadas na plataforma, foram realizados contatos com candidatas/os para comprometimento destas/es sobre as propostas e uma aproximação da sociedade dos projetos de governo. Após a etapa de comprometimentos, há mais uma etapa para qualificar votos com uma tecnologia chamada de Metade da Laranja (Media Naranja), que funciona como um “tinder” da política. A partir de um jogo de perguntas temáticas, eleitoras/es chegam ao resultado de com quais candidaturas mais tem sintonia, ou seja, que defendem as mesmas idéias que estas/es.
Ao todo, foram pouco mais de 2 milhões de acessos na plataforma, mais de 700 propostas criadas, 6 encontros cidadãos, 209 candidaturas inscritas e 2.573 comprometimentos realizados de 350 propostas. Como resultado, indivíduos e organizações juntaram sua força coletiva com a FCI Chile para montar a base de monitoramento dos mandatos das candidaturas comprometidas. O primeiro projeto impulsionado pela plataforma foi a nova lei de imigração do presidente eleito, Miguel Piñera, baseada nas propostas da Vota Inteligente.
Por ser uma plataforma que garante o protagonismo da sociedade e coloca a diversidade no centro do projeto, reunindo propostas criadas coletivamente, fornecendo informações chave como o funcionamento das regras do jogo eleitoral e a atuação dos cargos políticos, serve como material de monitoramento e incidência pós-eleições. Além disso, cria ponte direta entre a sociedade e candidaturas e partidos políticos permitindo que possamos ouvir outras vozes, geralmente pouco presentes no debate público. A plataforma se une ao movimento Rio por Inteiro para demonstrar como a política é um espaço de construção social e coletiva e que deve atender aos interesses do bem comum.
As regras do jogo político mantém grupos minorizados excluídos do debate, minimizando sua potência eleitoral e mantendo um regime de privilégios político. Segundo o coletivo Me Representa, a partir de sua experiência nas eleições de 2016: “Se votamos sempre nos mesmos deputados e vereadores, é também porque não temos ferramentas para conhecer e comparar candidaturas e propostas”. É preciso entender a tecnologia como possibilidade de criação e potência para a cidadania, como estímulo para mudança. O combate ao uso antiético das redes deve ser de múltiplos atores. Ações práticas a partir de uma sociedade civil fortalecida e informada são capazes de mudar os rumos das eleições e influenciar mandatos.
Devemos ir além do discurso de renovação política e fortalecer a cidadania através de informação e ferramentas de atuação, criando mais oportunidades e menos desigualdades.
* Maria Luiza Freire é feminista, formada em Direito pela PUC-Rio e mestranda em Planejamento Regional no IPPUR/UFRJ. Atua como Gerente de Projetos na Fundação Cidadania Inteligente com desenvolvimento local, direitos humanos, governo aberto e inovação pública.
** Dados retirados do estudo sobre o uso de Internet e redes sociais no mundo em 2017 promovido pela agência We Are Social e a plataforma Hootsuite.