Terra e tradição: os desafios enfrentados pelos quilombolas em Magé 

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Texto por
Comunicação Casa
Data
17 de outubro de 2023

Por William Jefferson*

“Magé linda Magé, terra de tradição, Magé linda Magé, terra do coração”, esse é o refrão do hino da cidade, mas que desde sempre não tem representado o seu povo. Um território com um passado tão conhecido dentro do estado do Rio de Janeiro que tanto luta para apagar suas belezas tradicionais.

Um território de nome e história indígena e quilombola que hoje lutamos tanto para resgatar, já que o poder público por tanto tempo lutou para apagar. Tudo isso pode ser evidenciado pelo Mapa da Desigualdade que a Casa Fluminense lançou esse ano. Uma cidade que possui três quilombos e é casa de figuras históricas de resistência como Maria Conga, tem grande parte da sua população sendo vítima do racismo ambiental.

O Mapa da desigualdade de 2023 mostra que Magé é uma cidade onde ninguém possui acesso à coleta e tratamento de esgoto, algo que deveria ser inaceitável quando falamos de um território que possui uma enorme quantidade de rios, cachoeiras, fontes de água potável e de qualidade. A falta de coleta e tratamento de esgoto contribui não só para a poluição da Baía de Guanabara – já que hoje em dia a praia da cidade é imprópria para banho -, como também para a não preservação da natureza do território. Cuidar do meio ambiente deveria ser uma das prioridades, a cidade possui características ambientais únicas, pois está localizada entre a serra e a praia, um dos poucos municípios do estado do Rio de Janeiro com essa geografia.

Em 2020, durante a crise da geosmina na água proveniente do Rio Guandu, a população mageense não sofreu tanto com os impactos, já que a cidade possui abastecimento próprio de água. Não fomos afetados por esse problema, mas isso no fim não é motivo de comemoração, já que apenas 19,8% da população possui acesso à água encanada, a menor da região metropolitana. Um território com tanta abundância aquífera entrega um dado decepcionante, mostrando que só os mais privilegiados recebem. O que não faltam na cidade são bairros inteiros de pessoas que só têm acesso à água através da captação dos rios ou pela construção de poços artesianos como alternativa para manterem sua sobrevivência.

Esse dado ainda piora, os bairros que não recebem esse abastecimento são os mais negros da cidade, cidade que é uma das mais negras da região metropolitana do Rio. Somos o segundo município que mais tem população quilombola na região metropolitana do Rio e como uma das consequências, somos exemplo do racismo ambiental materializado em nossas políticas públicas. 

O Quilombo de Bongaba, no qual faço parte, tem valões e lixão em seu território e sofre com a ausência de serviços de saúde e assistência social. Essa situação de insegurança e falta de infraestrutura não é uma realidade diferente da que podemos encontrar no Quilombo de Maria Conga e no Quilombo do Feital que ainda tem estradas de terra em seu entorno. A cidade que deveria se orgulhar por ser tão preta, é uma das que não constrói políticas públicas para assistir essas populações tão marginalizadas.

O que faz a gente chegar nesse último momento de intensificação do racismo é que Magé se destaca tanto pela sua negritude mas também faz bastante questão de aniquilar sua população preta. Das mortes causadas pelo Estado, 86% eram pessoas negras, isso só faz com que nós, negros dentro dessa cidade, lutemos para sobreviver todo dia.

Tememos muito quem deveria nos proteger, porque lugar com tanto quilombola faz com que sejamos um dos maiores alvos do mecanismo de violência estatal, sendo assim Magé, como muito dos municípios da Baixada Fluminense, é uma terra de contradições que deveria se orgulhar da sua história e principalmente da sua história negra, faz questão de apagar essa história tão importante para o seu povo. No fim a pergunta que ficamos é “Magé Linda Magé, terra de tradição” para quem?

*William Jefferson é biólogo, educador popular, militante antiracista e socioambiental. É formado pelo curso de políticas públicas da Casa Fluminense, Coordenador de cultura e tecnologia do Coletivo Guarani, Fundador do Fórum Climático de Magé e coordenador da Gibiteca Pública Dwayne

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