Por Zeca Ferreira
(com a colaboração de Ialê Falleiros)
Minha primeira relação com Paquetá, como com grande parte dos cariocas, se deu na infância. Filho de pais separados e com muitos irmãos, a ilha representava um programa seguro e garantido nos fins de semana com meu pai: ele comprava o jornal de domingo, alugava uma bicicleta para cada filho e deixava que percorrêssemos por nós mesmos as ruas, ladeiras e perigos (em boa parte imaginários) de Paquetá. No fim do dia, cansaço, sorriso estampado no rosto e um machucado tatuado em cada joelho.
Décadas se passaram até que iniciasse, já adulto, uma nova relação com o bairro. Depois de anos de namoro, resolvemos, eu e minha família, fazer a mudança definitiva para a ilha, o que significa, obrigatoriamente, uma mudança de estilo de vida. Muitos fatores podem ser apontados como determinantes para isso, mas nenhum é tão central quanto a ausência de automóveis nas ruas (exceção feita aos veículos de serviço), que resulta numa relação com o tempo bastante diferente da que encontramos na cidade, onde a cadência da vida se liga à velocidade do trânsito.
São muitos os forasteiros que, a cada nova temporada, vêm para Paquetá em busca de mudanças mais significativas na sua própria existência. Com isso, são também muitos e diversos os olhares sobre a ilha. Mesmo para quem já está aqui há anos, Paquetá não permanece a mesma, sempre é tempo de repensar, rever, “re-conhecer” a ilha a partir de novos e insuspeitos ângulos. Se, num primeiro momento, chegar à ilha dos amores é como viver a possibilidade de ajudar na construção de uma utopia, uma nova forma de convívio, de pensar o comum, logo vem a fase da decepção, do desgaste, do cansaço diante das dificuldades que o cotidiano aqui também apresenta, sobretudo para quem vem acostumado ao lado confortável de uma vida na metrópole.
Assim como, a cada ano, muitos vêm, outros tantos se vão. Perdem o que me parece a melhor parte, a possibilidade de conhecer uma ilha de Paquetá que existe por si e não para representar o papel de um lugar ideal, de ilha utópica para existências cansadas. Um lugar que tem história, que forjou um modo de vida próprio, o seu mais caro patrimônio. Entre o amanhecer na Praia dos Tamoios e o anoitecer na Praia da Guarda, as flores e as frutas da estação, as pedras e as árvores centenárias vão preenchendo o espaço e inspirando a rotina dos moradores com suas bicicletas, dos visitantes com suas câmeras fotográficas, dos poetas e demais artistas atraídos aos montes pelo perfume que desce ao cair da tarde e pela cantoria dos pássaros na alvorada.
Ilha de contradições
Paquetá, como todo território habitado por humanos, é uma ilha de contradições. Aqui, por exemplo, reclama-se o tempo todo. A começar pelas barcas: reclama-se do serviço, da pontualidade, da grade de horários, da qualidade e da velocidade das embarcações; reclama-se, sobretudo, do próprio habitante de Paquetá, que, por supostamente reclamar menos do que deveria, acabaria sendo obrigado a conviver com todos esses problemas.
“Pergunta se o pessoal de Niterói admite um negócio desses?!” é um exemplo de frase repetida todos os dias, nos horários de pico do transporte). Reclama-se do cheiro de esgoto e da sujeira das praias causados pelos empreendimentos na Baía de Guanabara. Reclama-se da falta d’água, da internet lenta, do celular que não dá sinal, da dificuldade de comprar cigarro após as dezoito horas e de uma infinidade de pequenas e grandes coisas, com justiça.
Ainda que os limites visíveis e a segurança de andar por suas ruas pudessem sugerir a ideia de um condomínio fechado – crença comum a muitos moradores -, essa é uma definição que não compreende a ilha. Em Paquetá, por mais que reclamemos e muitas vezes não nos entendamos, há uma necessidade incontornável de encontrar soluções que atendam ao coletivo. Não há na ilha, por exemplo, opção privada de saúde e de educação.
Isso resulta em um obrigatório e mais do que saudável convívio entre diferentes classes sociais, em espaços fundamentais como o centro de saúde e a escola – que estão longe de ser perfeitos, compartilhando boa parte dos problemas assistenciais e do ensino públicos em todo o país. Por mais que esse tipo de desenho possa sugerir uma ideia um tanto falsa de espaço democrático, ao menos parece possível afirmar que, em Paquetá, as contradições de todos nós se deixam ver melhor, o que já é um passo enorme na construção de qualquer diálogo e qualquer solução.
São muitas as ações coletivas que frutificam na ilha. Conheça algumas:
1. Orquestra Jovem Paquetá e Projeto Bem-Te-Vi Paquetá – Trabalho contínuo de formação em música de concerto, o projeto é sediado na Casa de Artes Paquetá e já contabiliza diversas apresentações importantes no Brasil e no exterior.
(http://www.ilhadepaqueta.com.br/casadeartes)
2. Plantar Paquetá – Movimento criado na ilha para a preservação das árvores existentes e replantio. (https://www.facebook.com/groups/148272768653994/?fref=ts)
3. Domingo no Darke: Encontros cariocas – cultura da paz – acontece desde o início de 2013, é uma mostra bimestral de ações sócio-comunitárias e projetos culturais da Ilha de Paquetá, realizada no belíssimo Parque Darke de Matos.
(https://www.facebook.com/Domingo-no-Darke-Encontros-Cariocas-Cultura-da-Paz-902158916473895/)
4. Cineclube PQT – Evento quinzenal de projeção de filmes, seguido de debates que envolvem moradores da ilha e convidados. As sessões são realizadas no restaurante Quintal da Regina.
(http://cineclubepqt.wix.com/cineclubepqt)
5. Horta da alegria – Horta comunitária desenvolvida no canteiro do pátio central da Unidade Integrada de Saúde Manoel Arthur Villaboim, que vem sendo reeditada de tempos em tempos e atualmente está de vento em popa.
(https://www.facebook.com/groups/348685512008339/?fref=ts)
6. Festival da Guanabara – Festival que reúne diversas ações coletivas existentes em Paquetá. Sua primeira edição foi realizada no início de novembro de 2015, espalhando por toda a ilha atividades de música popular e erudita, teatro, dança, além de debates e festas.
(http://festivaldaguanabara.com.br/)