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Fórum Rio 2025 discute o bem-viver a partir do trabalho invisibilizado do cuidado

A coordenadora executiva da Casa Fluminense, Larissa Amorim, convidou lideranças e representantes do poder público, entre elas, a Ministra Anielle Franco, para discutir sobre o bem-viver dos territórios a partir da perspectiva de quem sustenta o cuidado do país nas costas e é sobrecarregada por esse trabalho invisibilizado. O atual governo brasileiro está instituindo a Política Nacional do Cuidado, que chega para formalizar os trabalhos de cuidado e colocá-lo  como um direito. Para mulheres negras, indígenas e trans, é preciso que a interseccionalidade esteja presente no escopo da política para que ela seja assertiva.

Frente a esse cenário, a Casa Fluminense trouxe a temática do cuidado para o centro do debate com lideranças sociais de toda a Metrópole do Rio de Janeiro. No dia 7 julho, segundo dia de programação do Fórum Rio 2025, aconteceu a mesa Territórios de Bem-viver: o cuidado ancestral que nos sustentou até aqui”, mediada pela Larissa Amorim, com participação da Ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco; a integrante do Instituto Odara, Valdecir Nascimento; a Coordenadora de Gestão da Informação do Ministério do Desenvolvimento Social, Jordana de Jesus; a Deputada estadual do Rio de Janeiro, Renata Souza (PSOL); a Coordenadora da Casa Dulce, Shirley Maria; e a idealizadora do Coletivo Urbano de Ervas (CURE), Elna Thayna.

A mesa provocou de que maneira as tecnologias desenvolvidas por mulheres negras, trans e indígenas, para a continuidade de seus territórios e comunidade, podem integrar o plano de cuidado. Além de pensar, como essa política vai chegar nas favelas e periferias. “Nós queremos discutir o cuidado a partir do questionamento de como uma sociedade racista, transfóbica, excludente, vai implementar uma política de cuidado”, provoca Valdecir.

Cuidado na RMRJ

O dialogar sobre o bem-viver dos territórios e do país tem sido atravessado por pautas importantes, entre elas a do cuidado, esse trabalho invisibilizado liderado por mulheres, que hoje representa cerca de 8,5% do PIB brasileiro. Apesar do avanço da pauta do cuidado, o Brasil ainda vive um grande atraso em relação a países da América Latina, como o Uruguai, que desde 2015 tem ações de cuidado sendo construídas para a população de Montevidéu.

Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, a sobrecarga do cuidado é estampada desde a desigualdade salarial, as horas dedicadas ao cuidado e a inoperância das gestões públicas em cuidar das  famílias. Em dados publicados pelo Cobradô, nova plataforma de monitoramento da Casa Fluminense, é destacado a diferença de dedicação ao cuidado, onde mulheres negras gastam 40 horas por mês a mais do que homens brancos cuidando de pessoas ou com afazeres domésticos.

Além disso, segundo o Mapa da Desigualdade de 2023, homens e mulheres recebem uma diferença salarial média de quase R$ 500,00, desempenhando a mesma função. E, o estado vive uma crise histórica de falta de vagas em creches, onde apenas 1/4 das crianças da região metropolitana estão matriculadas em creches.

“Sabemos que o cenário colocado pelo governo do estado aqui no Rio de Janeiro é bem complexo, mas nós não vamos retroceder no debate da centralidade da agenda do cuidado aqui no Rio”, afirma Larissa Amorim.

Durante a mesa, a Deputado Estadual, Renata Souza, apresentou um parâmetro sobre a realidade orçamentária do Estado do Rio de Janeiro, onde tem cerca de 2,5 bilhões de reais destinado para a política de mulheres, mas que não inclui no orçamento a trabalho do cuidado ou qualquer política relacionada a ela.

“O governador do estado, Cláudio Castro, anunciou 2,5 bilhões de orçamento para a política de mulheres, e quando fomos olhar onde é que está esse orçamento tomamos um susto. Eu fui verificar junto à Secretaria de Trabalho quanto desse valor foi investido em políticas de trabalho e renda para mulheres, e era 0%. Ou seja, não existe hoje no estado do Rio de Janeiro 1 real sequer para a política de trabalho e renda das mulheres”, pontua a Deputada. 

Enquanto a pauta do cuidado segue em disputa nas diferentes instâncias públicas, seja federal, estadual ou municipal, mulheres negras, trans e indígenas continuam se responsabilizando e se sobrecarregando pelo cuidado de suas famílias, territórios e comunidades.

Na Casa Dulce Seixas, primeira e única casa de acolhimento LGBT+ da Baixada Fluminense, Shirley é vista como a matriarca da comunidade que vive com ela na casa, em Nova Iguaçu. Ela representa para muitos daqueles jovens e adultos o apoio que o estado não oferece para eles. Enquanto isso, Elna, liderança indígena e idealizadora do CURE, que fica no Encantado, zona norte do Rio, também se vê como uma trabalhadora do cuidado, administrando uma casa onde as mulheres do seu território buscam por apoio emocional, saúde e bem-viver.

“A gente passa às vezes até 18 horas por dia cuidando dos filhos ou quando estamos cuidando de outras pessoas. Pela falta de acesso ou pelo desinteresse do governo, não estamos incluídas em políticas, mesmo sendo a maioria da população que sustenta o nosso sistema. Somos nós que cuidamos das crianças, dos idosos, das mulheres, e mesmo assim não temos políticas públicas assertivas para a gente”, desabafa Elna.

Interseccionalidade do cuidado

Antes da Política Nacional do Cuidado começar a ser construída federalmente, já existiam articulações e mobilizações acontecendo em diferentes frentes, onde mulheres negras se colocaram enquanto provocadoras da importância de transversalizar a pauta do cuidado com questões raciais. Na audiência “A Economia do Cuidado”, que aconteceu em abril de 2024, na ALERJ, puxada pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher da Alerj, presidida pela Deputada Estadual Renata Souza (PSOL), a Casa Fluminense participou, representada pela coordenadora de informação, Luize Sampaio, que compartilhou sobre o ciclo de negligência que atravessa mulheres negras e periféricas, e a importância de lideranças sociais femininas para a garantia de dignidade dos territórios.

Anielle Franco, Ministra da Igualdade Racial do Brasil, que esteve presente na mesa durante o Fórum Rio 2025, se colocou como uma aliada para a articulação da Política do Cuidado e também afirmou a importância de tratar o cuidado como uma pauta interseccional. “A gente não pode achar que transversalizar é algo simples, porque não é, mas ainda assim, o transversalizar, precisa estar presente quando formos debater sobre política de cuidado e as mulheres negras precisam estar no centro do debate!”, direciona a Ministra.

A Casa Fluminense tem desde 2022 pautado a política do cuidado como uma proposta de política pública presente na Agenda Rio 2030. Seja produzindo eventos como o “Cuidado no Centro da Política”, ou participando de encontros como o “La cuida – Laboratório de ativação da economia do cuidado” no Uruguai, a organização tem se colocado nacional e internacionalmente no debate do cuidado, entendendo que para projetar o bem-viver do país é preciso pensar primeiro em quem o sustentou até aqui. 

Para a Casa, é importante que essa articulação aconteça em diálogo com a sociedade civil, com lideranças, organizações sociais presentes em favelas e periferias, porque são desses lugares que vão surgir as soluções para o futuro da metrópole e do país. Não tem como pensar a solução para a desigualdade sem incluir no debate quem mais é atravessado pelo problema.

“A revolução do cuidado vem pelo reconhecimento da importância do nosso trabalho cuidado! A gente materna todo mundo, mas a gente deixa de maternar a gente, deixa de maternar nossos sonhos”, compartilha Elna.

É preciso somar forças nessa articulação, para que mulheres como a Elna, não precisem abrir mão dos seus sonhos para cuidar de quem o estado não se responsabiliza. Apoiar ações como a Marcha das Mulheres Negras, que vai acontecer no dia 25 de novembro, em Brasília, organizada pelo Instituto Odara. 

A coordenadora executiva da Casa, Larissa Amorim, fechou o debate da mesa “Territórios de Bem-viver” chamando todas as pessoas presentes para apoiar a construção dessa política: “Isso vai exigir muita articulação, e mais do que exigir de mulheres negras, indígenas, trans, vai ser uma missão nossa. A gente precisa entender que essa não é uma agenda política só de mulheres, precisamos de todo mundo para esse debate ser ampliado, sair da invisibilidade e de fato ter centralidade!”.

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