Dado de 2018 revela desigualdade educacional entre os participantes do Exame Nacional. Destes, maioria são negros, mulheres e da rede pública.
Apesar das campanhas e pedidos de adiamento da prova do Exame Nacional do Ensino Médio por causa da pandemia da COVID-19, as inscrições para o ENEM foram mantidas até o momento pelo Ministério da Educação e abertas nesta segunda (11/05). Os clamores pela mudança no calendário argumentam que, no contexto atual, as desigualdades educacionais vão produzir ainda mais efeito no resultado final da avaliação porque uma grande parcela dos candidatos não possui computador em casa e não tem acesso à internet.
Para dimensionar o contingente de inscritos no ENEM afetados pela falta de infraestrutura adequada para os estudos, a Casa Fluminense analisou os microdados do ENEM 2018 coletados pelo formulário de inscrição da prova. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, 31,8% dos inscritos não têm computador em casa. Deste grupo, 75% vêm de escolas públicas, 68% são negros e negras e 68% são mulheres. No município de Japeri quase a metade dos inscritos não possui computador. Já em Niterói, a cada 5 inscritos, 4 possuem computador em casa.
A partir deste perfil, o risco de retrocesso na democratização do acesso ao ensino superior e agravamento das desigualdades é grande. Afinal, o acesso à universidade ainda está diretamente atrelado à possibilidade de melhores oportunidades no mercado de trabalho.
“Buscamos destacar os dados dos inscritos que não possuem computador em casa, porque este indicador revela outras camadas sobre as reais condições dos estudantes. Não ter computador provavelmente aponta para uma configuração do espaço doméstico sem um local adequado para estudo e concentração. Além disso, qual é a qualidade de estudo através de um celular? Distribuir chip não resolve este problema estrutural”, comenta Yasmin Monteiro, que é assessora de mobilização na Casa Fluminense e coordena o projeto Juventude Popular na Universidade.
A exclusão digital observada afeta desde a realização da inscrição online no ENEM até a continuidade do processo de escolarização e preparação para as provas, principalmente para os estudantes da rede pública. Enquanto as escolas particulares dão sequência ao programa de ensino, as da rede pública não dispõem de um modelo pedagógico de EAD que garanta acesso, suporte e preparação para a comunidade escolar no processo de aprendizagem em si.
Para Lidiane Cosmelli, professora de História na rede estadual em Belford Roxo e na rede municipal em Guapimirim, a decisão pelo não adiamento do calendário do Enem é muito prejudicial. “Também atuo como professora do pré-vestibular da rede UNEAFRO e já consigo imaginar o impacto dessa decisão. O resultado da realização do ENEM nestas condições será um perfil de aprovados bastante elitizado no próximo ciclo de turmas. Já na rede pública, vejo a baixíssima adesão dos alunos no ensino remoto. Em uma turma de 45, o máximo de participação que já tive foram de 6 alunos. Porque muitos não têm acesso à computador ou internet em casa, o que às vezes significa não ter nem mesa disponível para estudar com tranquilidade”.
William Benita também é professor da rede estadual e atua em duas escolas em Mesquita, com as disciplinas de Sociologia e Filosofia. Na rede privada, William leciona Geografia. O educador observa a fragilidade das medidas indicadas pela Secretaria Estadual de Educação para contornar as desigualdades educacionais no que tange a exclusão digital. “Como eles vão conseguir garantir a entrega de chips adequados para os diferentes modelos de celular? Como garantir o recebimento nos endereços via Correios? Nós sabemos bem a dificuldades da entrega de correspondências nas nossas periferias”, reflete William.
Enquanto o calendário do ENEM não foi alterado, as articulações com deputados no Congresso Nacional e campanhas de mobilização das organizações sociais, pré-vestibulares comunitários e escolas continuam pela defesa do adiamento. Decisão recente do Tribunal de Contas da União emitiu parecer técnico favorável ao adiamento, agora cabe ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) se manifestar.