Mulheres formam coletivos para se firmar no mercado de trabalho

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Comunicação Casa
Data
22 de setembro de 2014

Maria Luisa Barros

Rio – Elas cansaram de ver a banda passar. Mesmo com a ausência de políticas públicas, reunidas em coletivos de resistência cultural, mulheres da Baixada Fluminense, maioria entre os nem-nem, transformam suas vidas. Apesar de girarem uma poderosa engrenagem de produção e conhecimento, não são reconhecidas nas estatísticas do Governo, que contabilizam o total de ocupados no mercado de trabalho.

“Existe um retrato distorcido e preconceituoso dessa geração, como se fosse um bando de gente à toa. Não é verdade. Eles são organizados e trabalham para mudar a realidade que os cerca”, analisa o sociólogo Eduardo Alves, do Observatório de Favelas, da Maré. De acordo com índices oficiais do IBGE, eles continuam a fazer parte da geração ‘nem-nem’, como são designadas as pessoas, com idade entre 18 e 24 anos, que não trabalham e nem estudam. Na edição de domingo, O DIA mostrou que, na Baixada, um em cada três jovens está nessa situação, ou 137.990 moradores.

Giordana e Dani (em sentido horário) desenvolvem projetos sociais e culturais que valorizam o papel da mulher nas periferias do Grande Rio

Foto:  Divulgação / Danilo Sérgio

Um dos coletivos mais atuantes na Baixada é o Roque Pense!, formado em sua maioria por mulheres, com o intuito de combater o machismo local. Em sua terceira edição, o festival que leva o nome do coletivo terá a participação de artistas, músicos e apresentações de hip hop, grafite, skate e bandas que tenham, pelo menos, uma mulher. A proposta é dar visibilidade à participação feminina na arte de rua, na qual a atuação delas é relegada a segundo plano — como parte do público, colaboradora ou namorada. “No momento em que aprende um instrumento, ela passa a ser reconhecida. Encontra um sentido para a vida e tem a possibilidade de decidir se quer ou não a gravidez”, ressalta a militante feminista e gerente de projetos do Roque Pense!, Giordana Moreira.

Muitas das iniciativas para jovens, como batalha de danças, capoeira e fanzines, são levadas adiante pela produtora cultural Terreiro de Ideias, com sede em Duque de Caxias. “Os jovens chegam com baixa autoestima e se deparam com projetos lúdicos, longe do cuspe e giz das escolas. O que fazemos é colocar brilho nos olhos desses meninos, como alguém capaz de criar, diferente do ambiente escolar que reprime suas emoções”, diz a diretora Daniele Francisco.

Reconhecer iniciativas nascidas nas periferias é um dos caminhos a ser trilhado para tentar reverter esses índices, na opinião do pesquisador Eduardo Alves, do Observatório de Favelas, no Complexo da Maré. “Os jovens da periferia produzem arte, cultura e conhecimento, mas infelizmente toda essa produção que vem das ruas não é considerada como forma de trabalho ou ensino formal”, critica o sociólogo.

Na visão dele, é preciso superar o preconceito e implantar políticas públicas que valorizem os jovens de baixa renda e potencializem a ação de coletivos nos territórios onde eles já atuam. Nesse sentido, os investimentos devem aproximar os equipamentos culturais, como escolas, museus, espaços de leitura e bibliotecas, promovendo uma integração entre eles e essa juventude.

Para o pesquisador, os jovens negros e pobres têm um enorme potencial ainda pouco aproveitado pela sociedade. Eduardo acredita que também é necessário melhorar a mobilidade urbana e desmilitarizar as forças de segurança. “O investimento em transportes de massa, com tarifas reduzidas, permitirá a esse jovem circular pela cidade, sem perder parte da vida em congestionamentos”, diz.

Tailana, na Estação Comendador Soares, critica a falta de empregos

Foto:  Ernesto Carriço / Agência O Dia

Transporte impede crescimento*

Bons currículos e aparência não significam oportunidades de emprego. A iguaçuana Tailana Bradulin, de 21 anos, sabe bem disso. Bonita, boa dicção, com Ensino Médio completo e cursos de secretariado, contabilidade, gestão empresarial, auxiliar de telefonia e ortodontia, está desempregada há quatro meses. “Aqui na Baixada não há bons empregos, não tem nem emprego. No máximo, tem trabalho”, lamenta-se a jovem, que sabe que terá que buscar uma colocação no município do Rio. “Trabalhei em Copacabana e demorava seis horas para ir e voltar do trabalho. Não dava para fazer mais nada da vida.”

Segundo ela, a Baixada só oferece vagas no comércio, onde os jovens têm que trabalhar em pé e bater metas. “É muito cansativo trabalhar em shopping. Eu queria muito ter um bom salário e ficar por aqui.”

Para Tailana, o alto índice de ‘nem, nem’ se deve à acomodação dos jovens que vivem com os pais.

*Reportagem de Tássia Di Carvalho

Matéria originalmente publicada no jornal O Dia

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