O sonho de um modal de transporte ferroviário que liga o Rio de Janeiro a Niterói e a região leste da Baía de Guanabara data de fins do século XIX, sob o reinado de Dom Pedro II, mas foi apenas em 1968 que o projeto original do metrô esboçou o trajeto conhecido hoje como linha 3. Na época, os ramais de trem já ligavam a Zona Oeste ao Centro da cidade. A Linha 1 do metrô iria da Zona Sul a Jacarepaguá, passando pelo Centro – onde acabou parando. A Linha 2 iria da Zona Norte ao outro lado da Baía de Guanabara, mas a ideia ficou pelo caminho.
Obras chegaram a ser realizadas para a futura implantação da travessia, passando pela atual estação da Carioca – um nível abaixo do que é utilizado hoje -, mas lá se vão mais de quatro décadas de abandono.
Em 2015, após três opções de modais diferentes, o governo do estado do Rio anunciou novamente o interesse em investir no metrô, algo que mais de um milhão e meio de cidadãos fluminenses aguardam com ansiedade. Uma ilusão que desafia a passagem dos séculos.
O projeto da linha 3 é o desenho da maior integração intermodal do Brasil. Planejada para ligar o Centro do Rio a Niterói, o metrô seguiria por um túnel a ser escavado por baixo da Baía de Guanabara. Do outro lado da Baía, a linha do metrô seguiria a antiga linha de trem, passando por Alcântara e chegando na Estação Guaxindiba.
Com a construção e o poder financeiro do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), a linha 3 deveria alcançar a estação Visconde de Itaboraí, interligando outros municípios do Leste. Todo esse trajeto, com pouco mais de 37 quilômetros, seria possível a partir da integração entre barcas, ônibus e, principalmente, via trilhos.
Em meados de 2008, o então secretário de transporte, Luiz Fernando Pezão, anunciou o metrô como modal de ligação entre os municípios. Em 2013, a proposta do governo do estado passou a ser o monotrilho. No começo de 2015, alegando falta de recursos, o projeto foi substituído por um sistema de BRT (Bus Rapid Transit, ou trânsito rápido de ônibus, em português).
Em audiência pública realizada no dia 25 de junho na Assembleia Legislativa do Rio (ALERJ), o governo voltou atrás novamente. O secretário de desenvolvimento, Marco Capute, informou que Niterói e São Gonçalo deverão mesmo ser interligadas por metrô. Mas não está definido se a linha 3 será construída na superfície ou seguirá por túneis subterrâneos. Novos estudos de viabilidade devem ser realizados.
Moradores de São Gonçalo sofrem com isolamento
“O maior problema de não ter a linha 3 do metrô, ou outro modal, é que ficamos reféns de um único transporte, os ônibus. Acabaram até com as vans”, afirma Matheus Graciano, morador de São Gonçalo, que gasta, em média, duas horas de ônibus em horário de pico para chegar a Niterói. Como ele, os mais de um milhão de moradores do município, outrora conhecido como “Manchester Brasileira” pelo alto grau de industrialização, sofrem com o isolamento e a precária mobilidade urbana.
Dados recentes da pesquisa “Arranjos Populacionais e Concentrações Urbanas do Brasil”, do IBGE, mostram que dois dos três maiores deslocamentos diários de pessoas entre municípios do Brasil localizam-se na metrópole fluminense. O maior fluxo no estado do Rio é entre São Gonçalo e Niterói, com mais de 120 mil pessoas fazendo o trajeto diariamente para estudar ou trabalhar. No país, só perde para o deslocamento entre Guarulhos e São Paulo, com 146,3 mil pessoas por dia. Em terceiro lugar aparece o trajeto Duque de Caxias-Rio, com 119 mil.
Professor da UERJ e especialista em engenharia de transporte, Alexandre Rojas afirma que o estudo de viabilidade da ligação por barcas entre São Gonçalo, Niterói e Rio de Janeiro mostrou-se inviável. “É um modal ponto-a-ponto com o agravante da poluição e do assoreamento na Baía de Guanabara, que elevam o custo de implantação e de manutenção”, diz.
Há 15 anos, segundo o professor, o escritório de engenharia Noronha, do mesmo projetista da Ponte Rio-Niterói, “portanto um profundo conhecedor da geologia da Baía de Guanabara”, garantiu a viabilidade do túnel por baixo da água. “Trata-se de um estudo bem detalhado. Em resumo, indicava o seguinte trajeto viável: metrô da Carioca para a Praça XV, seguindo para estação Arariboia”, garante. “A demanda justifica a implantação de meios de alta capacidade para melhorar a mobilidade. A implantação do metrô é a solução correta”, conclui Rojas.
Desapropriações seriam necessárias
Para além das questões políticas, econômicas e técnicas, outros desafios estão no caminho da linha 3. Na região da antiga linha ferroviária, que serve de base para o projeto, houve aumento da população e dos bairros. Por onde passava o trem, hoje, há famílias, comércio e até academia pública construída pela prefeitura de São Gonçalo, como mostrado em reportagem do jornal O Globo.
O cartunista Carlos Latuff também documentou, em registro fotográfico, o abandono dos trilhos que serviam de integração entre os municípios. As imagens confirmam que remoções e desapropriações seriam inevitáveis para a implementação da linha. Anteriormente, mais de 300 famílias foram retiradas em regiões próximas ao bairro Jardim Catarina, um dos pontos idealizados como estação no projeto.
Para Alexandre Rojas, as remoções são um limitador e um dos motivos para o adiamento do projeto por tempo indeterminado. “Há cerca de oito anos, procedeu-se o levantamento dos moradores que estavam no eixo da antiga ferrovia e por onde deveria passar o metrô em via elevada. Existiam prédios e casas em área invadida. Remover estas pessoas, eleitores, é um fator decisivo”, alerta o especialista.
Questionado sobre a proposta do governo em substituir o metrô pelo BRT, Rojas alega que “o impacto da implantação do BRT na vida das pessoas é menor. Quem mais é afetado são os motoristas dos carros particulares, que passam a ter menos uma faixa de tráfego para circular. As desapropriações também são em menor quantidade”. O professor lembra, porém, que “o BRT é bem mais barato que o metrô, mas somente alivia a situação, não resolve em definitivo”.
Orçada inicialmente em mais de dois bilhões e meio de reais, as 14 estações da linha 3 trariam mais conforto e agilidade para mais de 700 mil passageiros diariamente. O túnel pela Baía usaria o método construtivo Tunnel Boring Machine (TBM), conhecido como tatuzão. Em Niterói, o projeto ganharia traços para compor o Caminho Niemeyer, parceria realizada com a fundação do arquiteto durante a idealização de uma das etapas do projeto.
Enquanto isso, na outra margem da Baía, o projeto da linha 4, que liga a Zona Sul do Rio à Barra da Tijuca, custará mais que o triplo do valor de implementação da linha 3 – em torno de oito bilhões de reais. Atenderá 300 mil passageiros ao dia. Em fase de escavação, essa obra tem previsão para ser concluída em meados de 2016: uma demora bem menor do que os 47 anos já passados do projeto de ligação entre o Rio de Janeiro e o leste metropolitano.