Esse pequeno ponto no mapa é a Ilha Seca, cuja história alterna ocupação e abandono, mas hoje ganha a chance de abrigar um projeto que pode fazer a diferença nas tentativas de despoluição das águas da baía: o Observatório Pesqueiro da Baía de Guanabara.
Foi rumo a essa ilha que um grupo de 153 pessoas partiu, no domingo 20, da Ilha do Governador, munidos de protetor solar, repelente, lanches, cangas, câmeras e, principalmente, sacos de lixo, mudas de plantas e enorme disposição de trabalhar para que a pequena ilha cumpra este papel transformador na história do Estado do Rio de Janeiro. O grupo fez parte da II Expedição à Ilha Seca (a primeira aconteceu em 13/11/2015), organizada pela APELT (Associação de Pescadores Livres de Tubiacanga), em parceria com o Instituto Unitas, a AULA (Associação Universitária Latino Americana), a Colônia Z-10 e o Movimento Baía Viva. A proposta da expedição era ser uma ocupação cultural e ecológica da ilha em homenagem ao Dia da Água, celebrado no dia 22 de março.
Do ponto de encontro, na Colônia de Pescadores Z-10, considerada a mais antiga do Brasil, os participantes rumaram para a Praia do Zumbi, de onde partiu o barco com destino à Ilha Seca. Durante o percurso, o ambientalista Sergio Ricardo, um dos organizadores do evento, destacou a ocupação da Baía de Guanabara por várias instalações petroleiras que, juntamente com os despejos industriais e de esgoto sanitário, o lançamento de lixo de toda espécie, provenientes de empresas e habitantes que ocupam seu entorno, representam sentenças de morte às espécies que vivem naquelas águas. Um quadro que evidencia a falta de políticas públicas adequadas e contínuas – como saneamento, fiscalização, ações educativas – para a despoluição e prevenção de danos ao meio ambiente.
Não raro, encontram-se tartarugas mortas nas degradadas praias da Ilha do Governador, devido à poluição e ao lixo flutuante. O boto-cinza, que ornamenta a bandeira da cidade do Rio de Janeiro e é símbolo da capital fluminense, está ameaçado de extinção. Segundo dados da APELT e parceiros, na década de 1980 viviam na Baía de Guanabara cerca de 800 indivíduos desta espécie. Nos anos 1990 foram reduzidos para 400 e atualmente restam apenas 35.
Sofrem as espécies marinhas e as comunidades pesqueiras, que vêm experimentando acelerado processo de empobrecimento e desmantelamento cultural. Os organizadores da expedição denunciam que grande parte dos pescadores e trabalhadores do mar, como descarnadeiras e marisqueiros, devido ao crescente número de áreas consideradas de exclusão de pesca e à poluição, já não consegue tirar o sustento de suas famílias da atividade pesqueira.
A grande quantidade de lixo – embalagens plásticas, vidro, seringas, brinquedos, calçados – recolhida pelos voluntários da expedição em algumas praias da ilha comprova o estado de degradação da Baía de Guanabara. O lixo reciclável recolhido no mutirão de limpeza foi doado ao projeto de reciclagem que já funciona na sede da Colônia Z-10. Alguns moradores vão semanalmente à Ilha Seca num esforço voluntário para reduzir o lixo flutuante.
O Observatório Pesqueiro
O projeto Observatório Pesqueiro da Baía de Guanabara nasceu em 2007, de uma parceria entre a APELT e pesquisadores de universidades e instituições científicas e entidades de pesca. Um dos seus principais objetivos é promover o repovoamento do ecossistema da baía, através de tanques que serão utilizados na produção de alevinos e crustáceos (peixes, camarão, caranguejos e mexilhões), e a capacitação profissional dos trabalhadores do mar. O projeto prevê ainda uma Escola de Pesca que atuará na formação de profissionais de gastronomia e de marinheiros de convés e máquinas e pretende estar em funcionamento em janeiro de 2017.
O Observatório Pesqueiro conta com o apoio de pesquisadores da UFRJ, UERJ, FIOCRUZ, UFF e PUC-Rio. Estas universidades, apesar da proximidade com a Baía de Guanabara, têm seus laboratórios de pesquisa em outras regiões do estado, como Macaé e Ilha Grande. Deste modo, a implantação do Observatório Pesqueiro da Ilha Seca trará inúmeros benefícios, desde o repovoamento das águas da baía, o desenvolvimento da Economia Solidária com geração de emprego e renda, à implantação de centros de pesquisa da vida marinha. A Ilha Seca tem potencial para converter-se num pólo gastronômico de frutos do mar, bem como de ecoturismo, com espaço para áreas de lazer.
Na década de 1950, a Ilha Seca serviu como depósito de combustíveis da petroleira Texaco e, após anos de abandono, corre o risco de voltar a servir a atividades que representam risco ao meio ambiente, uma vez que a Baía de Guanabara vivencia um forte processo de reindustrialização. A ameaça de vazamentos, com incalculáveis danos ambientais, é uma constante. Dar a ela um outro destino é a causa que move os organizadores da Expedição. A ilha dispõe de uma certa infraestrutura – construções e casas – que precisa de reformas, mas pode servir ao projeto, que prevê também a captação de energia solar e de água de chuva; e um píer (atracadouro) para embarcações de pequeno e médio portes.
A natureza resiste e retribui os cuidados dedicados a ela. Prova disso é o manguezal do Rio Jequiá, um ecossistema protegido pela legislação como Área de Proteção Ambiental e de Recuperação Urbana (APARU), por cuja preservação lutam há décadas ecologistas, técnicos e os pescadores da APELT. No manguezal, encontram abrigo espécies de aves ameaçadas de extinção, como os maçaricos, e também a garça azul e o colhereiro rosado.
A Ilha Seca, como sede do Observatório Pesqueiro proposto, poderá ser também um exemplo de resistência e uma referência no processo de implantação de um efetivo programa de despoluição da Baía de Guanabara. Este é um dos pontos da Agenda Rio 2017, uma plataforma permanente de propostas, fruto de diálogos e debates promovidos pela Casa Fluminense.
A próxima expedição à Ilha Seca está prevista para o mês de junho. Acompanhe também pela página do movimento Baía Viva.