Eco-92, Programa de Despoluição de 1994, Rio +20 e a promessa Olímpica, esse são alguns marcos de compromisso público que o governo já fez sobre a despoluição da Baía de Guanabara. Porém, apesar do seu impacto direto na vida de tantas famílias, a região segue sofrendo com o descaso e baixo investimento em programas de despoluição. A bacia, que percorre 17 dos 22 municípios da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, recebeu uma renovação dessas promessas. A concessão do saneamento básico no Rio, concluída em abril, colocou com meta contratual tratar 90% da região até 2033.
Enquanto papéis são redigidos, nos territórios, moradores de todas as ideias e regiões da metrópole, buscam limpar esse cenário com as próprias mãos. Esse é o caso de figuras como o pescador Hélio Carvalho, de 58 anos, e Yasmin Porto, de 13. Mesmo sem se conhecer, ele lá no Complexo da Maré, ela em São Gonçalo, querem a mesma coisa: poder viver à margem de uma Baía limpa. Conheça mais sobre o trabalho feito por essas lideranças de gerações diferentes.
Seu Hélio Carvalho, o último pescador da Baía
Nascido e criado no Complexo da Maré, Hélio Carvalho, de 58 anos, é o último pescador da região que ainda sobrevive da pesca. Fundador da colônia de pescadores do Parque União, Hélio trabalha há mais de 40 anos com o ofício e acompanhou de perto o processo de poluição da Baía de Guanabara. Gradativamente, viu sua fonte de renda se tornar um espaço de despejo de resíduos de diferentes partes da Região Metropolitana do Rio.
Ele conta que um episódio em particular agravou a situação. Em fevereiro de 2000, um duto da Petrobrás, que fazia a ligação entre a Refinaria Duque de Caxias (Reduc) e a Ilha d’Água, na Ilha do Governador, rompeu. Essa ação provocou um vazamento de 1,3 milhão de litros de óleo combustível. A mancha preta se espalhou por 40km².
“Isso foi a gota d’água ou melhor gota de óleo. Estava em casa e um amigo passou perguntando se eu não ia pegar a cesta básica do governo, na hora não entendi. Depois vi na televisão, era uma cena horrível. Na época eu nem tinha documento de pescador. Rolou um processo porque na época eles nos deram apenas 700 reais e pela justiça tinha que ser 80 mil, algo assim, mas essa ação já deve ter caducado e tudo”, explicou Hélio
“Estou nessa de teimoso”
Hélio contou que começou a pescar aos 16 anos, ele trabalhava como vendedor no entorno da Baía de Guanabara na época em que ainda havia muitos pescadores e pessoas frequentando as praias da região. Ele lembra que aprendeu o ofício com um antigo pescador conhecido como Seu Valdemar, já falecido. Foi com ele que Hélio aprendeu a costurar rede, montar o barco e pescar.
“Eu nem sonhava de ser pescador, era vendedor de picolé e biscoito polvilho na Praia do Marrom, lá tinha muito pescado. Eu ia lá vender e ficava encantado com eles, o trabalho até com a costura das redes. Uma semana fugi de casa e fui para lá, seu Valdemar me deu rasgou um pedaço de rede e me mandou para casa, disse para eu consertar e treinar Fiquei costurando aquela ‘redezinha’ até às duas horas da manhã”, contou o pescador. No fim eu consegui e voltei para mostrar”, completou Hélio.
Há, claro, outros barcos no porto improvisado da favela, mas, por conta da poluição, os donos das outras embarcações hoje vivem de fretes e viagens em torno da Baía.
Novas gerações seguem na mesma linha
Do outro lado da Ponte, em São Gonçalo, uma adolescente de 13 anos também virou um símbolo vivo da Baía e seus potenciais. Moradora da Comunidade do Gato, ao lado da Praia Yamagata, no bairro do Gradim, a jovem Yasmin Porto luta pela preservação do espaço. Nas margens da mesma Baía de seu Hélio, a praia recebe lixo tanto da bacia quanto de empresas e moradores que despejam todo tipo de material na areia. Sem aula durante a pandemia, a adolescente começou a mobilizar seus amigos e vizinhos para mutirões de limpeza da praia.
“Eu queria que tivesse um lugar perto de casa para que meus amigos pudessem brincar, foi por isso que comecei a vir com meu pai e outras pessoas da comunidade até aqui sempre que dava”, contou Yasmin.
Ela explicou também que um dos principais fatores impeditivos para manter a praia limpa é a falta de coleta adequada do lixo nas ruas da região, principalmente dentro da comunidade. Durante as coletas, as toneladas retiradas precisam ser carregadas até a rua principal do bairro ou então levadas de barco até outros pontos da cidade. Toda essa movimentação é feita pelo próprio moradores.
A mobilização da adolescente inspirou outros movimentos da região, como Ressuscita São Gonçalo e o Por Gentileza, a se somarem nos mutirões. A liderança natural da Yasmin foi reconhecida pela Câmara dos Vereadores de São Gonçalo. Em maio, a moradora da Comunidade do Gato recebeu uma moção de aplausos dos parlamentares da casa.