O ano de 2018 teve início contrariando a sensação de muita gente que parecia não querer o fim de 2017. Isso porque esse novo ciclo que se inicia agora traz consigo um período eleitoral não muito distante que desde já provoca calafrios nas mentes mais progressistas do país. Junto com a disputa política por ideias e interesses que estamos acostumados a assistir em todo pleito eleitoral, surge ainda a corrida por visibilidade virtual e por hegemonia de diferentes correntes de pensamentos que disputam sensações, corações e mentes dos eleitores.
Você pode estar se perguntando: mas o que tem a ver robôs, redes sociais e política? TUDO! Um estudo da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV/DAPP) mostra que contas automatizadas motivam até 20% de debates em apoio a políticos no twitter, impondo riscos à democracia e ao processo eleitoral de 2018.
No Brasil, já não é novidade que aportaram por aqui empresas especialistas em marketing político, lançando mão de robôs/bots para sua atuação. A disputa política por influência digital vem ganhando escala no país desde as eleições de 2014 e terá agora um terreno bastante fértil para trabalhar por aqui, onde existe uma grande massa de população com baixa escolaridade e polarizada. Estamos falando de empresas como a Stilingue, que varre a internet com um software de inteligência artificial capaz de ler textos em português – já usado para fazer previsões sobre as votações no Congresso, e da Cambridge Analytica, a polêmica consultoria que trabalhou na campanha de Donald Trump.
Companhias como essas processam toneladas de informação que vêm da rede e de bancos de dados para, por exemplo, mapear os perfis de eleitores, pois eles sabem que a recepção de conteúdo pelos seres humanos é seletiva – pessoas com orientação progressista dificilmente dão atenção a discursos autoritários, por exemplo – e que, por isso, precisam adaptar o discurso de seus candidatos para elevar seu alcance e, em última instância, conseguir votos. Agora o marketing político está indo além e passou a agrupar os brasileiros usando como critérios seus sentimentos – medos, desejos e ambições. Alguém falou em Black Mirror?
A Cambridge Analytica, que firmou parceria com A Ponte Estratégia, é especialista em colocar no divã os eleitores por meio da metodologia de segmentação psicográfica, que traça o perfil psicológico deles de modo diferente do perfil demográfico – que divide os indivíduos por classe social ou grau de instrução, por exemplo; e do perfil ideológico – que posiciona os eleitores no espectro da direita e da esquerda. No Brasil o objetivo da empresa é dividir os brasileiros entre seis e 12 perfis que já seguem determinadas atmosferas das redes sociais criadas de modo proposital. Assim, eles buscam entender do que as pessoas têm medo, o que as inspira, quais temas rejeitam e quais apoiam para adaptar a mensagem do candidato ao público – estratégia usada por Trump no ano de 2016.
E por falar em Trump, devemos nos lembrar de outro problema que pode colocar em risco a democracia em 2018: o fenômeno das chamadas Fake News, ou a velha conhecida notícia falsa, mentirosa e oportunista, que sempre existiu no meio do jornalismo inidóneo, mas que agora ganha status de arma de guerra. Isso porque as opiniões são facilmente manipuladas a partir de ondas que são criadas por meio de boatos que se espalham rapidamente na web. Sem mencionar os social bots, que já foram usados em eleições de 2014 e 2016, perfis controlados por inteligência artificial que se manifestam politicamente e interagem com seres humanos nas redes, um grande disseminador de notícias falsas.
Leia mais nessa matéria da BBC: Robôs e ‘big data’: as armas do marketing político para as eleições de 2018
Há quem diga que o novo presidente dos EUA só garantiu a vitória às custas de jovens macedônios interessados em fazer muito dinheiro em pouco tempo. Será mesmo?
Conversamos com o especialista Marco Konopacki, coordenador de projetos em Democracia e Tecnologia do ITS Rio, para tentar entender quais são os riscos que estamos correndo neste cenário atual, onde alcançamos grandes avanços tecnológicos que estão a serviço da manipulação dos desejos e das escolhas da população sobre quem ocupará os cargos públicos. De acordo com ele, dados do Digital News Report da Reuters (Digital News Report 2017)apontam que 50% dos consumidores de notícias no Brasil o fazem através ou de mídias sociais (facebook – 57%), ou de mensageiros instantâneos (whatsapp – 46%). Além disso, 60% dos brasileiros confiam na notícia que chega até eles, ou seja, qualquer notícia que chega aos brasileiros, mais da metade deles confiam sem questionar. “A soma desses fatores gera uma equação muito simples: você tem uma forma barata de difundir notícia usando meios eletrônicos e não importa muito se o conteúdo é real ou fake. Para piorar, 70% dos brasileiros replica a notícia que chega até eles”, explica Marco.
Ele ainda acrescenta que sim, estamos vulneráveis. “O Brasil é um terreno fértil para prosperar esse tipo de atuação e como consequência o processo eleitoral de 2018 deve ser completamente diferente do que vimos antes. Essa será uma eleição dominada pelas redes sociais e a dificuldade de entendermos e lidar com o fenômeno também a torna a mais imprevisível da história”, afirma.
Esse terreno fértil é o mesmo que se verificou nos EUA com os eleitores de Trump, mas para entender isso é preciso conhecer o que os jovens da Macedônia têm a ver com o fato. De acordo com o programa GloboNews Documentário – “Fake News: Baseado em fatos reais’”, de André Fran, Rodrigo Cebrian e Felipe UFO, exibido dia 30 de setembro de 2017, quase metade dos desempregados da Macedônia (46,9 %) é formada por jovens entre 15 e 29 anos que vivem em cidades interioranas, disponíveis a fazer qualquer coisa por dinheiro, eles não têm ideologia alguma e há a ausência completa de valores. Nesse contexto, a cidade de Veles se tornou uma cidade popular, de lá saíram os sites que afetaram enormemente as eleições. O país possuiu uma tradição em tecnologia e a fama de ter bons profissionais a baixo custo desde os anos 90.
Quando Donald Trump, em plena campanha eleitoral, chamou a grande imprensa de mentirosa, ele desmoralizou a (busca pela) verdade e isso foi feito como forma de dominação. Ele acusou toda a imprensa de falsa quando na verdade, o que acontece é que se torna fácil rotular de fake um ponto de vista diferente que não concordamos. Com isso, seus leitores passaram a acreditar em qualquer coisa que surgisse favorável ao Trump na Web e não mais nos grandes veículos de mídia, mesmo aqueles mais comprometidos com o bom jornalismo. Foi então que esse comportamento abriu espaço para o crescimento das Fake News, que não possuem compromisso com a verdade e, portanto, podem afirmar tudo aquilo que queremos ouvir ou acreditar. Surgiram de repente mais de 100 sites pró-Trump sediados na Macedônia durante as eleições norte-americanas.
A notícia mais barata do mercado
Com relativa facilidade esses jovens criaram sites, conseguiram anunciantes e os cliques mais bem pagos pelo Google em links contendo Fake News vinham dos EUA durante as eleições, como explica o documentário. Então, os jovens macedônios perceberam que eles precisavam atingir o maior número de norte-americanos possível para conseguir dinheiro via Google / AdSense. Cada uma das notícias falsas eram postadas em grupos do Facebook pró- Donald Trump e então acontecia a chuva de cliques. Foi o dinheiro mais fácil que esses jovens já conseguiram na vida! Não há interesse político na motivação deles, apenas mercadológico. É por dinheiro que fazem o que fazem, assim como os empresários da Cambridge Analytica, que vão onde o dinheiro está. O que devemos nos perguntar é por qual motivo tais sites e suas notícias falsas foram publicadas na Fox News/EUA, mesmo a companhia conhecendo a procedência duvidosa do conteúdo? A quais interesses servem as empresas que optam por reproduzir Fake News?
Existe hoje uma crise no jornalismo convencional, a informação de qualidade nas redações de veículos corporativos ficou cara demais e difícil de ser produzida. Já as notícias falsas são mais baratas e mais fáceis de serem feitas, elas estão se tornando mais sofisticadas e difíceis de serem identificadas. As Fake News colocam em risco o ambiente de liberdade de expressão, fundamental para uma democracia, o que fez surgir no mundo uma série de agências especializadas em detectar e combater as notícias falsas por meio da checagem de dados (fact-checking). É a corrida do ouro digital. Isso é um risco grande para países com menor tradição democrática. Brasil incluído.
“Os apoiadores de Trump são mais estúpidos e acreditam em qualquer coisa que falem bem do candidato deles. Ele é o tipo de político que atrai mais gente estúpida como eleitor”, disse o jovem macedônio entrevistado no programa em troca de € 800 Euros. Ele ainda explicou que as restrições de postagens falsas no Google são bem poucas, sendo até mais fácil do que no Facebook. Ao que tudo indica, a produção de notícias falsas é algo rentável para a gigante Google. Se os jovens macedônios encontraram nisso uma boa fonte de renda [20% a 30% da renda dos cliques fica com o dono do site que gerou a notícia falsa], o restante todo vai para o Google.
Para Konopacki, o que alguns grupos estão fazendo é a manipulação dos algoritmos das redes sociais, se aproveitando do perfil político cultural do brasileiro para criar verdadeiras bombas de efeito moral discursivo. “A mentira e as acusações fazem parte do jogo político e está intrínseco nas nossas relações sociais. A questão está em como separamos e damos transparência a este jogo para que o próprio eleitor possa decidir em quem confiar e em qual verdade ele quer acreditar”, afirma.
O que o futuro nos espera
Se informação é poder, é importante termos uma internet livre e aberta, que garanta o acesso e a produção de conteúdo popular, com ela é mais tangível a cultura do monitoramento e a cidadania no Brasil. Não é questionando a liberdade de rede que vamos acabar com a má fé do capitalismo. “As pessoas criaram um modo de uso muito passivo da tecnologia, mas só a partir do momento que se criar consciência de como essa manipulação funciona é que criaremos cidadãos mais capacitados e informados para lidar com esse tipo de situação. Nas eleições deste ano o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) terá um papel importante na conscientização do eleitorado sobre como lidar com isso”, disse ele.
Confira entrevista completa aqui
Apesar do perigo que se espalha por todos os países, de forma pioneira, a Alemanha apresentou uma possível solução para o problema das fake news. No dia 1.º de janeiro, entrou em vigor uma lei, aprovada em junho do ano passado, que obriga as redes sociais a removerem conteúdos impróprios, como discurso de ódio e notícias falsas, de suas plataformas em até 24 horas após terem sido legalmente notificadas. As empresas que não cumprirem as novas normas poderão ser multadas em até € 50 milhões. A nova lei aplica-se aos sites e redes sociais com mais de 2 milhões de membros. Facebook, Twitter e YouTube serão os principais afetados, mas a regra também poderá ser aplicada ao Reddit, Tumblr, Vimeo e Flickr. França também demonstra preocupação com o fenômeno e anunciou que irá apresentar um projeto de lei ao Parlamento para dar mais eficiência e rapidez aos processos judiciais relativos à difusão de fake news. O objetivo é aumentar a transparência do conteúdo publicado nas plataformas digitais, obrigando os sites a prestarem informações à Justiça com maior velocidade.
O TSE deve estabelecer novas regras para enfrentar a questão até 5 de março e já iniciou um grupo de trabalho chamado de Conselho Consultivo sobre Internet e Eleições que envolve diversas órgãos nacionais incluindo representantes da Justiça Eleitoral, do governo federal, do Exército e da sociedade civil. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal também irão integrar o grupo. Segundo informações divulgadas pela Carta Capital, o delegado Eugênio Ricas, chefe da Diretoria de Investigação e Combate ao Crime Organizado da PF, disse cogitar usar a Lei de Segurança Nacional, do fim da ditadura, para lidar com notícias falsas se não houver uma nova legislação até o início do período eleitoral. Não sabemos até que ponto o envolvimento das Forças Armas nessa questão poderá ser prejudicial para as liberdades individuais. O objetivo deve ser o de combater a propagação de notícias falsas, e não fazer uso político dessa situação para praticar o vigilantismo.
Você conhece o Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br)?
Outro problema ainda pouco discutido por aqui é a coleta, compra e venda de dados pessoais na internet, onde não há uma lei que regulamente essa prática, muitas empresas negociam informações de usuários que não fazem ideia de que sua privacidade poderia ser compartilhada com outras empresas quando aceitam seus termos e condições. A proteção de dados pessoais é tema do Projeto de Lei (PL) 5.276, que está parado na Câmara. Já o Projeto de Lei (PL) 6.812/2017, que prevê detenção de dois a oito meses, além do pagamento de multa, para quem divulgar ou compartilhar notícia falsa ou “prejudicialmente incompleta” por meio da internet, está na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara.
Além disso, práticas como o uso político das concessões de radiodifusão é algo bastante comum por aqui e a privatização das telecomunicações se intensificaram nos últimos meses, ao mesmo tempo em que políticas públicas de comunicação foram desmontadas e abriu-se espaço para a intervenção estatal na gestão da Internet no Brasil. Se diante tudo isso somarmos o fato de que a grande mídia brasileira está nas mãos de poucas famílias oligárquicas não comprometidas com as informações relevantes para o conhecimento popular massivo e que a comunicação pública no Brasil, que é algo recente no país, sofreu duros golpes no último ano, fica claro que nosso futuro e nossa capacidade de fazer boas escolhas corre sérios riscos em 2018. É preciso abrir os olhos!
Leia também:
El País – O marqueteiro brasileiro que importou o método da campanha de Trump para usar em 2018
Estadão – O combate à notícia falsa
Correio do Brasil – Estudo mostra que robôs aumentam polarização dos debates nas redes sociais
FGV/DAPP – Robôs, redes sociais e política no Brasil
Carta Capital – Sete golpes contra a democracia nas comunicações em 2017
ITS/Rio – Marco Civil da Internet: Construção e Aplicação
Carta Capital – O que os órgãos do governo vão fazer contra as “fake news”