Por Hilka Telles
Rio – Os números são surpreendentes e traduzem uma realidade inimaginável em plena Era da Informação: 52.073 crianças e adolescentes, entre 6 e 14 anos, estão fora da escola nos 19 municípios que compõem a Região Metropolitana do Rio de Janeiro. É como se a população inteira de Guapimirim tivesse abandonado os estudos. Os dados são da Casa Fluminense e fazem parte da terceira reportagem da parceria entre o DIA e a Associação, que estuda questões da metrópole. Para se ter uma ideia, o Estado do Rio ocupa, ao lado de Tocantins e Espírito Santo, a 11ª posição no ranking da evasão no país, com 3% — Santa Catarina é o que tem menos alunos fora das escolas — 2,2%.
“A questão está relacionada com a condição social da família e a má qualidade da educação”, explica o professor Simon Schwartzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade e um dos maiores especialistas em educação do país. Para ele, o problema da evasão se concentra em alunos a partir dos 10 anos.
Pesquisa: Confira dados completos do Ideb e Pnud
De acordo com informações colhidas em 2013 pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) — que baseou o estudo a partir do Censo IBGE 2010 — a cidade do Rio de Janeiro aglutina quase a metade do universo sem lápis e caderno: 24.417, seguido pelos 13 municípios da Baixada, responsáveis por mais 19.966 crianças e adolescentes que não estudam. As restantes 7.690 distribuem-se por cinco cidades do Leste Fluminense: Itaboraí, Maricá, Niterói, São Gonçalo e Tanguá.
Schwartzman não poupa ninguém ao elencar os motivos da evasão: “Professores que não sabem lidar com alunos indisciplinados e os punem ou segregam, até que desistam de estudar; crianças e adolescentes com dificuldade de aprendizado não são estimulados; e sucessivas greves na rede pública, que deixam o estudante até três meses sem aula. Tem ainda a cultura de gangues de rua, que acaba seduzindo o adolescente. E outros, que abandonam os estudos para trabalhar”, diz.
A evasão se relaciona com a condição social da família e a má qualidade da educaçãoSimon Schwartzman, pesquisador do Iets
A construção de uma política educacional metropolitana seria a principal ferramenta para corrigir a evasão escolar, na opinião do economista Mauro Osório, professor da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ e coordenador do Observatório de Estudos sobre o Rio de Janeiro.
“Existe uma metrópole carioca, formada por Rio, Baixada e Leste Fluminense, que precisa de soluções integradas. Em Caxias, 40% das escolas não têm cano d’água. Como esperar que ali haja ensino de qualidade? É um conjunto de medidas que deve ser aplicado”, acentua Osório.
Ideb: São Paulo e Minas estão à frente do Rio
A Região Metropolitana do Rio também apresenta desempenho sofrível quando se observa o aprendizado de alunos do 1º ao 5º anos do Ensino Fundamental na rede pública. De acordo com o ranking do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que envolveu as regiões metropolitanas do Rio, São Paulo e Minas Gerais, os 14 piores lugares estão com municípios da Região Metropolitana do Rio, dos quais 11 apenas na Baixada.
Se o ranking fosse estendido até os 20 resultados mais desastrosos, outros dois municípios da Região Metropolitana do Rio passariam a integrar a tabela, elevando o total para 16 cidades com os mais baixos índices de desenvolvimento da educação básica.
O último resultado da Prova Brasil, que compõe os dados do Ideb, foi divulgado em 2011. Mas há uma luz no fim do túnel. Alguns municípios atingiram a meta projetada pelo Ideb, como Rio de Janeiro (meta 5.1 e nota 5.4), Duque de Caxias (4.2 e 4.3), Guapimirim (3.8 e 4.3), Itaboraí (4.4 e 4.6), Itaguaí (4.1 e 4.5), Nilópolis (3.8 e 4.4), Paracambi (4.3 e 4.9), Seropédica (4.0 e 4.3) e Tanguá (4.0 e 4.5).
Largada para combater problema
A Secretaria Municipal de Educação do Rio já deu a largada para combater a evasão escolar. O compromisso é trazer de volta à escola, até 2016, ao menos 21 mil das 24.417 crianças encontradas no Censo. Para isso, firmou parceria com a Associação Cidade Escola Aprendiz, dirigida por Natacha Costa, e montou o projeto Aluno Presente, que aproveita experiências vividas no Complexo da Maré.
“Cruzamos informações do Bolsa Família e do Bolsa Carioca para saber quantas famílias tinham perdido o benefício porque a criança deixara a escola. Identificamos que os maiores bolsões estavam nas zonas Norte e Oeste, principalmente em favelas”, explica Eliana Souza Silva, diretora da ONG Redes da Maré e uma das fundadoras da Casa Fluminense. “Tirar a Bolsa Família é um erro, pois marginaliza ainda mais a criança e a exclui.”
Para chegar aos que deixaram a escola, foram montadas equipes com moradores locais. “Vamos de casa em casa conhecer as razões que levaram os alunos a deixar o colégio”, diz. Com o diagnóstico, as equipes agem para dar o apoio necessário e reverter a situação. “Se não entendermos as questões que levam à evasão, não temos como responder às demandas. É possível mudar esta realidade.”
Matéria publicada originalmente no jornal O Dia
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