O Rio de Janeiro desafia corações e mentes. Mesmo as pessoas mais apaixonadas pela cidade e pelo estado foram afetadas pela baixa autoestima geral que se instalou logo após as Olimpíadas. Mas como sair dessa? Quais são os pontos de apoio para a reflexão sobre o Rio? De maneira sintética, identificamos três pontos para o debate: o drama da segurança pública, a crise fiscal e econômica e a necessidade de um projeto de desenvolvimento regional. São questões complexas que exigem diagnóstico correto, liderança, coordenação política e espaços para a participação social.
No quesito da segurança pública, nosso ponto de partida é a promessa de campanha do governador Wilson Witzel para que as forças policiais façam o abate de criminosos que estiverem portando fuzis. Uma medida controversa, sobre a qual o Defensor Público Geral do Estado, Rodrigo Pacheco, já se manifestou a respeito de sua inconstitucionalidade. A tendência é o aumento de operações de confronto entre policiais e traficantes, com pouco espaço para medidas de prevenção e ações de inteligência, reforçando dinâmicas de violência em favelas e periferias e atingindo, sobretudo, a juventude negra e pobre do Rio por inteiro. Em janeiro, o Conselho Estadual de Segurança Pública (CONSPERJ) foi reestruturado e a participação de organizações da sociedade civil foi vetada. Mal começo, péssimas perspectivas.
Na crise fiscal e econômica, o novo governador precisa atuar para ajustar as contas públicas do Estado, que possui um orçamento de 79.1 bilhões para 2019 e previsão de receitas de 71.1 bilhões. Ou seja, um déficit de 8 bilhões. Sem os recursos necessários, o Estado pode voltar a atrasar salários dos servidores e dos fornecedores, afetando diretamente a entrega de serviços públicos essenciais como a educação e a saúde. É necessário construir uma abordagem que enfrente a crise não apenas com a redução de despesas, mas também com o aumento de receitas. A modernização do Estado, a eficiência e a qualificação da gestão pública são fundamentais e devem ser implementadas com rigor. Mas medidas para aumentar a receita devem vir juntas, como o aprimoramento da arrecadação tributária, a revisão de incentivos fiscais, cobrança da dívida ativa do Estado e outras, como por exemplo, a licitação dos ônibus intermunicipais, que pode gerar uma outorga de 2 bilhões para os cofres públicos. Além disso, cobrar da União um modelo de ressarcimento das dívidas acumuladas pela Lei Kandir e renegociar o Regime de Recuperação Fiscal (RRF) em termos mais adequados para o Rio de Janeiro também devem ser considerados no debate sobre equilíbrio fiscal.
Em paralelo, deve-se tomar medidas para um projeto de desenvolvimento regional que priorize investimentos em infraestrutura e promova complexos produtivos em áreas como energia, indústria naval, economia criativa e outras. A geração de postos de trabalho é urgente! Alinhada à esse ponto, a política metropolitana, tema-chave para a Casa Fluminense, teve avanços na última gestão com a conclusão do Plano Metropolitano (PDUI) e a aprovação do marco legal que estabelece o planejamento e a governança metropolitana do Rio (PLC 10/2015). Essas podem ser as bases para um desenvolvimento urbano mais compacto e sustentável na metrópole fluminense. Logo após as chuvas torrenciais de janeiro, o governador Wilson convocou a primeira reunião da Câmara metropolitana com a participação dos prefeitos. O encontro tratou do funcionamento da Câmara e suas instâncias de participação e de execução. Uma dos espaços de participação é o Conselho Consultivo, um colegiado formado por 45 membros, distribuídos entre poder executivo, legislativo, empresas, entidades de classe, ONGs, universidades e movimentos populares. Na medida em que o espaço comece a funcionar, temas como as parcerias público-privada para o saneamento básico e a licitação dos ônibus intermunicipais estarão na ordem do dia.
É neste cenário que a Casa deverá se articular com forças populares, democráticas e republicanas para a defesa de direitos e a construção do novo ciclo político no Rio. Ao longo de 2018, a Casa Fluminense e a Fundação Cidadania Inteligente, em parceria com um conjunto de organizações e coletivos da sociedade civil da RMRJ, realizaram o movimento Rio por Inteiro com o objetivo de promover mais participação social nas eleições. Por meio da plataforma rioporinteiro.org.br e das ações nos territórios, apresentamos propostas de políticas públicas, mobilizamos pessoas para o debate eleitoral e buscamos compromissos de candidatas e candidatos identificados com nossos objetivos. A Casa atuou intensamente na difusão da Agenda Rio 2030 e entregou o documento para 92 candidatos, dos quais 19 foram eleitos, sendo 10 para a Assembleia Legislativa (ALERJ) e 9 para o Congresso Nacional. Essa será a base inicial de interlocução entre o Parlamento e a Casa Fluminense.
OBJETIVOS PARA 2019
No último dia 20 de fevereiro, a Casa realizou sua assembleia anual e apresentou os objetivos que vão orientar sua atuação em 2019. De maneira transversal, eles visam fortalecer a participação social na busca de soluções para o Rio, pois somente com uma agenda pública aberta à participação plural da sociedade conseguiremos produzir bens públicos resilientes, que não pereçam no próximo governo. Por um lado sabemos que isso significa navegar contra a corrente, mas por outro, não podemos abandonar a ideia de uma metrópole popular e inclusiva, na qual a criatividade de seus habitantes é a sua maior riqueza. Não vamos desistir do Rio. Seguem abaixo dois desses objetivos e algumas ações de destaque.
I – Fomentar processos de formação, mobilização social e defesa da democracia.
Ampliar processos de participação social e de engajamento cidadão na busca de soluções públicas para o Rio está no DNA da Casa. Portanto, no momento em que o projeto político vencedor das eleições desqualifica o ativismo, esvazia conselhos de políticas e sinaliza que vai monitorar a atuação das ONGs, nossa primeira reação é repudiar tais medidas.. Mas não podemos apenas ter uma postura reativa, devemos ampliar processos de formação e mobilização social, sobretudo em conjunto com grupos de base comunitária, para a construção de um movimento político que coloque a redução das desigualdades no centro da agenda pública do Rio e do Brasil. A Casa Fluminense já atua nesta perspectiva com sua rede de associados e parceiros e deverá aprofundar sua ação nesta direção. Essa rede é ativada por uma série de atividades regulares que buscam aprofundar o debate e o monitoramento de políticas públicas para o Rio, assim como fomentar coesão social e ações coletivas deste campo de organizações da sociedade civil. O Curso de Políticas Públicas e o Fórum Rio são projetos com esses objetivos. Os outros dois são o Fundo Casa Fluminense e as Ações em Rede, que atuam mais diretamente no apoio e no fortalecimento do ecossistema de organizações parceiras.
O Fundo Casa Fluminense, desde sua criação em 2015 até outubro de 2018, já investiu R$ 42.210,00 no apoio de 62 iniciativas de parceiros, em 11 municípios diferentes. Em 2019, vamos aportar R$ 60.000,00 no Fundo Casa Fluminense, posicionando-o como uma ferramenta de suporte aos coletivos e organizações do Rio. Os recursos serão investidos em duas frentes. A primeira será o Apoio Direto à pré-vestibulares, coletivos culturais e movimentos de bairros já identificados na rede da Casa que precisam de suporte. A segunda parte será com o Edital Agenda Rio 2030, voltado para iniciativas de formação e mobilização social alinhadas com as propostas da Casa.
Já as Ações em Rede são a base para a colaboração regular entre a Casa, seus associados e parceiros, construindo uma rotina de apoio mútuo, suporte a atividades e calendário de ações comuns. Em 2019, o foco estará em potencializar redes já existentes, como o Fórum Grita Baixada, uma coalizão de pessoas e organizações que atua na defesa dos direitos humanos e segurança pública na Baixada Fluminense, o Pacto pela Democracia, uma plataforma de ação conjunta em defesa da construção democrática no Brasil, a Rede Pró-Rio, rede de estudos de planejamento e política pública regional orientada ao Rio de Janeiro, e o GT2030, articulação nacional de organizações da sociedade civil para monitoramento e implementação dos ODS no Brasil. Além disso, continuaremos atuando como articuladores regionais do programa CasaCidades, que apoia 15 organizações de base comunitária na RMRJ, e do MobCidades, que fomenta a participação social na gestão da mobilidade urbana.
Em paralelo, a Casa priorizará a colaboração em projetos de formação e mobilização junto aos grupos da periferia metropolitana. Entre as ações de previstas estão o LAB 24h, em parceria com a Agência Chama, o Curso de Políticas Públicas em Japeri, com o Mobiliza Japeri, o II Curso de Direitos Humanos e Políticas Públicas em Jardim Gramacho, realizado pela Casa Semente e o Movimento Nosso Jardim, e o Seminário Metrópole Transcultural, realizado pelo Observatório de Favelas. Além dessas atividades, existem outras em fase de articulação e elaboração.
Esse conjunto de ações em parceria com outras organizações e coletivos reflete a vocação da Casa para atuar no apoio, no suporte e no fortalecimento de um ecossistema de participação social no Rio.
II – Monitorar e incidir na Agenda Rio 2030.
Em 2018, a Casa lançou a Agenda Rio 2030, um conjunto de propostas elaboradas a partir de Fóruns e encontros realizados com a rede de parceiros desde 2013. A Agenda Rio foi amplamente difundida durante o período e ganhou reconhecimento de um espectro político diverso no Rio, inclusive com candidatas e candidatos utilizando propostas inteiras nos seus programas de governo. Apesar de presenciarmos um cenário de desmonte das políticas e de crise fiscal e econômica que restringe investimentos públicos do Estado, entendemos que o monitoramento da Agenda Rio 2030 é estratégico para a Casa manter o foco no debate sobre soluções para o Rio. Projetos como Painel Agenda Rio e Boletins Agenda Rio 2030 serão ferramentas para o monitoramento e fortalecimento desse horizonte.
Nossa avaliação é que existe pouquíssimo espaço para interlocução qualificada no poder executivo municipal ou estadual. Portanto, é tempo de levar o monitoramento das propostas Agenda Rio 2030 para outros espaços, como a Defensoria Pública, o Ministério Público, a ALERJ, as universidades e os veículos de comunicação. Ao mesmo tempo, conforme apresentado no item anterior, devemos utilizar o monitoramento para colaborar no trabalho de formação e mobilização social em conjunto com coletivos de base comunitária.
Entre os vários temas da Agenda Rio, o foco estará no eixo de Mobilidade Urbana, visto que esse é um tema popular que afeta diretamente a população trabalhadora. Os eixos de política metropolitana, segurança pública, saneamento básico e Baía de Guanabara também estarão na atuação da Casa, sempre com a perspectiva de ação em conjunto com outras organizações e coletivos da sociedade civil. Questões como qualidade do transporte público, transparência e redução da passagem estão no segundo Boletim da Agenda Rio 2030 e de uma intervenção pública que a Casa realiza na Central do Brasil para dialogar com usuários do transporte. Na medida em que o processo de mobilização e interlocução política produza brechas de interação com o poder público, a Casa deverá proporcionar espaços arejados com a participação de agentes públicos e privados, organizações da sociedade civil e cidadãos, para o monitoramento e a incidência das propostas da Agenda Rio 2030 e do movimento Rio por Inteiro. Encontros sobre “Licitação e transparência do bilhete único intermunicipal” e o lançamento da pesquisa “Segurança e qualidade dos trens metropolitanos” visam adensar a debate sobre mobilidade urbana e vão acontecer ainda no primeiro semestre.
Para concluir, entendemos que a sustentabilidade política das organizações da sociedade civil está relacionada com a capacidade de comunicar com clareza a sua causa e a sua estratégia para gerar impacto coletivo, obtendo reconhecimento de seus parceiros, doadores e da sociedade como um todo. Portanto, esperamos ter comunicado alguns dos desafios que a Casa Fluminense terá em 2019. Nosso desejo é que você possa participar e se conectar com alguns deles, para que possamos de forma coletiva dar nossa contribuição para o Rio superar a crise e encontrar o caminho para um desenvolvimento inclusivo, democrático e sustentável.