A segunda edição do relatório De Olho no Transporte mostra que na cidade do Rio, em março, apenas metade da frota de ônibus disponível atendeu à população. Após o primeiro ano de pandemia, no último mês, dos 7.977 veículos do efetivo determinado, só 3.208 foram para as ruas na primeira semana de março, apenas 40,2% do que a lei obriga. O monitoramento, que contempla também o BRT, mostrou que as empresas de ônibus seguem desrespeitando as normas firmadas com a prefeitura. Para o coordenador executivo da Casa, Vitor Mihessen, os dados ajudam a comprovar aquilo que a população vivencia diariamente nas ruas.
“O que a gente percebe por toda Região Metropolitana é um caos geral na mobilidade. Nesse momento em que os passageiros precisam mais do que nunca de um transporte vazio e seguro, o que tem sido visto repetidas vezes é a superlotação e o sumiço das linhas. Essa falta de gestão e controle aumenta ainda mais o risco do contágio pelo novo coronavírus. O relatório ajuda a denunciar essa situação e apontar caminhos”, afirmou o coordenador.
O relatório De Olho no Transporte foi produzido através do monitoramento dos GPS das linhas de ônibus da cidade do Rio de Janeiro, onde 2 milhões de moradores e moradoras de toda a Região metropolitana se deslocavam para o Rio diariamente antes da pandemia. Para a pesquisa, a coordenação de informação da Casa observou a circulação diária das frotas de março de 2020 até março de 2021 e o que chamou atenção da equipe foi a piora na oferta de ônibus neste ano, houve uma diminuição de 15 pontos percentuais. O relatório aponta também que o problema da lotação é anterior à crise sanitária, porém, se tornou ainda mais perigoso para o passageiro agora. Entre as regiões mais atingidas está a Zona Oeste do Rio, que é atendida pelo consórcio Santa Cruz.
Preço alto pago a cada viagem
Por mais que a recomendação fosse, e continua sendo, ficar em casa, muitas pessoas precisam sair. Esse é o caso da operadora de telemarketing, Gianni Oliveira, de 27 anos. A moradora de Santa Cruz trabalha atualmente no centro da cidade e já desistiu de ir de ônibus por conta do tempo que perdia no ponto. O BRT também deixou de ser uma opção, segundo ela é muito difícil conseguir entrar no veículo.
“As linhas aqui sempre foram ruins, mas ficaram piores. Não dá para contar com um ônibus que aparece só de vez em quando. Tem uma linha (388) que me deixaria na rua do meu trabalho, mas ela nunca aparece. Atualmente prefiro ir de trem, assim economizo uma hora de viagem”, explicou Gianni.
Outro grupo essencial que não parou foram os motoristas de ônibus que no auge da pandemia, no início deste ano, tiveram um aumento de 62% no número de mortes em relação ao mesmo período em 2020. Os trabalhadores do transporte público também vêm sofrendo com as demissões, o número de pessoal ocupado nas concessionárias cariocas caiu 23% (de 25.766 para 19.631) de 2019 para 2020, são menos 6.135 pessoas empregadas no modal.
Sequência de falhas e/ou lições durante a pandemia
No ano passado, a primeira edição do De Olho no Transporte já mostrava que houve uma queda na oferta de ônibus. As medidas tomadas pela última gestão, no início do lockdown, corroboraram para isso ao permitir uma redução de 40% da frota. O resultado foi o agravamento da superlotação no modal. A prefeitura então voltou atrás e exigiu, ainda em março de 2020, a volta de 80% dos ônibus. Sem mudança no cenário e com o aumento significativo de casos de COVID-19, em junho, a Secretaria Municipal de Transportes em uma outra nova ação determinou através da resolução 3296 que as linhas regulares de ônibus, incluindo o sistema BRT, deveriam operar com 100% da frota. Mas, segundo dados da Casa, 12 meses após, o número de veículos em circulação na cidade segue inferior ao observado em março de 2020.
Uma nova lógica para o transporte público
Bom, barato, seguro e limpo são esses os quatro principais pontos defendidos pela Casa Fluminense quando o assunto é mobilidade urbana. Desde o ano passado, a organização já vinha mostrando como a pandemia expôs as falhas nos contratos licitatórios, o que ampliou os problemas do transporte público.
Atualmente, a lógica de receita gira em torno da tarifa paga pelos passageiros. Quanto mais pessoas transportadas por veículo, mais as concessionárias lucram. Por isso, podemos dizer que a superlotação é economicamente vantajosa para esses grupos. Com a crise do coronavírus e a necessidade de isolamento social essa lógica perdeu sentido, as empresas passaram a lucrar menos e o debate sobre outras fontes de receita voltou a ganhar força.
Neste sentido, o De Olho no Transporte 2 trouxe para o relatório a discussão sobre financiamento extratarifário olhando para o contexto do peso da tarifa no bolso do trabalhador e a série de aumentos que têm sido discutidos em modais estratégicos como o metrô e o trem. Para destrinchar esses assuntos, o lançamento da Casa foi marcado por um live com especialistas e ativistas da mobilidade urbana. Dividido em três mesas, o papo contou com a participação de representantes do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), Unidade Popular, Fórum Permanente de Mobilidade Urbana da RMRJ e do Pedala Queimados. Confira aqui.