De bonde no bloco, a loucura ocupa o Subúrbio

Categorias
Texto por
Comunicação Casa
Data
27 de fevereiro de 2023

Por Philippe Valentim*

A abertura do carnaval, dizem alguns, é quando o prefeito entrega as chaves da cidade para o Rei Momo; para os foliões e foliãs mais animados é no exato momento que desejamos “feliz ano novo” ao som de fogos que enfeitam os céus. Há também quem defenda que o carnaval nunca termina ou ainda tem aqueles mais poéticos que dirão que o fim é o princípio do próximo. 

A verdade é que o Rio de Janeiro, cidade caos e correria, é berço de umas das formas mais populares e diversas de se brincar: o carnaval de rua. Os carros e ônibus cedem espaço aos corpos que brincam. O carnaval é também permeado pela palavra Resistência, seja capacidade de subverter a ordem ou principalmente por ter sido talhado por negros, pobres, suburbanos e periféricos.

Foto: Fábio Caffé

Talvez se nosso marco civilizatório fosse o carnaval, a nossa sociabilidade seria muito diferente, marcada pelo encontro. O filósofo periférico Laudmeir Casemiro, conhecido como Beto Sem Braço, tem uma célebre reflexão onde afirma: “O que espanta miséria é a festa”, o carnaval deve ser visto como uma invenção da existência. É uma forma de estar na cidade e também disputar cada pedacinho. 

Quem disse que o direito de transitar pelos lugares é apenas para o trabalho. A festa como gozo coletivo também confere esse direito. Não que seja fácil ou até consolidado, transitar pela cidade é um desafio pela precariedade dos transportes públicos, escassez e valores exorbitantes. O festejar exige assim criatividade. 

A rua, então, segue sendo um campo de disputas nem sempre justas, mas sempre apaixonadas. Os blocos, como exemplo de sociedade transitória e possível, são atravessados pela capacidade de gerar encontros, abraços e afagos. 

O século XXI, marca uma espécie de retomada do carnaval de rua, talvez o Zé Pereira tenha tirado os anos 90 para um sono de beleza carnavalesca. As encruzilhadas foram retomadas, blocos surgiram e explodiram numa dimensão até então jamais vista. Blocos com temas variados se multiplicam ano a ano. Um redescobrir da existência na rua e na folia. 

Foto: Fábio Caffé

Ali no Engenho de Dentro, bairro cantado por Jorge Ben, nasce o Loucura Suburbana, ou apenas Loucura para os íntimos. O nome por si só já traz consigo o amor ensandecido pelo subúrbio. Se não bastasse isso, o Loucura é formado dentro do Instituto Nise da Silveira, o antigo hospício Dom Pedro II. Na cidadela do encarceramento dos corpos desencaixados insurge um bloco que faz da folia um método de tratamento para mentes e almas. 

Com mais de 20 carnavais, o Loucura Suburbana se tornou uma espécie de grito alto e ruidoso de pessoas que obedecem ao Rei – Momo – e se esbaldam na folia. Assim, nas ruas do Engenho de Dentro, bairro do icônico Chave de Ouro – o bloco que desfilava na quarta-feira de cinzas quando o carnaval acabava na terça gorda – vira palco de foliões que curam as mazelas mentais com sambas que falam da luta antimanicomial.

Foto: Fábio Caffé

O Loucura Suburbana se firma como um dos corações que pulsam confete e serpentina, no lugar onde o feijão e a diversão estão cada vez mais caros e mostra ser possível cultuar a insanidade de existências possíveis e saudáveis. 

Dois anos depois da pandemia que paralisou vidas e até mesmo mentes, o Loucura Suburbana desfila pelas franjas da cidade trazendo à tona o encontro sob as bênçãos de Momo. A cidade foliã, se reencontrou neste 2023 no Engenho de Dentro, o Bonde Casa partiu de diversos lugares tornando o Loucura a festa do riso e de abraços saudosos de carnaval, folia e purpurina. 

*Philippe Valentim, Suburbano de Oswaldo Cruz , pai da Luiza Inaê professor, escritor, agitador de bagunças culturais e contador de causos. Idealizador do Rolé Literário e do Viradão Cultural Suburbano.

Outras Notícias