Crivella planeja estacionamento em área com maior número de vagas do Centro do Rio

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Texto por
Saulo Pereira Guimaraes
Data
7 de março de 2017

A praça Virgílio de Melo Franco é repleta de árvores e fica a alguns metros do aeroporto Santos Dumont. No último dia 09, a prefeitura publicou no Diário Oficial um Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI), solicitando a empresas interessadas que enviassem projetos para a criação de um estacionamento subterrâneo no local. Entretanto, a praça está situada na região do Centro com maior número de vagas para carros e outros veículos, de acordo com estudo elaborado pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP).

Realizado em 2014, o levantamento verificou a situação de estacionamento em 135 ruas do Centro do Rio. “Como o local não foi muito alterado pelas obras recentes no Centro, o cenário que identificamos não deve ter mudado tanto”, afirma Diego Silva, Coordenador da Gestão de Demanda por Viagens do ITDP. De acordo com a pesquisa, a área compreendida entre a avenida Beira-mar e a Praça XV (região onde fica a praça Virgílio de Melo Franco) conta com mais de 1.400 vagas para automóveis, motocicletas e outros tipos de veículos. Entre os principais motivos para essa alta concentração, está o grande número de prédios públicos nas redondezas, como o Tribunal de Justiça, o Ministério Público e outros. Ao todo, foram contabilizados na área 750 locais destinados à parada de veículos autorizados.

Para se ter uma ideia, o intervalo entre a avenida Beira-Mar e o Castelo, que apresentava a segunda maior oferta de vagas, contava com pouco mais de 1.000 espaços para estacionamento (veja mais no quadro abaixo).

Para especialistas, a ideia da prefeitura pode complicar ainda mais o trânsito no Centro. “Como se trata de uma região que concentra empregos e comércio, criar novas vagas significa pôr mais veículos em circulação”, diz Diego. Segundo ele, ter onde parar seu carro pode fazer com que muitos dos atuais passageiros se transformem em motoristas. Conforme informa o Mapa da Desigualdade, o Rio concentra as oportunidades de empregos na região metropolitana fluminense, grande parte delas no Centro da capital. Além disso, a área da praça Virgílio de Melo Franco já conta com uma garagem subterrânea municipal nas suas proximidades. Mais precisamente, a 200 metros de distância. Inaugurado em 2007, o espaço sob a rua Santa Luzia custou R$ 30 milhões, conta com mais de 260 vagas e é administrado pela empresa AutoPark S.A. Os dados são da Associação Brasileira de Estacionamentos (Abrapark). Para o professor de engenharia de transportes da Coppe/UFRJ Ronaldo Balassiano, a boa oferta de transporte público que há no Centro elimina a necessidade de um novo local para parada de veículos. “Construir um estacionamento ali vai contra qualquer cartilha de planejamento urbano”, sintetiza ele. Vale lembrar que o desestímulo ao carro é uma das diretrizes da Agenda Rio, conjunto de ideias para a região metropolitana do Rio proposto pela Casa Fluminense.

A Secretaria Municipal de Projetos Estratégicos (SMPE) é o órgão da prefeitura responsável pelo PMI. Procurados, seus representantes lembraram que a iniciativa visa avaliar a viabilidade técnica e financeira de um estacionamento na praça Virgílio de Melo Franco e que, caso não surjam projetos interessantes, a proposta pode ficar no papel. Eles atribuíram a escolha do local à proximidade com estações de metrô e VLT. Segundo a SMPE, isso seria um fator para “redução – e não aumento – do número de veículos circulando na região” – embora todos os especialistas consultados informem o contrário. Além da Virgílio de Melo Franco, outras oito praças também foram escolhidas como alvo para possíveis projetos das empresas. Na Barra, a São Perpétuo. Em Copacabana, as do Lido, Demétrio Ribeiro e Serzedelo Corrêa. Na Gávea, a Santos Dumont. Em Ipanema, a General Osório. No Leblon, o Largo Sérgio Vieira de Melo. E, em Madureira, a praça de Magno. Recebidas até o último dia 2, as propostas passam agora pela análise da prefeitura.

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Promessa de campanha

Durante a campanha eleitoral, a ideia de criar estacionamentos subterrâneos já tinha sido defendida por Crivella. Porém, Méier, Bangu e outras localidades citadas no programa do então candidato ficaram de fora da primeira lista divulgada pelo atual prefeito. De acordo com a SMPE, isso aconteceu porque receberam preferência os locais próximos a estações de metrô ou VLT nos quais não seriam necessárias desapropriações para o desenvolvimento de projetos. Ainda segundo o órgão, nada impede que os espaços anteriormente mencionados sejam lembrados em novas solicitações no futuro.

Diego explica que o modelo que inspirou Crivella não se aplica a regiões centrais. O chamado “Park and Ride” (“Estacionar e embarcar”, em português) é muito comum nos subúrbios das cidades americanas, que contam com estacionamentos nas proximidades das estações de trem e metrô para estimular o uso desses meios. “Locais como Copacabana e Ipanema não se adequam a isso, por já estarem bem integrados ao sistema de transporte público”, diz ele. Entretanto, Ronaldo destaca que a ideia se encaixaria como uma luva em pontos como Niterói. “A criação de um estacionamento perto das barcas poderia ajudar a desafogar o trânsito na Ponte”, indica ele. Na visão do engenheiro, a oferta de vagas pode ser uma ferramenta importantíssima no controle do fluxo de veículos em uma metrópole como o Rio de Janeiro.

Todavia, a criação de garagens subterrâneas envolve vários desafios. Um deles é o alto valor de obras assim. Uma vaga debaixo da terra chegava a custar 75 mil dólares em 2013, de acordo com dados da Associação Brasileira de Estacionamentos (Abrapark). Outra consequência é a redução na circulação de pedestres nas proximidades do empreendimento, devido à movimentação de veículos. “Isso é muito nítido na Cinelândia, onde a vizinhança do metrô está sempre cheia e a Praça Mahatma Gandi (que abriga uma garagem subterrânea) fica vazia”, destaca Diego. Além disso, estudos comprovam que esses espaços aumentam a circulação de veículos nas cidades. Um levantamento divulgado pela publicação especializada Transflash mostrou que a oferta de vagas na França levava 81% dos trabalhadores a optar pelo carro em seus deslocamentos diários – contra 48% em um cenário sem essa alternativa. “Por isso, o impacto da abertura de um estacionamento não se limitaria ao Centro, mas também chegaria à avenida Brasil, Linha Vermelha e outras vias de acesso”, adianta Ronaldo.

É importante destacar que a prefeitura estuda outras opções além das garagens subterrâneas para a cidade. No último dia 20, por exemplo, a Secretaria de Ordem Pública (Seop) criou um grupo de trabalho voltado para a modernização dos estacionamentos públicos. Com duração prevista de três meses, o time deve avaliar a viabilidade da instalação de parquímetros no Centro e na Lagoa – entre outras propostas. Na opinião dos especialistas, algumas ideias simples podem ajudar muito. “Nossas leis deviam determinar uma quantidade máxima – e não mínima – de vagas para cada construção”, sugere Diego. Em vigor desde 2013, a Lei de Uso e Ocupação do Solo do município prevê justamente o contrário em seu artigo 184. Já Ronaldo acredita que tornar trem, metrô e outros meios coletivos mais atraentes amenizaria o problema da circulação na metrópole. O argumento faz sentido, já que só a abertura do VLT tirou 40 mil carros das ruas do Centro, de acordo com números obtidos pela Folha. “As pessoas tem que ter vontade de andar de transporte público”, resume o engenheiro.

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